quinta-feira, setembro 30, 2004

Grupos



Hoje de manhã fui bombardeado com notícias sobre a evolução da Sida em Portugal. Entre outras coisas, designadamente que as drogas têm uma “danosidade” (F. Thomaz, já não estás de castigo...) particular na incidência da doença, fiquei a saber que me incluíram num “Grupo”. Não sei quem, se a estação emissora, se o INE, se o Ministério da Saúde mas, para o caso, nem interessa. A frequência com que a locutora usava o termo “Grupo” dos heterossexuais informou-me à exaustão que eu pertencia a um “Grupo”. Isto pela liminar razão de que sou heterossexual. Já dando de barato a minha discordância quanto a esta designação, sou daqueles que gostam de mulheres. No bom sentido, como dizia o bom do Zé Maria e mesmo no mau sentido, já que de mulheres se deve e pode gostar em todos os sentidos. Quem sabe, até, no sentido único, sentido proibido e sexto sentido. Não tenho culpa, não é espírito de missão, nem votos de juventude. Gosto de mulheres, period. Pensava eu que gostar de mulheres seria tão natural como ter sede mas, aparentemente, não é. Gostar de mulheres subentende a minha classificação num “Grupo”. O grupo dos que gostam. Eu, que sempre fui alérgico a grupos, salvo especialíssimas excepções que não são para aqui chamadas. Mas sei que, quer queira quer não, eu estou incluído em alguns grupos a que não posso fugir. O grupo dos casados, dos solteiros, o grupo dos apreciadores de cachimbo, do amigos da pinga ou, até, do grupo excursionista do Clube Desportivo, Recreativo, Cultural e Beneficente de um qualquer lugarejo, cujos habitantes se juntam para ir ver as flores de amendoeiras e acabam tragicamente no fundo do rio Douro ou para irem assistir ao jogo de futebol entre o clube da terra e um dos grandes.

Daí que, pela humana e não despicienda razão de eu ter relações sexuais com indivíduos do sexo oposto, eu ser catalogado em “Grupo” parece-me insultuoso, redutor e, mais grave, porque a minha sensibilidade me diz que há uma mensagem subliminar e sub-reptícia nesta forma de agrupamento. Mesmo um ar de sorrelfa. Considerar os heterossexuais um “Grupo” é discriminatório e, subtil e implicitamente, diferencia-os de outros grupos. Dos homossexuais, está bem de ver.

Ser heterossexual é, devia ser, uma forma natural de um indivíduo se relacionar com o sexo oposto. Não vejo porque razão isso implique a formação de grupos, que não seja, exactamente, uma forma velada, inteligente, politicamente correcta e perigosa de mitigar a existência de grupos de indivíduos de diferente orientação sexual. E quanto mais persistir esta forma de estabelecer diferenças maior será a clivagem entre os “grupos”, acabando mesmo por funcionar duma forma perversa em relação aos homossexuais. E não havia necessidade. Qualquer pessoa inteligente e minimamente dotada de sensibilidade própria para os fenómenos da natureza humana conhece a homossexualidade e não a aceita nem deixa de aceitar. Convive com ela, no mais rigoroso respeito pela liberdade e orientação sexual de cada um. E quem não procede assim não deveria merecer um minuto que fosse de reflexão tanto por parte dos homossexuais como dos... chiça... heterossexuais.

Por isso me irrita esta permanente lavagem de cérebro a que sou sujeito quase diariamente sobre a questão da homossexualidade. Parece que me estão a ensinar a tabuada. E se não aprender põem-me ao canto da sala com orelhas de burro. E quase fazer pensar que, um dia destes, tenho de pedir desculpa, baixinho, por achar que dormir com uma mulher é como deitar cedo e cedo erguer. Dá saúde e faz crescer...





quarta-feira, setembro 29, 2004

O Barnabé



Iniciado nos blogues apenas há cerca de três meses, leio regularmente o Barnabé. Considero-o um caso exemplar de sucesso, à escala dos blogues, está bem de ver, enformando uma das mais eficazes estratégias de crescimento e impacto a que é possível deitar mão hoje em dia.. O que é simples aliás. Pegando na esquerda e mobilizando as claques idiotas e atiçando a direita igualmente idiota. Esta receita, de tão simples que é, chega a ser confrangedora pela forma como funciona. Mobilizadora, chocante, dinamizando emoções e estabelecendo sinergias que contribuem decisivamente para o sucesso do blogue e para o gáudio dos seus mentores que são tudo menos inocentes na estratégia que delinearam. Ainda hoje li um post onde se misturava a presença da GNR no Iraque com aceleradores de partículas...vários coelhos de uma cajadada. “Chapeau” a um tal Rui Tavares. Os comentários sucederam-se. Misturando-se os aplausos das tais claques com os apupos da direita ressabiada. Melhor que isto, só Pinto da Costa.

Poder-se-á perguntar. Mas que tenho eu a ver com isto? Não é a blogoesfera um espaço livre de opinião, uma arena saudável onde se dirimem ideias, tendências e anseios? É evidente que sim. E não é por aí que vem mal ao mundo, muito até pelo contrário. O que acho verdadeiramente triste, ia a dizer obsceno, é que o Barnabé é um retrato fidelíssimo da vivência e do estilo da nossa sociedade actual onde o importante, mais que debater, é barafustar. E se está datada a cena do sapato de Kruchev, mantém-se bem actual a arrogância, a vaidade pessoal e, frequentemente, a transposição de questões mal resolvidas para a arena do debate. Ainda hoje vi vários professores, educadores de infância (de infância, deuses...) a protestar pelos resultados da colocação dos professores da forma mais incivilizada, caceteira e com formas de expressão mais próprias de 4ª classe da tropa do que de responsáveis pela educação e formação de crianças e de adolescentes. Um constrangimento total, independentemente da bondade dos protestos, que parece existir mesmo. A diferença do Barnabé é que é feito por gente inteligente, longe de ser trauliteira, com as ideias ordenadas, culta, leitora e atenta. Mas isso não altera a opinião que tenho de que eles próprios, os que o escrevem, acreditem ma bondade de metade do que dizem. A coisa funciona e a corte de apaniguados cresce. Tudo numa óptica de esquerda, que é o que está a dar. Aqui neste país, onde continuamos num processo histórico cerca de 25 anos atrasados em relação à maioria dos países europeus. Já era assim na ditadura, foi assim no 25 de Abril e continua a ser assim hoje. Numa época em que as preocupações dos cidadãos reflectem um estádio de desenvolvimento e pensamento bem mais avançado, incluindo questões internacionais e, sobretudo, preocupações sociais, nós por cá continuamos a falar dos amanhãs que cantam, com os necessários ajustes à actualidade. É fácil, é bem consumido pelo povo atrasado que somos, bem sublimado pela... como é que se diz... esquerda intelectual e rende lugares de primeira fila de plateia em pequenas feiras das vaidades (até nas feiras somos pequenos) que nos afagam o ego.

A desfaçatez com que se fala em aceleradores de partículas ao mesmo tempo que se faz juízos de valor sobre as eleições americanas revela e ilustra com propriedade o tipo pimpão, pretensioso, desenrascado, desonesto e, frequentemente, ignorante que somos todos nós. Uns mais que outros, claro. E uns mais inteligente que outros. Nada disto seria muito grave se não contribuísse decisivamente para que tudo continue na mesma, diria até que pior, e nos mantivesse num atavismo que, a curto trecho, a muito curto mesmo, nos trará dificuldades quiçá inultrapassáveis para que continuemos inseridos, de pleno direito e dever, na sociedade europeia a que pertencemos. E se e quando isso acontecer e se eu ainda cá andar, vou pedir aos “Barnabés” que descalcem a bota. Longa vida ao Barnabé...


Um diz mata, outro diz esfola



Uma pessoa das minhas relações dispôs-se, condescendentemente, a ensinar-me a colocar fotos no blog. Ao princípio parecia simples. Umas aspas daqui, uns htpp’s dali mais sinal de igual, fecha aqui e abre ali e voilá que cada vez que eu experimentava saía tudo menos a foto. Desde quadradinhos com uma cruzinha ao centro (a roçar a pornografia) até ao meu número de contribuinte, tudo aparecia no post menos a almejada foto. Mas consideradas as excelentes relações do momento, prestei-me à mais informática discussão que tive até hoje, puxando dos raros pixeis (que horror, que será isto?) de que disponho e um ou outro jpg que apanhava ao acaso. A coisa não correu mal de todo, o respeito e consideração mútuos contribuíram para que discutíssemos o tema durante um sólida hora e meia. Mas não resultou. Hoje, chegado ao escritório, um colaborador que “percebe da coisa”, ensinou-me em minuto e meio o que ontem tentei aprender em hora e meia, para já não falar da hora e meia que a outra pessoa levou a tentar ensinar-me. Pois é, cada um é para o que nasce, lá dizia minha avozinha e eu, em definitivo, não nasci para isto. Mas já tenho a minha cábula. A mesma que usei para ilustrar este pequeno post, que é a ideia que me fica da discussão que ontem tive com a tal pessoa que me ia ensinar e, supostamente (um alparte do F. Thomaz a dizer que era um supônhamos), sabia muito mais do que eu.

“Jack and Gill
Went up the hill
To learn to post a picture
Jack fell down
And broke his crown
And Jill’s no long' his teacher”

terça-feira, setembro 28, 2004

Sem bússola



Para quem não conhece, quem sai da Inhaca a esta hora para Maputo, não precisa de bússola. É só seguir o sol, esperar 22 milhas, uns quantos golfinhos e 45 minutos de gozo pleno e depois é chegar ao Naval já com as luzes do barco acesas. Para quem não conhece... olhem, metam-se na 25 de Abril e 45 minutos depois estão na Costa da Caparica. Bem feito...

Lá teria as suas razões...



