Gente quadrada é outra coisa
Estou definitivamente a perder o comboio de eventuais conceitos estéticos que vão acompanhando a evolução da civilização ocidental. Eu, homem corrido por meio mundo e que tenho de reconhecer ter-me já sentado em mil e uma sanitas no cumprimento do nobre e incontornável exercício orgânico de expulsar os detritos, cidadão exemplar na observância das regras da sociedade em que estou inserido (nunca me passaria pela cabeça fazer as necessidades numa área onde houvesse uma tabuleta que dissesse proibido vazar entulho), habituei-me, assim, mesmo obedecendo às exigências dos trâmites específicos para as nossas necessidades corporais, a um mínimo de conforto e sentido estético. Uma casa de banho limpa, ampla e arejada, com decoração feliz, perfumada e com sanitários de bom gosto e ergonómicos, é meio caminho andado para a consecução da nobre missão de expulsarmos do corpo o que não interessa. E por muito que me lembre de condições precárias a que tive de me sujeitar (lembro-me da primeira vez em que precisei de «ir à casa de banho» na recruta e percebi que casa de banho era uma liberdade poética, que por tal se entendia um longo espaço aberto provido de uma coisa chamada latrinas e que consistia numa série de buracos no chão e em que todos nos acocorávamos, uns perante os outros e dávamos livre curso à função, enquanto acendíamos um cigarro ou contávamos uma anedota ou, simplesmente, nos quedávamos em amena cavaqueira), não posso deixar de me deleitar com uma casa de banho apelativa como a que em cima descrevi.
Acontece que mudei de gabinete. Do rés-do-chão mudei para o segundo andar. Inevitavelmente chegou o momento em que tive de usar a casa de banho para o «número dois», como se diz na gíria anglo-saxónica, que é uma coisa que dá um jeito incrível para descrever aquilo que em português soaria sempre a uma expressão escatológica, deprimente, mal-sonante e patética (é uma questão de dizerem a expressão, com palavrão ou sem ele…). E aí, a coisa complicou-se. Não é que alguém de preclara imaginação e duvidoso sentido estético resolveu substituir os sanitários do segundo andar por um modelo desenhado e pensado por outro alguém não menos imaginativo, e deparo com uma sanita… quadrada? Não acreditei no que estava vendo, mas o aperto não deu para pensar muito. Deu para sentar e experimentar a sensação idiota de acomodar uma parte do nosso corpo, manifestamente circular, numa espécie de «vaso» absolutamente quadrado. É que se poderia chamar de quadratura do círculo. Traseiro, mas círculo, que já a minha mãe dissera que eu nasci muito perfeitinho.
Já vi muita coisa. Mas, francamente, fazer do traseiro um quadrilátero é coisa que não lembra ao careca e daqui deixo o meu protesto lavrado contra o brilhante autor de tamanha «caganifobetia». Por muita boa vontade que tenhamos. É que não se faz. Literalmente.
Nota: Qualquer semelhança deste post com a realidade NÃO é coincidência. Aconteceu mesmo e as sanitas quadradas estão lá para o provar.
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