Sabor a pato
Como de tudo. Sou aquilo que se chama uma «boa boca». Peixe, carne, legumes, frutas e farináceos. Massas, arrozes, solanáceas e cucurbitáceas, crucíferas, liliáceas e umbelíferas, alcachofras e papilionáceas. Lacticínios de toda a espécie, desde que não seja leite, por causa de um trauma de juventude, quando vi um colega ganhar uma aposta ao beber leite em circuito directo do teto de uma vaca holandesa para a boca. Boca, dele, bem entendido, mas boca. Nas carnes, também não sou esquisito, Vaca, porco, borrego e javali. Aves de muitas espécies. Galinha, peru, codorniz, perdiz, avestruz e outras aves. Aves? Bom, aqui reside a excepção. Não suporto pato. Eu diria mais. Não é uma questão de não gostar de, é uma absoluta incapacidade de deglutir semelhante anserídeo. Sabe-me mal, sabe-me a pato, a capoeira, é uma ave deselegante e desengonçada, lembra-me alguma gente que eu conheço. Há mesmo patos com umas verrugas horrendas vermelhas (carúnculas) por cima do bico que lhes dão um ar putrefacto em vida o que, convenhamos, é desagradável à vista. Não gosto de pato, ponto final. Arriscaria mesmo em dizer que devo ser o único português que não gosta de pato, a avaliar pela expressão extasiada de gente conhecida e colegas de cada vez que lhes dizem nos restaurantes que «há arroz de pato», hoje por hoje um dos pratos portugueses mais desenxabidos e da mais pobrezinha imaginação e que consiste num vulgar arroz feito com a água de cozer o pato, servido numas travessinhas pirosas de barro, com uns fiapos do marreco e uma rodela de chouriço por cada mastigante.
Mas isto vem a propósito de quê? Eu explico. Vem a propósito da frustração indizível de percebermos que quando julgamos que as filhas absorveram pela osmose única da família as idiossincrasias dos pais e tomamos isso como um facto adquirido, acabamos por verificar que em cerca de um ano esse conhecimento passa à história, só porque começam uma nova família.
Sentei-me na sala, pensativo. O Liedson, entretanto, marcou um golo e aqueceu-me um pouco a alma.
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