O Jardim da Estrela é um local de rara calma e beleza. Não tem as extensões do Central Park nem o tique do Hyde. Também não prima pelo asseio. Mas tem árvores seculares, sombras acolhedoras, emana uma paz imensa e tem aquele não sei quê de tique lisboeta a que os lisboetas não são indiferentes. Tal como uma confortável sensação de segurança, talvez pelos idosos que por lá se passeiam ou se sentam com a languidez própria da idade à espera nem eles sabem de quê. O jardim está rodeado de um caos misto de barulho, carros amontoados pelos passeios, em que nem os passeios contíguos à Basílica escapam, gente apressada, eléctricos ronceiros e, talvez por isso mesmo, se torna um recanto muito aprazível. Hoje passei por lá, depois de almoço. Entre tantos idosos, sobressaía uma jovem mulher, muito bonita e vestida com gosto, sentada num dos bancos a olhar para lado nenhum, por detrás de uns óculos escuros. Passei por ela, não evitando um olhar curioso, confesso até que com a ponta de malícia predadora que, por vezes, temos (os homens) de reprimir e dizer-lhe que tenha juízo para que não façamos figuras tristes. Reparei então que os óculos lhe escondiam as lágrimas que lhe escorriam pela face bonita. Faltou um milímetro para que eu parasse e lhe pedisse para me dizer porque chorava, por que razão uma mulher como ela estaria ali sozinha a chorar. Não parei, respeitando a privacidade de quem escolhera o Jardim da Estrela para ir chorar. Mas fiquei a pensar que às duas da tarde de uma terça-feira, no meio de um bruáá de gente havia uma mulher bonita, jovem, a chorar no Jardim da Estrela. Lá teria as suas razões...

segunda-feira, setembro 27, 2004

Oliveira da Figueira



Nunca nos meus limitados conhecimentos encontrei alguem que estereotipasse tão fielmente o português como Hergé, nos seus fascinantes álbuns de BD. Descontemos Eça e outros génios lusos porque esses são da casa e levam, portanto, vantagem. Mas Hergé era Belga e nunca terá posto o pé em Portugal. Como aliás em África, países do Leste Europeu, Estados Unidos,Perú e outros países da América Latina. No seu atelier de trabalho, Hergé “construía” a personagem socorrendo-se apenas dos relatórios de alguns colaboradores que viajavam e lhe traziam o “feed-back”.

Oliveira da Figueira era o português feito por Hergé. Gorducho, chico esperto, “alma até Almeida”, bigode, desenrascado, vigarista, comerciante de levar e trazer e conhecedor de meio mundo. Só não usava óculos espelhados porque, na altura, ainda os não havia. Nem era “emplastro” porque a TV também era coisa remota e não estava ao alcance dos Oliveiras das Figueiras do nosso descontentamento. Mas se houvesse, tenho a certeza que lá estaria ele, em Figueira, como lídimo Oliveira. A dar opinião sobre o que fazer sobre os energúmenos que mataram uma criança e ainda não disseram onde o corpo se encontra. Ele próprio, o Oliveira, já teria dito que “conhece um advogado que lhe disse que sem corpo não há crime” e não havendo crime o melhor era dar uma carga de porrada nos gajos, que eles haviam de cuspir o local do corpo. Ó se haviam. Havia de ser com ele!...

A situação de Figueira, no Algarve, é tão mais deprimente quanto verificamos como os Oliveiras continuam a ser uma inspirada estereotipização de um desenhador que nem Portugal conhecia. São mais modernos, agora, usam os tais óculos espelhados, deslocam-se de carro de centenas de quilómetros, desapertam a camisa mostrando os pêlos do peito bem eriçados, arrastam a mulher e as crianças e alimentam a esperança de dar uma porrada nos suspeitos. Havia de ser com eles...

É triste verificar que a Figueira é a mesma e, ao contrário do dichote, nem os Oliveiras mudam. E, agora, com uma série de “Oliveirinhas”, saídos da faculdade a entrevistarem “azeitonas” (criminoso...) que um dia serão Oliveiras como eles.

domingo, setembro 26, 2004

Portugal - "Reservado a Não Fumadores"

Comecei mal o Domingo. Acabei de ler o Expresso e o homem está imparável. O Bagão Félix.Fumar vai passar a custar-me cerca de € 7,50/dia, € 225,00/mês (também fumo aos domingos, feriados e dias santos de guarda), € 2.700,00/ano, com um ligeiro agravamento nos anos bissextos.

Eu sei que fumar faz mal, blá, blá, blá. Como mal me fazem os antibióticos, nitrofuranos, hormonas de crescimento, desinfectantes, reguladores de crescimento na carne e no peixe, margarinas e outros óleos alimentares pejados de aditivos, corantes e uma panóplia de químicos “food grade”. Sem falar nas bactérias, salmonelas, detritos fecais, fungos e outros agentes criptogâmicos que todos os que, como eu, almoçam diariamente num dos milhares de restaurantes desta Lisboa bela e imunda, por necessidade, são obrigados a metabolizar. Muitos deles sem quaisquer níveis de higiene aceitáveis e sem fiscalização adequada. Daí que não me impressione muito com os malefícios do tabaco, mesmo quando sou olhado por gente que me acha um ser menor, sempre que acendo um cigarro. Ainda que deles tenha consciência. Tanta quanto tenho sobre o que como, sendo que sempre fui muito mais sensível às agressões do corpo por via gástrica do que por outras. Porque sei que morre muito mais gente pelo que come do que pelo que fuma.

Portanto, hoje, para além dos pulmões e do piloro, sinto-me agredido no bolso. A Nicotiana, sp. vai continuar a ser cultivada, eu vou passar a esportular os tais € 5,00 por maço e o Estado vai continuar a gerar receitas, quanto mais não seja para pagar aos reformados da CGD. Só lhe fica bem. Tal como bem lhe ficaria pensar noutros reformados, muitos deles que têm como ocupação e entretenimento únicos um jogo de sueca numa sombra dum jardim público e, como companheiro, um cigarro. Que vai passar a custar-lhes tanto (talvez mais...) como a reforma que recebem. Stinks...

sexta-feira, setembro 24, 2004

Tu ronronnes...



Sempre achei que quem ressona é parvo. Ou, pelo menos, é uma pessoa sem qualquer espécie de consideração pelo próximo e passa por esta vida pela rama, sem verdadeiramente se acometer a uma plataforma mínima de racionalidade abrangente. Eu explico. Há aquelas pessoas que quando estão a comer um prato de sopa... estão A COMER UM PRATO DE SOPA. Nada mais acontece, nada mais existe, não há coisas boas ou más, não há problemas, não há venturas, HÁ um PRATO DE SOPA. Ou que arrumam o carro por cima das riscas divisórias dos estacionamentos, ocupando dois ou três espaços. Não são capazes de arrumar o carro e pôr o dispositivo cerebral a funcionar no sentido de lhe transmitir que os riscos, em princípio, são para meter o carro lá dentro. Chamemos a estas pessoas os “distraídos". Apenas por comodidade, porque nem sempre o são. Porque também há o distraído compulsivo, ou seja, não é distraído, mas acha que ser distraído vai muito bem com o cenário e, deliberadamente, estaciona o carro por cima das linhas todas. Da mesma forma que quando um distraído vai à casa de banho se entrega EXCLUSIVAMENTE à tarefa que lá o levou. O distraído micta, não medita. Eu acho que estas pessoas são felizes. Basta-lhes fazer umas quantas coisas diferentes durante o dia, para não pensarem em mais nada. Senão, repare-se: Come, conduz, arruma o carro, micta duas ou três vezes por dia, telefona, de vez em quando trabalha, em resumo, são tantas as tarefas que lhe ocupam o espírito que o distraído não tem tempo para pensar nas dívidas, na mulher que de repente começa a chegar todos os dias tarde a casa porque o trânsito estava num inferno, não pensa no Iraque, no Bush, nas vítimas das calamidades naturais, no terrorismo, não pensa em nada. Abandonado e exclusivamente entregue que está às suas nobres missões do quotidiano.

Ora, eu tenho para mim que quem ressona se enquadra na perfeição neste tipo de pessoas. Adormecem e a “entrega" ao sono é de tal forma profunda que ele ressona. Ronca, resfolega e impede um mortal que pensa em todas a coisas que ele não pensa, de dormir. Eu sei que há médicos que dizem que é uma doença, que se deve inclusivamente ter cuidado com estes pacientes, mas eu... não consigo entender a doença, melhor dizendo, não acredito. Eu tive um colega de quarto, na tropa, que causava o mais estridente, sonoro e indescritível conjunto de sons que se possa imaginar. Ao ronco comum, ele acrescentava assobios, tremores de lábios, sons guturais estranhíssimos e, até, movimentos de corpo. Quando isso acontecia, eu chamava: - Rocha (ele chama-se Rocha, apesar de não dormir como uma rocha, ele é mais música de fundo de filme de terror). E o Rocha calava-se... ora digam lá se isto não era de propósito. Se o ronco era tão profundo e dominador, como é que ele me ouvia chamá-lo sem recurso, sequer, ao grito? Ná... esta sintomatologia é própria de quem “come a sopa”, “arruma o carro em três espaços” e dedica a exclusividade da sua actividade cerebral a uma nobre micção.

Por isso eu concordo plenamente com o facto de haver já juizes que acham que ressonar é causa justa para divórcio. Tal como usar óculos para ver ao perto, mas isso fica para outra história, que eu não quero baixar o nível a esta.

Confio que há gente como eu. Que acha que quem ressona TEM CULPA, period. Claro que há excepções... há sempre circunstâncias inesperadas em que uma pessoa, homem ou mulher, está de tal maneira “parvamente” apaixonada que até ao ressonar acha graça. Mas isso é uma questão que remete para outras reflexões, como direi... quem se apaixona é, ou fica, redondamente idiota e, sobre isso, nada há a fazer. E ainda bem, digo eu. Porque se uma pessoa não for idiota aqui e ali acaba por se tornar um idiota militante,irreversível e com carácter permanente, pelo que aconselho vivamente que se seja idiota uma vez por outra, mas sem abusar claro. Para que não se chegue ao ponto de se ver uma mulher por quem se está “idioticamente" apaixonado, ouvi-la ressonar com grande estridência, esboçar um sorriso tão idiota como a paixão e dizer-lhe ao ouvido, de mansinho: - "Mon amour... tu ronronnes" ! E se ela se vira e diz: - "moi, non plus", aí é o descalabro. A hemoglobina desaparece das veias, é tudo hormonas e o cérebro “apaga-se” positivamente. E acabam os dois a ronronar. E eu vou acabar porque tenho já uma das minhas duas idiotas gatas, no sofá, a fazer rrrrrr....rrrrrrrrrrrrrr....rrrrrrrrr... rrrrrrrrr....... diz o meu irmão, que é veterinário, que é sinal de saúde, nos felinos. Não concordo. Cá para mim, isto é gata que “come a sopa", “arruma o carro” e “faz um felino xixi” sem pensar em mais nada. E tem culpa, com certeza.

quinta-feira, setembro 23, 2004

Forecast II



Weather report today:

Morning period - Heavy rain and strong winds reaching gale force by noon.

PM - Clearing to partly cloudy and mild with light showers.

Tomorrow: Quem sabe? Mas a verdade é que tenho de escrever qualquer coisa. Ando com um certo formigueiro nos dedos, mas se escrevesse hoje, saía tudo azedo como o leite estragado. E eu sou um optimista e gosto de falar a brincar de coisas sérias. Mas a verdade é que me arriscava a falar a sério de coisas que só dão mesmo para rir. E rir é o melhor remédio... ou será esta expressão da Reader's uma ambidextra e forte recidiva própria da dobragem do cabo dos cinquenta?

quarta-feira, setembro 22, 2004

Forecast

Cloudy and hot with scattered thundershowers.
Amanhã também é dia...

terça-feira, setembro 21, 2004

C'est la masturbation

Eis a prova provada de que o sexo virtual é um embuste. Já me tinham falado no assunto, mas sempre achei que sexo só há um: - ao vivo e a cores e mais nenhum. Todavia, por pudor ou modernismo (um dia destes ainda apanho a ministra a fumar...) , o governo foi tentando fornicar uns milhares de portugueses, virtualmente. O desejo feneceu, o sistema falhou e outra alternativa não restou que não fosse o recurso ao natural. Mas a ministra não é de ferro, caramba. É muita gente. Pelo que após aturadas consultas e , quem sabe, novos testes com Morais Sarmento, a ministra decidiu fazer tudo à mão. E disso mesmo, pressurosamente, nos informou, com a solenidade devida. Como dizem os franceses quando se sentem “lixados”... c'est la masturbation!

segunda-feira, setembro 20, 2004

Faculdade de Letras de Lisboa

Faculdade de Letras de Lisboa. Nove e meia da manhã, tal como indicado em circular enviada 30 dias antes aos alunos para procederem às respectivas inscrições para o ano lectivo. Confusão. Atropelos. Gritos e correrias. Prioridades. Este ano não há senhas de atendimento. A coisa far-se-á (fará-se não, F. Tomaz e repara que já te soletro correctamente o apelido, por piedosa intervenção de quem te conhece melhor que eu) pelo número dos alunos. Mas eu sou a 35.115, ouve-se... então espere pela sua vez. A prioridade é: Finalistas, quartanistas, repetentes, terceiranistas e por aí abaixo até ao segundo ano. Repetentes no meio??? Mais confusão. 11:00 e a confusão continua. Justificativo do pagamento das propinas do ano transacto. Não trouxe. Só trouxe os justificativos de 2005. Mas tem de trazer. Porquê? Não tem no computador? Não, de Julho para trás, apagámos o banco de dados. Mas... ó menina é assim... 11:30. Então? Olhe eu tenho justificativos. Espere pela sua vez. Eu sou da Associação de Alunos e exigir o pagamento antecipado para 2005 é ilegal. Faça um requerimento e a inscrição fica condicionada. 12:45. Mas eu sou bolseiro. Faça um requerimento também. O que é que a menina quer que lhe faça? Grupos. Gritaria, tropel. Porras e f.... em profusão. 13:00. Tudo a almoçar. Que é lá isto? Almoço é sagrado. 15:00. Ainda não veio ninguém do almoço. Ninguém, entenda-se as meninas e funcionárias da faculdade. Mais porras. Mais gritos. Ninguém se entende. Mas porque é que limparam a base de dados de Julho para trás? E eu lá sei? São 12 Euros de inscrição. Doze Euros, mas porquê? Sempre foi assim. Não foi nada... Foi, sim senhora...vá, o número seguinte. Cada vez mais porras... quem diz que as mulheres não dizem porra? 17:00. Sumário: continuação da matéria dada. Porra. 18:05. Pai, vens-me buscar??? Ainda aqui estou... o pai foi buscá-la. Furibunda, a filha vocifera. Pai, quando acabar o curso vou-me embora,. Para um país qualquer, Estou en-vergo-nha-da. Aqueles espanhóis do Erasmo, sabes pai? Estavam apardalados. Nunca pensaram que esta cena fosse possível.
Porra!...

Nota Breve: Capetown, Dezembro de há poucos anos

. Can I help you sir?
- Yes, please. I’d like to enrol my son as per my letter so and so...
- Just a moment, Sir... (procura numa gaveta de ficheiro). Yes, there it is. Can you please fill up these forms for me and sign here, here... and there.
- Entrego os papés, 3 minutos depois, devidamente preenchidos.
- There you are, sir. That will be $... by cheque. Now, please go to second floor, and ask for Mr X and he will show you the premises, list of books and other material. (Virando-se, sorrindo, para o filho) Welcome to UCT, M.... I’m sure you’ll enjoy it...

Uma hora depois estava sentado num restaurante, almoçando calmamente, com TUDO tratado e, sobretudo, tratado com eficiência e boa educação....

Os emplastros

O povo, seja o que for que isso signifique, gosta de falar para o fórum da TSF. Gosta igualmente de falar para a Bancada Central, outro programa de rádio, e para os directos de televisão. O povo abomina e achincalha o “emplastro” tripeiro, que se popularizou por se “mostrar” em quase todos os directos da televisão. Tal como adorou ver o mesmo “emplastro” num programa de Herman José, a ser por este gozado com uma total ausência do pudor que Herman não tem. O povo goza e frui o “emplastro” sem se dar conta que ele é, também, um “emplastro”. O povo gosta e quando o povo se alcandora a lugares de poder e projecção pública gosta de dar voz ao povo. É barato, é popular e dá milhões. Por isso, o povo é cada vez mais achincalhado e remetido à sua eterna e atávica forma de estar e de ser, gemendo com as desgraças e rindo-se delas, e delas fazendo o seu próprio meio de evidência.

Quem ouvir o povo falar para um dos programas que acima citei fica a odiar o povo e a ter pena dele. E eu penso que o povo quando chega ao poder ou a lugares de responsabilidade cívica deveria ter mais respeito e sentido cívico pelo povo que não tem poder nem projecção pública. Mas não tem. Usa-o e manipula-o, contribuindo para este estado de coisas.

O problema é que somos todos povo e os tiques do povo mantêm-se mesmo quando mandamos ou somos figuras públicas. O povo mantém-se num caldo de cultura onde permanece a figura parola, saloia, atrasada e mesquinha, invejosa e a maldade das crianças que seria suposta desaparecer com a idade. A desconfiança, a inveja, ignorância e o mais patente desinteresse por tudo quanto possa verdadeiramente interessar à vida nacional..

Terá sido sempre assim antes... mas quando eu era jovem já me ia apercebendo disto mesmo e gerei subconscientemente a ideia de que quando “eu fosse grande” as coisas seriam diferentes e o povo teria um papel mais interventivo e uma consciência cívica bem mais elevada. Mas, infelizmente, não tem. Não foi a quase erradicação do analfabetismo que melhorou fosse o que fosse. Pelo contrário, eu penso que é menos mau o analfabetismo que a iliteracia. Saber ler e não saber interpretar o que se lê é bem mais gravoso e nefasto para a nossa sociedade. Daí que os acontecimentos verdadeiramente importantes da vida nacional sejam, frequentemente, enquadrados numa “lógica de povo”, pior, de povo atrasado, retirando-lhe à partida as ferramentas necessárias para uma análise minimamente objectiva e consentânea com a realidade e com o interesse nacional.

Isto a propósito das opiniões do “povo” que ouvi hoje na TSF, sobre o fim do Serviço Militar Obrigatório (SMO). Ouvi uma panóplia de opiniões, todas elas a anos-luz da génese da questão, qual fosse a de comentar sobre se a recente medida do governo em decidir o fim do SMO era desejável ou não. Claro que quem gosta de Portas (surpreendentemente uns quantos...) acha que foi óptimo. Quem não gosta de Portas, acha que foi uma catástrofe nacional. Pelo meio uns comentários avulso de “antigos combatentes das colónias” que achavam que antigamente “aquilo é que era”, outros achavam que os “oficiais tinham andado a mamar durante anos” e um, até, que disparou com alacridade que tinha “fugido” do serviço militar, porque só os fascistas é que iam à tropa, durante a guerra das colónias. Tudo, como se vê fora do contexto traçado pela estação de rádio, mas fortemente desejável do ponto de vista de audiência. Foi degradante, triste, não ter conseguido uma única opinião minimamente sustentada e no contexto do programa. Se achavam que o fim do SMO era bom ou mau e porquê. Falou ainda o omnipresente general Loureiro dos Santos, através do qual fiquei a saber que uma Brigada era composta por 4.000 homens, Já não foi mau, para o miliciano que eu fui.

A coisa esteve sempre vestida de cores de claque futebolística e da mais arrepiante falta de sentido estético, objectivo e racional. Isto é triste, mas mais triste é verificar que não só o dia a dia dos portugueses se mantém nesta apagada e vil tristeza como ela, a vil tristeza, é utilizada objectivamente pelos interesses das rádios e das televisões. Teria sido interessante, por exemplo, ouvir alguém que se lembrasse de questionar se à redução dos efectivos das praças para 16.000 homens corresponderia o sentido da proporcionalidade na redução dos efectivos das classes de sargentos e dos oficiais. Mas não, O importante era malhar em Portas ou endeusá-lo. Ou, ainda, debitar vacuidades que serviam para coisa nenhuma.

domingo, setembro 19, 2004

O FêQêPê

Desde ontem que se nota uma alegria incontida ali para o Estoril. A razão, está bem de ver, foi menos o resultado obtido contra o F. C. Porto do que a humilhação imposta ao campeão europeu. O fenómeno indesmentivel desta sanha ao FêQuêPê e que, reconhecidamente, não se circunscreve ao Estoril, faz parte do legado de um grupo de gente que, juntamente com as taças conquistadas , conseguiu gerar a maior onda de antipatia pelo Clube, de que há memória. E não é clubite, porque se o fosse o fenómeno era extensivo a outras agremiações. E não é.

A caça - Todos os anos em Outubro!

Vem aí a “caça”. Todos os anos é isto. Intervenções populares na TV, notas do governo, zangas, jogo político, leis, decretos, coutadas, concessionados, livres, uma trapalhada que durará umas semanas, durante as quais várias espécies serão abatidas, do javali criado quase em condições “de aviário” ao gracioso e minúsculo tordo, passando pela lebre. Pelo meio, um punhado de caçadores feridos ou até mortos na refrega.

Eu tenho dois caçadores –tipo portugueses no meu imaginário:

- O que fica impressionado quando alguém (não caçador) tem o desplante de também conhecer o hotel “Idanha-Caça” (há outros, claro) e que para lá se dirige com a amiga a quem vai impressionar durante um longo fim semana, com histórias incríveis de caçadas que ele já fez no Quénia, na África do Sul ou no Botswana, está ali por caso... este ano os negócios não lhe permitiram viajar, de modo que vai matar um javali para não perder o gosto à coisa. A amiga ouve-o embevecida e antecipa o que vai contar às amigas dela na Segunda-feira seguinte, que isto de sair com um caçador não é para todas. Este caçador é normalmente licenciado, gestor de empresa, vaidoso e semi-imbecil. Também há médicos. Gasta uma fortuna em fatos de caça, cartucheiras, botas, chapéu, armas (têm de ser várias, matar um javali pode exigir diferentes tipos de arma, consoante o ângulo de tiro, a distância, se é macho ou fêmea - o javali, claro- e não se regista no hotel sem primeiro telefonar ao autarca da terra a dizer que vai. O autarca aparecerá mais tarde, no hotel, grita “ora viva senhor doutor” à entrada da recepção, como vai senhor doutor à entrada do bar e, uns decibéis mais abaixo, “está tudo a correr bem senhor doutor” ao apertar-lhe a mão, esperando que o senhor doutor o mande sentar, ao mesmo tempo que manda um olhar misto de guloso e bajulador, tipo “estes gajos arranjam com cada febra”, para a acompanhante. Depois de toda a sala do bar ficar a saber que ele conhece o senhor doutor e do senhor doutor disso mesmo tomar boa nota, a conversa flui sobre a vila, o tempo, o “inferno” do trânsito de Lisboa, nada como a pacatez e a qualidade de vida dos pequenos centros e, raramente, de caça. A caça, essa, ficará circunscrita ao javali que a gerência do hotel discretamente lhe disponibilizará no dia seguinte para receber um tiro certeiro;

- O outro tem barriga, bigode, nunca foi ao Quénia, mas ninguém como ele conhece os hábitos dos patos, dos tordos, rolas, narcejas, lebre e coelhos, perdizes, codornizes (sim, essas mesmo, essas minúsculas e simpáticas aves cujos ovos coloridos e horrivelmente insípidos se vende nos supermercados), e outras espécies cinegéticas, claramente em vias de extinção, já que não é fácil “criar” lebres ou perdizes como se criam os javalis. Reúne-se com os amigos no café da vila, domina o ambiente e a conversa, tem dinheiro, parte do qual empatou desbragadamente no equipamento, dispara umas dezenas de tiros durante o dia e irá ostentar com um indisfarçável orgulho meia dúzia de passarinhos à cintura. Com sorte, ostentará um coelho, ou uma lebre. Acaba o dia de novo, com os amigos, a quem contará em pormenor as peripécias do mesmo, como falhou aquele tiro assim e acertou o tiro assado. Após o que começa a dizer mal do governo, dos políticos, das portarias, dos fiscais, “eles andam é todos ao mesmo”, isto é uma miséria, qualquer dia nem caça há”, mais o f....que ainda não percebeu que a caça é livre e que se o vê numa esquina lhe dá com a caçadeira nos cornos.

Grosso modo, é esta a ideia que tenho dos caçadores. Grosso modo, sou obrigado a lembrar-me deles todos os anos por esta altura. Normalmente, o pontapé de saída é dado pelos interessados, depois vêm o governo, as autarquias, a oposição, claro e mais um exército de gente que faz da matança de espécies que deveriam constituir para todos nós um acervo ecológico inestimável o seu problema existencial e o trajecto da sua feira de vaidades. Tenho alguma dificuldade em perceber tudo isto. Eu sei que não somos filhos únicos. Ainda agora, na loira e civilizada Albion, um fleumático e distinto súbdito de Sua Majestade disse que discutir a caça à raposa "...is not a matter of discussing tne animals rights, but rather the citizens rights". A matá-los, claro. Rather idiot o senhor, mas é lá com eles. Por cá não temos raposas (ou muito poucas...) mas ainda há bem pouco tempo havia quem se entretivesse a procurar e matar linces.

Que me perdoe algum caçador distraído... mas não entendo. Como é que gastar mais de 1000 ou 2000 Euros em equipamento e abater meia dúzia de passarinhos pode dar gozo a alguém. Ainda por cima, dando uma trabalheira ao país em leis, decretos, fiscais, multas e hospitais. Sim, porque há sempre uns quantos que levam uns tiros também.

NOTA: Há um par de pessoas amigas que me vai telefonar a correr e a perguntar porque é que eu fui pescador desportivo de alto-mar. Se eu fosse cínico, responderia com um bem português “não tem nada a ver" (lá está o F. Tomás a dizer-me que é “não tem nada a haver”). É diferente, sim e gera reflexão. Mas entre encher uma rola de chumbos, torcer-lhe o pescoço para ela morrer mais depressa e ostentá-la orgulhosamente à cintura e ter um Wahoo de 30 kg, uma barracuda de 20 ou, suprema glória, um marlin de 200 vai uma grande distância. Para além do enquadramento e de não se estar a ameaçar a existência das espécies. E depois, há um crescente número de pescadores que devolvem os peixes ao mar, depois da luta. O que, obviamente, é impossível fazer a uma rola estraçalhada por chumbos...

sexta-feira, setembro 17, 2004

Maresia e Plano B

Na Marginal, ao passar pela Parede, cheira a limos putrefactos, moluscos em decomposição acelerada, coliformes fecais em suspensão na água turva dum mar inquinado por sais de azoto (os tais nitratos, mas a mim fica-me bem designá-los assim), orgânicos fosforados, crustáceos partidos em mil bocados e podres, amêijoas salmoneladas (não confundir com truta salmonada, apesar da semelhança...), tudo misturado num espuma amarelada a bater nas rochas (o mexilhão, pois, lá está...) e a atirar para a estrada o tal cheiro.

O poeta cheira isto e faz um hino à maresia.

Aquele que, como eu, ao levantar, cometeu o erro grosseiro de olhar para o espelho antes de, precavidamente, se barbear e tomar o duche, ir descalço à cozinha e lembrar-se que a tal Ucraniana ainda não veio, ouve no rádio que a A5 está entupida e a Marginal tem marcha lenta e acaba a ouvir no Forum da TSF um arrazoado sobre enfermeiros e ajudantes de serviço hospitalar e respectivas reclamações ( a Bastonária, deuses, a Bastonária...) acha que aquilo cheira a merda...

quinta-feira, setembro 16, 2004

O Código de Avintes

Houve um Presidente da República do Brasil, conhecido pela sua escassa cultura e frequentes “gaffes” (onde é que eu já vi disto?) que tinha um assessor para os assuntos culturais. Este assessor ter-lhe-ia recomendado ( teria-lhe, segreda-me Fernandes Tomás, mas acho que eu é que tenho razão...) um leilão de arte onde a presença do Presidente seria politicamente aconselhável. Decorria o leilão quando o assessor lhe terá indicado que a seguir iriam apresentar um quadro de um famoso pintor. E o pregoeiro anuncia : - Leonardo da Vinci”. O Presidente olha em redor, puxa o cinto das calças para cima, abana as medalhas e grita; - Costa e Silva dá chinquenta.

Ora eu não quero correr este tipo de riscos. Desconfio que sou o único português que ainda não leu o Código da Vinci e eu não quero arriscar-me a estar distraidamente numa sala de espera de um consultório médico e ouvir a recepcionista perguntar a uma colega se já leu o Código da Vinci e eu começar a questionar-me se Avintes (simpática vila nortenha que eu conheço razoavelmente) terá um novo código. Das estradas, de licenças de alvarás ou até, quem sabe, de honra. Por isso, estou a considerar a séria possibilidade de ler o tal livro. Perguntar-me-ão (perguntarão-me...? F. Tomás? Ajude lá aqui...) o porquê desta angústia e eu explico. É que todos temos dentro de nós um alter-ego de estimação, lá dizia o Meupipi que todo o português tinha um camionista dentro de si e até a Vieira diz que tem uma intestina manicura que dialoga frequentemente com a Madonna. Ora eu tenho aquele puto birrento que cada vez que o pai lhe recomendava um livro, gerava de imediato um sentimento de rejeição dificilmente ultrapassado. Recordo-me de quando o meu pressuroso pai achou que eu devia ler “A Cabana do Pai Tomás” e que eu, só de olhar para o nome da escritora senti uma espécie de azia... ainda por cima, eu que comecei a aprender inglês de pequenino, achava que Harriet Beecher Stowe tinha muito mais a ver com “a D. Henriqueta leva o fogão para a praia” do que com um nome de autora de livro. Uma questão fonética, certamente. E o meu pai achava que era um livro importante, a escravatura na América do Norte, etc., desconfio mesmo que se desenhava já algum anti-americanismo, muito antes de Bush, como se pode ver.

Lembro-me que andava encantado com Mark Twain e os seus fascinantes contos, de que me ocorre agora “A Célebre Rã Saltadora do Distrito de Calaveras”, mais as fascinantes aventuras de Tom Sawyer, Becky e Huck Finn... e o meu pai impingia-me a Harriet. E não era só. Era a personalidade forte dos 12 anos, a fase em que começamos a fazer apenas e só os disparates que achamos que devemos fazer. E isso justificava bem a reacção negativa, sempre que me diziam que eu devia fazer isto ou aquilo, incluindo livros para ler.

Passa-se um pouco o mesmo com o “Código da Vinci”, comentado nos blogs, nos jornais, nas revistas, no barbeiro, na praia, nos taxis e até nas caixas do Pingo Doce. E eu, puto birrento mal resolvido desde pequenino, tenho reagido. Mas a coisa está a tornar-se incomportável. Quer queiramos (quêiramos...??... F. Tomas... please help...), quer não. Eu não quero ser confrontado com alguma situação que me envergonhe. Tanto mais que, ao que parece, “o enredo é pobre, mas a sua linguagem encriptada e sublinearidade interlinear aborda questão actuais e torna-as (torna-las??) acessíveis ao grande público”. E cito apenas comentários respigados de muitos que oiço at random (F.Tomás... shiuuuu, esta está em inglês). Portanto, “Código”, aí vou eu. Vou ler-te as criptas todas, as entrelinhas e outras virtualidades sublineares. E se ouvir falar de ti no barbeiro, assumo uma expressão paternal e dou uma “lecture” a preceito sobre o impacto que tiveste na cultura portuguesa e, já agora, na retoma que se avizinha.

quarta-feira, setembro 15, 2004

My ship arrives at the harbour and I'm at the god damned airport

Andei um mês para conseguir listar os blogs que costumo ler, uma semana para conseguir instalar um ConterStats (aquela curiosidade/vaidadezinha de querer saber se nos lêem – e desde ontem que ostento o tal contador) e agora luto freneticamente para adicionar um referrers list. Eu tenho uma vaga desconfiança de que sou meio burrote para estas coisas, apesar de frequentemente me dizerem que não, que tenho alguma cultura e alguns lampejos de inteligência. A verdade é que acharia óptimo que fôssemos ao script e escrevêssemos: Mr Blogger, would you kindly install that sort of gadget type of thing so as I could be able to see if anyone ever reads me? E cinco minutos depois, apareceria o tão almejado contador. Que foi para isso que se fez o avanço e a técnica. Mas não... para eu poder ter o tal contador tive de escrever quatro linhas ininteligíveis de <>/”//www...sc/li/httpps em profusão e toda uma parafernália de símbolos e, ainda por cima, basta um espaço, um ponto a mais ou um <”// a menos para o republish não republishar coisa nenhuma e nós nos sentirmos completamente republishados com esta cena toda, Mas enfim, com a ajuda de uma alma caridosa e que acha que estes símbolos todos fazem sentido e são cristalinamente lógicos, lá me apareceu o contador desde ontem à noite e eu, atento venerador e obrigado, olhei para a tal alma caridosa com um ar de...”claro, faz todo o sentido isso que você fez, como é que eu não me lembrei disso antes?”. Mas agora é o referrers list. A conselho, até, da tal alma caridosa. É que se o contador me dá o número de visitas, o referrers list “diz-me” QUEM me visita e por quanto tempo. Achei óptimo, claro. De resto, se o Abrupto tem estas geringonças todas porque é que eu não haveria de ter, também???? E sonhei logo com uma frase do género “Mr Blogger, would you please tell me, on a daily basis, who on hearth is visiting me?” Claro que a alma caridosa me disse que não, não poderia ser assim. Disse-me ainda que era FACÍLIMO.... bastava copiar a banda do list referrers, “copy paste”, so to speak, e instalar na página. Fiz tudo direitinho.... mas nada de referrers list... e fiz... e refiz... e saved... e republished... e... desisto. E espero que a alma caridosa dê um saltinho ao computador outra vez, para acabar o trabalho. Eu sou aquele tipo de pessoa que quando vai ao multibanco, faz educadamente bicha, espera que os da frente se despachem, o que acontece com certa rapidez mas EXACTAMENTE a pessoa que está antes tem 30 contas para pagar, dois depósitos para fazer, sete transferências, remata tudo com um pedido de saldo e fica meia hora a olhar para o talão. Nos cinemas, a mesma coisa, a pessoa imediatamente antes de mim tem um bilhete para comprar, mas tem de ver a planta da sala... estudar a topografia do cinema, pergunta três vezes de que lado está o écran, onde estão as saídas do ar condicionado, decide-se uma, duas, três vezes, por um determinado lugar e no fim leva dez minutos a descobrir dinheiro trocado na carteira. Eu... que até tenho uma malapata inata contra os supersticiosos, a sorte e o azar, a desgraça e a fortuna, os astros e os signos, que sou laico, republicano e socialista (desculpem, engano, chiça, isto é o João Soares, deixei-me ir por ali fora...) mas que sou ateu graças a Deus, que acredito que o destino somos nós que o fazemos e que “audace fortuna juvat” era uma treta que nos ensinavam na tropa, já que, de um modo geral, a minha audácia trazia sempre chatices, acabo por pensar que há qualquer coisa que me impede de ser como as pessoas. Como as pessoas que dizem:- Vou pôr um referrers list no meu blog. E não é que põem mesmo?

terça-feira, setembro 14, 2004

Não me apetece...

A Júlia (O computador dá erro com acento e sem acento, fica com acento...) telefonou-me de Kiev:- Desculpa, senhorrr, mas estou um pouca atrasado, minha família teve sudade e eu ficar uma mais semana...

Eu hoje li dois textos em dois blogues que costumo visitar. Um com um texto bonito e falava de ser mãe. Outro, mais humorado, falava de ser pai. Eu não queria baixar o nível à coisa, mas gostava de ver alguém escrever algo sobre ser pai e ser mãe. Ao mesmo tempo. Que falasse de ter uma montanha de roupa lavada mas por passar (afinal a Júlia estava quase a chegar...) o chão da cozinha fazer nhec nhec à passagem dos sapatos... o quarto da filha parecer um armazém de retomas de mercadorias não pagas, logo após ela ter chegado de férias com a mãe....de tratar de duas gatas idiotas que a filha “adorouuuuuu” e que uma idosa desocupada apanhou na rua, tratou, vacinou a pediu que alguém as “adoptasse”... de achar que consegue passar uma camisa e concluir que “aquilo” é mais complicado que fazer um estudo sobre o combate a uma praga de gafanhotos no Ruanda.... pôr uma gravata e chegar ao escritório e reparar que a mesma tem uma nódoa de....chegar a casa e achar que é “fixe” estar um bocado com a miúda, abrir a porta e ouvi-la ao telefone dizer que o Módus dá uma festa aberta, que está pronta, tasse bem e que a venham buscar....atender trinta telefonemas que não “apetece” e não receber o telefonema que “apetece”... ter pago as propinas para 2005 e ouvir a filha a ler um circular dos alunos da faculdade a “explicar” porque é que ninguém deve pagar as propinas... e gostava de ver alguém a escrever sobre isso porque a mim não me apetece. Odeio as ucranianas, o 5àSec, as propinas, as gatas e quem disser que os homens sabem gerir uma casa sem empregada, o pai dele é gato. Ahh... e o Pacheco Pereira desiludiu-me com o post sobre o Bagão Félix... o almoço estava uma estucha, recebi uma carta do IPO a dizer que está na altura de fazer a inspecção ao carro, a conta do seguro chegou, fiquei a saber que vou pagar uma taxa moderadora mais elevada que um vizinho meu que tem um helicóptero e que foi presidente do SL Benfica, porque li no jornal que ele só declarou o salário mínimo às Finanças... já há três dias que não oiço ou leio nada de verdadeiramente mirabolante sobre a Casa Pia...o Santana Lopes foi ver a Madonna e ficou muito contente por o concerto ter sido em Lisboa...o Louça ainda quer recorrer para o Tribunal Europeu sobre a decisão do Tribunal de Coimbra... e começo a acreditar que o Santana Lopes, realmente está aos papeis e não percebe nada daquilo. Portanto, não me apetece. Alguém que escreva.

Pode, uma coisa destas?

Quando eu tinha 19 anos andei a partir montras em Coimbra, pela Ferreira Borges abaixo, assentava na agenda cada vez que andava à porrada com a polícia e ouvia "tiradas" género "o cagar é um acto político", que me geravam profundas reflexões até conseguir adormecer. Não sabia bem porquê... havia o Salazar, a Pide, o reviralho, a guerra colonial, a suprema humilhação quando éramos revistados (a equipa de raguebi da velha AAC), mas verdade seja dita que a minha consciência política não ia muito mais além. Em Lisboa, de férias, impressionava as miúdas (pelo menos, eu acho...) com poesia avançada género "Não foi só Nossa Senhora, que sendo virgem pariu // Tambem perto de Tondela, uma santa como ela, Stª Comba Dão // Foi parir a uma gruta // o maior filho da puta // que desgraçou a Nação". As miúdas ficavam regaladas com este espírito coimbrão e isso dava um jeitão ara os bailes particulares, por razões que omito. Entretanto, cresci... hoje tenho uma filha no segundo ano da faculdade que acha todas estas histórias profundamente ridículas e que acha que estar contra o governo é um desperdício de tempo e que diz não perceber by the least as reivindicações dos estudantes. Mas, pode, uma coisa destas? Não se arranja aí um ditadorzito para os jovens voltarem a andar ao estalo com a polícia? I rest my case...

segunda-feira, setembro 13, 2004

Futebol à la TVI

Tenho hesitado em falar da TVI. Mas não resisto. Eu não costumo ir ao futebol, até porque tenho medo físico de me enfiar num estádio. Mas sigo o campeonato(Superligagalpenergiaqueteveculpanaexplosãosegundo-nobreguedesemexiaficouchatiadoesantanamudoudossiêpara-
álvarobarreto), vejo alguns jogos na tv, os golos, aqueles deliciosos comentários pós refrega, etc.. A RTP costumava fazer as despesas da casa, tinha um repórter semigordo, a puxar para o untuoso e que nunca se deve ter rido na vida... mas “prontes”, a gente via a coisa de seguida, um pequeno intervalo para o gajo da Frise fazer umas macacadas e a gente saber que deve comprar Ausónia para os familiares idosos, mas nada de muito grave. O tempo para ir buscar um café. A coisa era minimamente honesta e papava-se bem.
Mas a coisa mudou. A TVI ganhou os direitos de transmissão dos
jogos e, claro, delineou o correspondente programa pós-jornada. E, aqui, a porca torce o rabo. Porque, em definitivo, me retiraram um pequeno prazer de domingo, qual fosse o de ver os resumos, os jogos, umas caneladas e uma ou outra intrigazita de treinador. E porquê? Pela linear razão que a TVI, que nos passa um atestado de atrasados mentais todos os dias através da mais agressiva e despudorada estratégia de manter os telespectadores “agarrados” ao televisor, resolveu aplicar ao programa desportivo rigorosamente as mesmas técnicas que aplica na restante programação. Eu explico. Por exemplo, o jogo Sporting vs Setúbal de ontem, cujo “resumo alargado” fora anunciado mil vezes durante o dia, com os inevitáveis “este prograna é patrocinado por” foi passado só na primeira parte. Porque antes da segunda começar tivemos de suportar uma série de apontamentos e pequenos resumos de outros jogos de muito menor importãncia claro, mai-los respectivos anúncios e “programa patrocinado por”. Porque mil vezes o apresentador anunciou que o programa agora era interactivo, as pessoas que telefonassem para o número tal e tal (como quem diz, a peixeirada vem aí...), porque isto e porque aquilo e não tive saco para ver a segunda parte do “resumo alargado”. Eu pasmo como é que ainda há patrocinadores e empresas que ainda contratam publicidade à TVI. Esta estação é um exemplo acabado de desrespeito, despudor e mediocridade. Já nem
falo na programação, que não conheço em pormenor, mas pela manipulação da publicidade que faz com que a mesma seja a maior estucha de sempre. E contraproducente, no meu entender. Há produtos que me começam a meter “raiva” só porque são anunciados naquela estação. Para não falar na habilidadezinha de “separar” blocos publicitários, com a apresentação de novos programas ou filmes, o que permite à estação duplicar o tempo legal de publicidade contínua. Experimentem ir “acabar de ver um filme” na TVI para a cama, um filme que estejam a gostar... deitarem-se e o filme ser interrompido. Desistem, com certeza... porque o filme não recomeça nos 25 ou 30 minutos seguintes. Faz-me confusão tudo isto. Como é que a TVI ainda tem “share”? Ou gostamos assim?

domingo, setembro 12, 2004

Homofobia politicamente correcta

De há uns tempos a esta parte tenho assistido a um fenómeno que, pela sua frequência, me suscita alguma reflexão. Falo de gays. Os gays que alimentam tertúlias de acaloradas discussões, inusitadas reacções e torrentes de verbo sempre que qualquer tomada de posição crítica em relação a eles é assumida. E a argumentação recorrente é a de que os gays são ignobilmente segregados e que a sociedade é claramente homofóbica, mal informada, inculta e inexoravelmente conotada com a direita liberal, conservadora e fascizante. Toda a direita, afinal. É um exemplo claro de mais uma questão aproveitada pela esquerda com o habitual oportunismo que se lhe reconhece e glosada pela direita com o seu proverbial cinismo. Poucas vezes tenho conseguido conversar sobre o fenómeno da homossexualidade (conversar, não é necessário “discutir”) sem que o tema assuma proporções de tese e não suscite clivagens iguais ao espaço entre duas linhas paralelas. Ocorre-me um episódio, há já alguns anos atrás, em que um grupo de jovens professoras do secundário analisava a possibilidade de admissão de um gay para leccionar inglês numa escola com cerca de 1000 alunos. Da conversa instalada, apercebi-me rapidamente que a facção pró se baseava claramente no facto de ele ser gay e não da desejável condição de ser um bom professor.. Quando dei a minha opinião, tanto mais que eu era amigo pessoal do gay em questão e ainda sou, “aqui d’el rei” que ia sendo deitado à fogueira por seis mulheres em fúria. Seis mulheres em fúria oratória é coisa eu não recomendo a ninguém pelo que, paulatinamente, me “demiti” da conversa. Soube mais tarde que o professor em questão foi expulso da escola por “alegado” abuso de menores. Ora, e voltando ao tema inicial, o que tenho vindo a observar no momento é um fenómeno interessante. A fúria que se instalou contra alguns ministros do CDS/PP por razões que parecem decorrer da sua má prestação, deficiente preparação ou suspeitas cumplicidades é notoriamente ligada ao facto de alguns deles serem gay. Alegadamente. E profusamente ilustrado por intervenções na rádio, na TV, nos jornais e, inevitavelmente, na blogoesfera. Nos blogs, a coisa é feita mais às claras, como não podia deixar de ser. Paulo Portas é indicado como sendo o predador (passivo? activo?) da cabeleira Deneuve, aponta-se a dedo os colegas de governo que são os namorados, os que foram, os que estão com ciúmes, os que receberam cargos políticos para estarem calados, enfim, um autêntico “goulash” de promíscuas influências, sob as quais um país como o nosso não pode sobreviver. Ora, a questão é esta. Muitos dos comentários (e vou ater-me aos blogs, apenas, por facilidade) feitos neste sentido provêm (que eu sei... ) das mesmas pessoas que se eriçam contra a homofobia reinante no pedaço. E eu pergunto. Não haverá argumentação sustentada na prestação dos visados que não tenha de passar pelo facto de se comerem uns aos outros? Mas então... os idiotas não iluminados, retrógrados e homofóbicos só o são quando não se discute o actual governo? E o posicionamento ferozmente “homofobo-fóbico” (passe o palavrão)é posto de lado quando se nutre um ódio de estimação pelos ministros em causa ao ponto de se cair na mais cínica interpretação dos amores de cada um e da sua orientação sexual? Não joga a bota com a perdigota. É um posicionamento desonesto, vaidoso e de irritante e difícil digestão. Sempre pensei que a homossexualidade deveria ser tomada e aceite com naturalidade. Aceite como um fenómeno natural e que nunca ela deveria constituir factor limitativo de quem quer que seja homossexual. Tal como deveria ser corrigida ou punida, sempre que ela remeta para ilícitos criminais, como infeliz e frequentemente acontece. Mas nem se trata de aceitar. Trata-se de “entender” e actuar em conformidade com esse entendimento. Tal como não deveria constituir bandeira para benesses, favores, ou recomendação curricular. Tenho para mim que esta é a forma mais honesta de se lidar com o fenómeno. Tenho amigos gay com quem convivo e outros que evito. Por razões óbvias e que nem merecem detalhe. E, normalmente, furto-me a grandes sabatinas sobre a homossexualidade porque são discriminatórias e servem maioritariamente os que sentem uma necessidade intestina de se armarem em salvadores daquilo que os gays não precisam que se salve. Mas a corrente geral não é essa. A espuma raivosa dos que acham que todos os que eventualmente demonstrem reservas sobre alguns aspectos do fenómeno é a mesma que se nota quando, para se exteriorizar a fúria contra um ministro se recorre, despudoradamente, ao facto de ele ser gay. Mal comparado, ocorre-me a legião de brancos que nos anos 80 iam a correr para África porque achavam que os pretos “tinham” de ser ensinados a ser democratas. Faziam um escarcéu dos diabos, participavam em manifestações de rua, promoviam grandes debates, atacavam ferozmente o colonialismo e os colonialistas e quando chegavam a casa soltavam uma série de impropérios com o cozinheiro (preto) porque a sopa estava salgada... É um bocadinho o género. Se a estes brancos democratas, ao chegarem a casa, lhes saltava o pé para a chinela, aos paladinos defensores da homossexualidade em termos e forma em que a homossexualidade não precisa de ser defendida, salta-lhes a mão para a testosterona. Ou progestrona, porque a idiotia não é exclusivo dos machos. Já agora. Eu também acho que Paulo Portas e os seus correligionários estão a fazer uma triste figura. Para que conste.

sexta-feira, setembro 10, 2004

"Ele há" dias assim

“Ele há” dias assim. O almoço sensaborão, o trabalho meio estéril, um céu de capacete a manter-nos em banho-maria, uns posts sem interesse, a eterna clivagem esquerda-direita já (ou desde sempre?) amplamente instalada na “blogoesfera” e a perspectiva de um fim de semana que, por razões extrínsecas, vai ser chato e comprido. Ainda tive um fugaz momento de excitaçao: convidado para ir almoçar ao Martinho da Arcada e porque o 25 dos Prazeres pára à porta do meu escritório e “desagua” no Terreiro do Paço decidi ir de eléctrico, cumpria uma fantasia-desejo de alguns anos e até não perderia o estacionamento do carro. A viagem prometia... rua de Buenos Aires, Santos, mas eis que o pesadelo se instalou. De Santos ao Terreiro do Paço o eléctrico parou três vezes, bloqueado por viaturas cujos donos as estacionaram ali “por um bocadinho”,. Enquanto, certamente, estariam “a trabalhar”. Um deles, ao vir retirar a viatura ainda vociferou com aquele timbre de voz e entoação que só as almas lusas conseguem ter: - Oh menina (era uma mulher que conduzia o eléctrico), eu deixei os quatro piscas ligados ! Ficou tudo estragado. Nem o passeio de eléctrico salvou a dia. Corrijo. Há uma exposição de fotos gigantes no Terreiro do Paço que merece ser vista. Uma delas chamou-me particularmente a atenção, a de um bando de milhares de flamingos - rosa num banco de areia. Deu para me recordar as vezes sem conta que os vi, ao vivo e a cores, quando passava no “saco de Santa Maria” (para quem não sabe, uma ilha remota que, a haver paraíso na terra, é ela com certeza) com o barco a 15 nós e a não mais de vinte ou trinta metros deles, os via olharem-me condescendentemente, parecendo dizer-me: “Passa lá, não levantamos vôo, porque já te conhecemos”.

quinta-feira, setembro 09, 2004

Custou, mas foi...

Tardou, mas veio. Entretive-me a reparar quanto tempo demoraria a ler alguma coisa que “justificasse” a barbárie de Meslan e, por alguns dias, pensei que isso acabaria por não acontecer. Miguel Portas (MP) encarregou-se da “justificação” no DN de hoje. Certo que deixou passar uns dias, tal o horror da coisa, mas acabou por não deixar os créditos por mãos alheias. Na altura indicada, ou seja, uns dias depois de assentar a poeira.MP é um exemplo acabado de despudor, aleivosia e descaramento. Dou comigo a pensar que este tipo de pensamento de MP já não tem a ver com o bem ou como mal, com ideais ou com extremadas preocupações sociais. Inclino-me, sinceramente, a pensar que poderá haver um mundo de questões mal resolvidas e uma total ausência de dignidade, humanismo e estruturação sináptica a enquadrar este radicalismo idiota, esta objectiva, pretensa e criminosa cegueira que se escudam na liberdade e pluralidade de pensamentos. Não é uma questão do exercício da liberdade de ideias, é já uma questão de higiene, de decência e respeito pela vida humana. Que MP, patenteadamente, não tem.

quarta-feira, setembro 08, 2004

Tansinho, marreco

É demais. Em 72 horas fui insultado duas vezes. Não que não tenha sido insultado antes... insultos de voz grossa, testosterónicos, coisa de bigode farfalhudo, uns para mim, outros para a minha santa mãezinha que normalmente não era chamada para a contenda. Mas desta vez a coisa evoluiu para um tipo de insulto a que não estava habituado: - “Marreco” e “Tansinho”. O tansinho foi na estrada do Guincho, ali naquele sector entre o cruzamento da Areia e o Muxaxo, era domingo à tarde (juro que não ouvi a canção do Nelson Ned, fui porque me deu para ali) e os carros estavam “devidamente” estacionados nos dois lados da via. Esta é uma das situações que ainda não consegui perceber... como é que há vários anos ainda não houve um presidente de câmara, um responsável do Iep, um fulano desses, que requisitasse um GNR e lhe dissesse: - “aqui só se pode estacionar de um lado”. Há uma outra situação, de várias, e que é um relógio da torre do quartel de bombeiros da Encarnação, ali mesmo em frente ao aeroporto, que marca cinco e meia desde que eu era pequenino...e eu já não sou pequenino há algum tempo. Mas voltando aos insultos. Estava eu bovinamente encarreirado na bicha de carros quando vejo um autocarro muito grande em sentido contrário. O autocarro não conseguia progredir por que a “minha fila” seguia sem lhe dar chance nenhuma. Quando chego a cerca de 10 metros do autocarro, pensando nos desgraçados passageiros que ali deviam estar parados há muito tempo, resolvi parar o carro, encostar o mais possível, recolher o retrovisor e fazer sinal para o motorista avançar. O autocarro avançou... e quando passa por mim, o motorista range :- “tansinho”, se eu passo com o autocarro tu não conseguias passar com o carro, “tansinho”! O autocarro era enorme, o motorista era pequenino... pequenino, mas teso caraças e, obviamente, um excelente motorista, pois se ele até conseguia fazer progredir o monstro num espaço em que o tansinho (que era eu, recordemos...) não tinha o engenho para passar. O outro insulto foi há pouco. Ao fazer uma das rotundas da marginal, em direcção a Lisboa, concretamente a de Carcavelos, parei à entrada para dar passagem a outra viatura que se apresentava pela esquerda, mas já dentro da rotunda. Parei... e recebi, a partir do carro traseiro, um imediato: - Oh marreco, anda lá para a frente, estou a trabalhar... eu não estava a trabalhar, mas vinha trabalhar. Ainda esfreguei as costas no encosto mas a marreca não estava lá. Fiquei mais descansado e a pensar que ou os corcundas costumam cumprir o código de estrada ou o idiota atrás de mim deve ter conhecido um marreco na vida e acha que ele e outros como ele são umas bestas quadradas que resolveram ter uma marreca para empatar o trânsito dos que, dignamente, “andam a trabalhar” todas as manhãs na marginal. Já cansa esta cena dos insultos. Já cansa esta cena de homens minúsculos a guiar autocarros maiúsculos atingirem o clímax quando chamam tansinho alguém... já cansa estes energúmenos que andam a trabalhar e que têm de aturar os sacanas dos marrecos que andam a empatar o trãnsito. Será que é necessária uma reforma estrutural? Para se aperfeiçoar o sistema e não cairmos no imobilismo, como diz a excelente Vieira na Controversa Maresia? Ou esbarramos sempre na tal natureza humana? Neste caso, portuguesa, com certeza...

terça-feira, setembro 07, 2004

Ralhe comigo... o mais possível

Ele está a “ceder”. Eu sei que o vírus é de estirpe complicada e não cede a terapêutica. No fundo é como a batateira. Esta nobre Solanácea está sujeita a vírus, sem tratamento que não seja preventivo. E mesmo esse resume-se à “escolha criteriosa de variedades resistentes, queimando-se as plantas da safra anterior para evitar futura contaminação”. Mas de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), que me habituei a ouvir com enlevo e respeito pela qualidade inegável dos seus comentários políticos, da sua cultura e extraordinária comunicabilidade, eu esperava que fosse, ele próprio, uma “variedade” resistente. Não é. O vírus, com maior incidência no triângulo Bicesse/Marinha, Areia/Beloura, é de grande persistência e transmissão rápida. MRS, de repente, apresenta um quadro de sintomatologia avançada e preocupante. Os seus brilhantes comentários estão rapidamente a ser inquinados pelo vírus, a que eu poderia chamar de “vírus tc”, que tanto poderá significar “tiozoco cascais”, como “tiositis cascalensis, sp.” e MRS nem os seus fiéis ouvintes o mereciam É que MRS, de repente, ficou “hipocondríaco o mais possível “ (palavras dele), a “Rita” passou a ser uma personagem que aparentemente eu tenho obrigação de conhecer, a superstição é (sorriso amarelo!...) uma coisa do tipo de “las hay, las hay” , o Sporting de Braga passou a ser repetidamente citado na tv (é de bom tom ser de um clube de média projecção), o “lá da nossas bandas” cai-me na sopa com uma frequência inusitada (em Cascais já ninguém é de Cascais, toda a gente é de algum lado, o mais possível, porque o avô, o tio avô ou um primo afastado é “das bandas deles”, sei do que falo porque moro no triângulo) e até aquele pigarro que passou a intercalar cada duas frases de MRS me faz temer o pior. O vírus instalou-se. O que é pena. Pensei que algumas personagens passassem imunes ao cortejo do vírus, mas errei. Quero deixar bem expresso que isto não tem nada a ver com a qualidade e conteúdo dos comentários que MRS continua a fazer nem com a sua reconhecida capacidade de bem comunicar. Mas os tiques, Senhor... os tiques... como sintoma claro do vírus, estão lá. Um dia destes ainda vamos todos ver MRS dar uma volta à cadeira antes de se sentar, tomar duas pílulas durante o comentário e pôr o Júlio Magalhães a pigarrear. O mais possível... vão ver! E, a rematar, dizer-lhe: “Oh Júlio, se me ouvir pigarrear, ralhe comigo, táver?”

Falta de tempo e a biodegradação do plástico

Estou com falta de tempo. Mesmo assim, um pequeno comentário suscitado pelo Forum TSF desta manhã que me revelou algumas trapalhadas adicionais à enorme trapalhada da colocação dos professores. Alguns deles, mesmo, igualmente trapalhões nas suas razões e argumentação. São trapalhadas a mais... começo a pensar que o plástico não é tão poluente assim. Já que me parece que o país "de plástico" de O'Neill em pouco tempo se está a transformar num país de merda!

domingo, setembro 05, 2004

Vou ao Guincho

Hoje vou ao Guincho. E porquê? Porque a praia do Guincho:

- Não tem um mar de águas cálidas como o Índico e não nos permite estar duas ou mais horas dentro de água;

- Não tem fundos de mar de corais com mil cores, algumas que eu nem sequer sabia que existiam, onde nadam mil peixes de mil cores, efeitos e tamanhos, crustáceos estranhos em harmonia com outros que conhecemos, como lagostas, ostras (a ostra é um molusco, mas deixem lá passar para não complicar a prosa) e caranguejos sem ser de viveiro;

- Não tem tubarões de areia com dois metros de comprimento e bocas inofensivas de quatro ou cinco centímetros nem tubarões (dos outros) que passam a poucas dezenas de metros de nós, sem nos ligar nenhuma;

- Não tem aquele mar que, mesmo calmo não perde o cariz violento e de brutalidade que só o Índico consegue ter ( África, terra bruta, que até à papaia lhe chamam fruta...);

- Não tem aquela areia fina de Mombaça a cheirar a história e com Zanzibar ali tão perto;

- Não tem o mar assustador do Transkei, a célebre “Skeleton Coast” onde inúmeras naus de comerciantes portugueses, ingleses e holandeses naufragaram nos séculos XV e XVI, com ventos assustadores e tubarões aos magotes que não nos deixam sequer içar para o barco uma barracuda fisgada inteira. Chega-nos só a cabeça...

- Não tem as águas gélidas de False Bay, Lion Head ou Cape Point (onde ainda hoje Bartolomeu Dias convive com os babuínos e uma das mais extraordinárias reservas naturais de flora que conheci) e, ao fundo, colónias enormes de focas a mudar de oceano como quem muda de casa...

- Não tem as areias rigorosamente brancas das praias das Maurícias ou La Reunion, tão brancas que do avião em que para elas viajamos temos dificuldade em descortinar a linha de água. Assim um bocadinho como o Caribe, mas sem ouvir falar espanhol a cada esquina e a ter que procurar caminho entre centenas de portugueses à espera que reparem as avarias do avião da "Yes" (ia escrever dos aviões, mas eles só têm um...);

- Não tem a calmaria das praias atlânticas de Luanda, da Baía Azul de Benguela, ou a visão fantástica do “encontro” do deserto do Namibe com a corrente fria de Benguela. Muito menos aquela visão pictórica das praias do Mussulo, plana e de vegetação rasteira, onde emergem coqueiros e mangueiras (as mais deliciosas mangas do hemisfério sul), tal qual a gente pensa que as praias dos trópicos devem ser...

- Não tem, finalmente, a espuma revolta nem as neblinas de Walvis Bay, de águas com “excesso de peso” da pescada que comemos em Portugal e a mandar permanentemente uma massa de humidade para o Namibe e o Karoo que haverá de fazer florescer (florescer mesmo, com flores brancas, amarelas e lilases) o deserto, uma vez por ano durante quinze dias, todos os anos.

Mas vou ao Guincho. Que não tem nada disto. E “disto” me recordo com uma saudade e uma ternura que poderão parecer lamechas mas que farão parte, sempre, do meu álbum de recordações. Mas vou porque tem a particularidade de ser a única praia, pelo menos nesta parte do país, de que consigo gostar. Tem um olor magnífico a pinheiros, areia limpa, uma espuma branquíssima, pequenos cabozes e polvinhos nas rochas, o magnífico cenário do Cabo da Roca, da Azóia e da Malveira da Serra e, sobretudo, aquela permanente brisa que faz as delícias dos surfistas e afasta as multidões para Carcavelos, Santo Amaro de Oeiras e Costa da Caparica e me deixam caminhar sem atropelos nem gritarias e desfrutar de uma das mais belas praias portuguesas.Talvez a mais bela!

sexta-feira, setembro 03, 2004

Repulsa

Hoje de manhã tinha uma história brejeira para aqui pôr, quando cheguei ao trabalho. Coisa ligeira. De repente soube das noticias. Fui ver. E vi crianças quase nuas a fugir em pânico, muitas delas cobertas de sangue, outras a ser transportadas em macas, mulheres em histeria, feridas, vi crianças a beberem água sofregamente e o pânico generalizado. E, mesmo tendo eu próprio já passado por cenários de morte e destruição, não resisti a um sentimento muito forte de solidariedade para com as vítimas e um ódio profundo pela cáfila de assassinos, loucos, que provocaram o drama. Aqueles que inclusivamente dispararam à queima roupa sobre as crianças que fugiam pelas ruas, que mais pareciam baratas tontas por um insecticida. Não consegui disfarçar este sentimento de repulsa pelos assassinos, dando comigo a pensar que gente desta não merece um tribunal ou uma defesa dos seus direitos, mas sim uma bala que lhes desse o desprezo de quem ama os valores da liberdade e da vida que eles não merecem viver. A mesma repulsa, aliás, por aqueles que continuam uma trágica feira de vaidades, apregoando despudoradamente a necessidade de resolver os problemas deste terrorismo com diálogo, como recentemente fez Mário Soares, manifestando ou uma total ignorância dos fenómenos do terrorismo mundial ou um total desprezo pela vida de crianças inocentes. O que vi hoje não é, afinal, nada de novo... mas foi demasiadamente brutal. Sei que vão chover crónicas, posts, artigos de opinião, reportagens que gradual e paulatinamenhte, acabarão por desaguar nas culpas da hegemonia russa, americana, no petróleo e blá blá blá. Já não é uma questão de pluralidade de opiniões. É uma questão de vergonha. E de respeito pelas crianças que hoje vi a correr, nuas, para os braços dos pais e para uma garrafa de água.

quinta-feira, setembro 02, 2004

Parolice, má educação e "letra de médico"

Eu tenho um médico de família. Não sabia, mas tenho. Disse-mo a senhora minha mãe, a idosa mais fresca, bonita e saudável que conheço, pois que de médicos percebe ela. Há cerca de três anos que eu não ia ao médico. E ontem, em conversa com a mãe e uma irmã, queixei-me duma dor no pescoço. Como sou fumador, o diagnóstico de família foi imediato e fulminante. Cancro da garganta. TENS de ir ao médico, ...ito. Eu já tenho filhos quase da idade da minha mãe, mas ela ainda hoje me junta o sufixo “ito” ao nome o que, circunstancialmente, se torna, no mínimo, embaraçoso. O pânico familiar foi tal e porque eu realmente sou fumador e acordei com a tal dor no pescoço, resolvi ir ao médico. E hoje , fui. Preparei-me psicologicamente (pelo que ouvia, tive quase para levar farnel, mas contive-me) e fui ao Centro de Saúde dos Olivais... eu moro 45 km a oeste, mas nasci para aqueles lados (sou conterrâneo do Santana Lopes hi, hi, hi) e como a minha mãe é que me tratou dessas minudências, o meu “médico de família” é nos Olivais. Fui. Preparado para o pior, mas admitindo a ideia de que sou um exagerado, um azedo, um maldizente, afivelei uma expressão cordata e lá fui. A chegada foi impressiva. O Centro de Saúde é grande e moderno... lugar para o carro, era só escolher, entrei, perguntei pelo Dr. Fulano, recebi uma indicação polida e dirigi-me ao “Atendimento B”. Atendeu-me uma senhora simpática, disse-lhe ao que ia e ela explicou-me que estava com sorte porque tinha uma vaga às duas da tarde. Cada vez mais convencido que sou mesmo exagerado, ainda tive tempo de ir a escritório, mexi em meia dúzia de papéis e dez minutos antes das duas, lá estava de novo. A senhora simpática tinha sido substituída por um moçoilo dos seus 25 anos... não achei graça, mas grave também não achei. Disse ao que eu ia, mostrei o catão de utente e o rapaz disse que me podia sentar. De repente, “tudo” começou. À minha frente estava uma porta fechada com uma indicação de WC e um enooooooooorme letreiro a preto dizendo AVARIADA. Achei estranho... por circunstâncias de trabalho fui colocado pelo menos em três países diferentes e em todos eles se avariam casas de banho,. Mas eu estava habituado a letreiros do género “OUT OF ORDER – Please use next door...” ou a door so and so, ou mesmo em português “Avariada – por favor use a porta número tal”. Mas ali, não. AVARIADA” e “mainada”. Lendo-se a palavra, em caracteres garrafais até parece que diz “Avariada, não me chateie , se está apertado, desenrasque-se”. Concedi ao facto ainda alguma compreensão (se calhar tinha-se acabado a tinta do computador ou não haveria mais casas de banho perto...) e continuei esperando. Às 3 da tarde e sem sinal de vida do “doutor” (vocábulo que eu mais vezes ouvi na algaraviada das senhoras que nos atendem). Uma senhora idosa, obesa e com uma perna inchadíssima perguntou ao tal rapazola... “O Dr. Fulano já chegou há mais de 15 minutos, porque é que ainda não começaram a chamar?” Ao que o rapazola retorquiu “Oh minha senhora, pregunte-lhe vócê, chegue lá e pregunte, olhe lá porque é que chegou tarde?” Aí já não me contive e disse ao rapazola que estava a ser mal educado e um péssimo profissional. Fi-lo num tom enérgico, ele ainda balbuciou “mas a culpa não é nossa”, lá lhe disse que a culpa não era dele, mas nossa também não e que a obrigação dele era , pelo menos, atender os doentes com educação e, se possível, dada a condição e idade da senhora, com algum carinho. O rapazola calou-se... o “doutor” apareceu pela recepção umas 3 ou 4 vezes... dava uns recados ao rapaz e em cada recado dizia “mas não se esqueça que Segunda não estou cá, estou em Bruxelas ( e olhava à volta...)”. Claro senhor doutor, eu sei. Às 4 da tarde, exactamente duas horas e dez minutos depois de eu ter chegado ao Centro de Saúde, ouvi uma voz chamar pelos meus dois primeiros nomes...nem sinal de apelido. Sendo que o meu segundo nome é Manuel (juro que não tenho culpa...) e Manéis há muitos, ainda olhei á volta. Não vendo reacções achei que era mesmo comigo. Abri uma porta e vi um extenso corredor, comprido e muitas, muitas portas, cada qual com um nome afixado. Até que ...”gotcha”, lá esteve ele. O nome do meu médico de família. Gente à volta, nem cheiro. Estando a porta fechada, ainda hesitei... mas tendo acabado de ouvir o meu “quase” nome e vendo o nome do “doutor” na porta, acabei por entrar. Lá estava ele, um mocetão de trinta e poucos anos mas com cara de quem queria ter mais e sabia que Bruxelas era na Bélgica, tamborilando na secretária e mandando-me sentar com um olhar condescendente. Eu até ia com a farda de gente importante, gravata de seda, fato de bom corte, mas acho que o homem nem olhou para mim. “então... diga lá”. Juro que estive quase para dizer “lááááááá”, mas achei que estava mesmo com uma dor aguda, localizada e permanente no pescoço e decidi que o melhor era sair dali pelo menos, observado. E ”lá” disse:- Olhe... uma dor assim - assim... e a resposta veio imediata: Ah isso é uma “adenite”, sabe temos tendões nessa área e isso é, com certeza, uma adenite. Tendinite? Perguntei eu. Não, Adenite, adenite. Eu fiquei a olhar para ele e eu seja ceguinho se não me apeteceu perguntar-lhe se ele conhecia o ciclo evolutivo da Laphygma exempta... mas a dor, a tal dor, lá estava. Aguentei e ainda balbuciei... pois... eu até já fiz uma palpação no local (pensando eu que o comovia e ele , pelo menos, me faria palpação adequada para ver se tinha algum caroço, algum papo, edema ou correlativo, mas debalde). Adenite, diz-me o passageiro do voo TP 522 da TAP da próxima Segunda Feira com destino a Bruxelas. Calado, olhei para o homem, e o telefone toca. Ele atende... diz “mas não lhe disse que estou em consulta?” – pausa – lá atendeu, resmungou uns semi-vocábulos e continuou a tamborilar a mesa. Era a mulher com certeza. Nos semi vocábulos, o vocábulo inteiro Bruxelas, ainda foi citado pelo menos duas vezes, mas não passou dali. Eu calei-me, quer dizer, já estava calado... e diz-me o doutor. - Olhe, não quer fazer uma colonscopia? E eu... - cólon? Sim, sabe, já fez alguma? E eu disse que não. Pois, mas olhe que depois dos 40 convém... Meditei um pouco e achei que entre sair dali com uns comprimidos de Voltaren e um pedido de colonscopia, talvez não fosse mau rentabilizar os € 2 da taxa e, mal por mal, sempre ficaria a saber se tenho tudo bem com o cólon. Acabada a “consulta” (o telefone tocara outra vez...), dirigi-me ao rapazola, mostrei-lhe o pedido do exame ao cólon... o rapaz fica meio atrapalhado... pergunta a uma colega quarentona que atacava furiosamente o computador e a colega responde: Uiiiiiiiiiiiii... isso.... mas isso é dificílimo... uiiiiiiiiiii. E eu, assarapantado pelo uiiiiiiii, sem saber se aquilo era difícil porque doía ou por outra razão qualquer, fiz cara de parvo com certeza, porque a mulher disse-me que era “complicadíssimo”, NINGUÉM queria fazer aquele exame pela caixa, que me ia dar três ou quatro números de telefone de clínicas mas o melhor mesmo era eu pagar e que era de um dia para o outro mas que devia custar entre € 350 a 400. Ahhhh, lá estou a exagerar... antes de sair, o “doutor” perguntou-me se não era melhor eu fazer os exames de rotina, hemograma, urina tipo II (estive quase e para lhe dizer que se fosse a tipo III ainda queria, mas não disse). Eu disse que sim, claro. Bom... vim-me embora... rumei aos tais 45 km a Oeste e como ainda tinha tempo fui a uma clinica perto de minha casa. Mostrei os exames, perguntei quando é que lá podia voltar... a menina olhou, olhou, remirou... e é quando eu olho para a requisição dos exames. Horror... eu julgava que já não havia “daquilo”. Mas há. A tal letra de médico. A tal caligrafia que ninguém consegue decifrar, o que cria um verdadeiro factor orgástico aos médicos que têm letra de médico. Provavelmente porque a acham uma imagem de marca. Acham mal, digo eu. Como atrás referi, já andei por outros países. Nunca, fora de Portugal, vi uma receita que não fosse minimamente legível, inclusive receitas de médicos portugueses... mas aqui, é isto. Quando eu era pequenino já achava que aquela cena da ”letra de médico” era forçada e, até, cultivada, pelos próprios médicos. Pensei, ingenuamente, que a minha geração seria diferente. Não é. A “letra de médico” e as mentalidades continuam. Porque não há ninguém que me consiga convencer que qualquer médico, se quiser, não consiga escrever duma forma legível. Mesmo com letra feia. Receber uns rabiscos como eu recebi hoje é não só uma evidente falta de educação para os pacientes como um sinal inequívoco de que as vaidadezinhas continuam e, com elas, uma clara manifestação de arrogância idiota..

quarta-feira, setembro 01, 2004

Obrigado

Fui linkado. Mesmo com o blogue a meio, sem links, sem listas de blogs e na vil tristeza do anonimato o guarda_factos (lá está, ainda não sei linkar, se não vocês clicavam e acediam a um ilustre exemplo de brilho, cultura e bom gosto) incluiu este vosso servo na cintilante lista dos blogs lidos. Prometo não desmerecer da gentileza do guarda_factos e tratar de , asap, “conseguir” editar a lista dos blogues que leio e de links de matérias que eu ache que valha a pena. Estou com uma alma de menino e a espumar de contentamento. Logo à noite, lá em casa, niguém me atura (por este ninguém, entenda-se uma filha, duas gatas idiotas que acham que os meus sofás servem para amolar unhas para elas não se esquecerem do seu instinto “silvestre” e uma Ucraniana que resolveu chamar-se Júlia, só para não ser Natasha e contrariar a Controversa Maresia (lá falta o link outra vez...) e se ri imenso sobre os meus skills domésticos. Levo-as todas para o PC e vou dizer: Vá, olhem, olhem, estão a ver? “Es-pu-ma-da-men-te", estou ali...eu sei que a minha filha vai dizer duhhhhh, as gatas vão bocejar, arquear a espinha dorsal e olhar para mim com cara de “este gajo está parvo” e a Júlia... a Júlia... rats, está de férias na Ucrânia, com o marido. Não faz mal, chamo a vizinha, uma senhora esguia como uma enguia e simpática como a Ferreira Leite e que tem um Mercedes que lhe vai muito bem com a blusa, já que com a blusa a senhora parece não ter mais nada que lhe “vá” bem. Se ela não estiver, chamo o Sr. Carlos da pastelaria, ou uma vizinha ou outra das imediações, apesar de “isso” me obrigar a alguma prudência e selecção. Uma simples questão de gosto e bom senso, pois vizinhas há muitas mas uma como uma que tenho, só há uma, que é ela e mais nenhuma.

NOTA SÉRIA: Um sincero agradecimento à Prima, À Francisca, ao João, ao Filipe e ao Diego. É um privilégio para mim, vocês terem-me incluído na lista e desejo mesmo é continuar a ter o prazer diário de vos ler. Obrigado.

Diálogo...já

A Rússia debate-se com mais um surto terrorista. Ha dias, dois aviões rebentaram em pleno vôo e toda a gente morreu. Agora, estão cerca de 200 crianças reféns de mais um grupo sub-humano que já matou cerca de 10 pessoas e ameaça rebentar com aquilo tudo, com as crianças lá dentro, claro. Como isto deve ser tudo por causa dos americanos, há que conceder o devido enquadramento à coisa e pedir a Mário Soares que dê um salto a Moscovo e inicie de imediato o diálogo com aquelas bestas. Coitadas... são vítimas da hegemonia russa, americana, por aí... e tenho a certeza que a palavra sábia de Mário Soares iria certamente resolver o imbróglio. Antes que Putin comece para lá aos tiros e "mate" as crianças todas.