Pudor e impulsos inconfessáveis
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Mudei de gabinete. Nas instalações anteriores eu dispunha de uma casa de banho normal, espaçosa, arejada e confortavelmente recatada de olhares indiscretos. Por força de uma janela ampla mas suficientemente alta, através da qual seria impossível ser visto em preparos íntimos por que todos temos de passar, em obediência aos sábios mecanismos com que a natureza nos apetrechou.
No gabinete actual, num segundo andar, disponho de uma magnífica vista. Tenho o zimbório da Estrela aqui à mão de semear (*), uma frondosa vegetação que inclui acácias e jacarandás e o Jardim da Estrela, ao fundo, traz-me a sensação gratificante de tranquilidade e, confesso, de memórias recentes muito boas. Mas, nestas coisas há sempre um «mas», continuando eu a ter de obedecer às solicitações orgânicas de que há pouco falei, passei a frequentar a casa de banho correspondente. Igualmente ampla, arejada e com jorros de luz que entra por uma janela enorme… a meio metro do chão.
Com a embalagem que trazia das instalações anteriores não reparei nesse pormenor e agora, com o tempo de Verão e as janelas abertas, dei comigo, um dia destes, numa prosaica posição que me dispenso de pormenorizar e fruindo o cenário através da janela escancarada. Ao fundo percebi um alinhamento de prédios, perante os quais eu estava totalmente exposto, cheios de janelas e numa delas vislumbrei a existência de um vulto que, perceptivelmente, me observava. Passada aquela sensação de revisita a Woody Allen e da Lapa feita Manhattan, corri a fechar a janela. Tranquei-a, sentei-me de novo e nada mais foi igual. O meu corpo levou algum tempo a recuperar e todo ele reagiu ao episódio. Desde o encarquilhamento da pele ao próprio peristaltismo. E quedei-me a pensar no que haverá de tão estranho que nos carrega de pudor no desempenho das nossas funções orgânicas e, também, no que é que levará uma pessoa a achar de interessante num homem sentado numa sanita – ao ponto de se colocar numa janela a observá-lo.
Aprendi a lição e agora, sempre que vou à casa de banho, asseguro-me, cuidadosamente, de que a janela está bem fechada. E descartei a sensação anterior do desfrute magnífico do ar fresco do exterior para me sujeitar à atmosfera intestina (apetece dizer, literalmente), apenas porque não me dá jeito ser observado no exercício das minhas funções vitais. Por mais vitais e nobres que sejam. São minhas e não se fizeram para ser escrutinadas por um cidadão qualquer mais ou menos ocioso.
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Mudei de gabinete. Nas instalações anteriores eu dispunha de uma casa de banho normal, espaçosa, arejada e confortavelmente recatada de olhares indiscretos. Por força de uma janela ampla mas suficientemente alta, através da qual seria impossível ser visto em preparos íntimos por que todos temos de passar, em obediência aos sábios mecanismos com que a natureza nos apetrechou.
No gabinete actual, num segundo andar, disponho de uma magnífica vista. Tenho o zimbório da Estrela aqui à mão de semear (*), uma frondosa vegetação que inclui acácias e jacarandás e o Jardim da Estrela, ao fundo, traz-me a sensação gratificante de tranquilidade e, confesso, de memórias recentes muito boas. Mas, nestas coisas há sempre um «mas», continuando eu a ter de obedecer às solicitações orgânicas de que há pouco falei, passei a frequentar a casa de banho correspondente. Igualmente ampla, arejada e com jorros de luz que entra por uma janela enorme… a meio metro do chão.
Com a embalagem que trazia das instalações anteriores não reparei nesse pormenor e agora, com o tempo de Verão e as janelas abertas, dei comigo, um dia destes, numa prosaica posição que me dispenso de pormenorizar e fruindo o cenário através da janela escancarada. Ao fundo percebi um alinhamento de prédios, perante os quais eu estava totalmente exposto, cheios de janelas e numa delas vislumbrei a existência de um vulto que, perceptivelmente, me observava. Passada aquela sensação de revisita a Woody Allen e da Lapa feita Manhattan, corri a fechar a janela. Tranquei-a, sentei-me de novo e nada mais foi igual. O meu corpo levou algum tempo a recuperar e todo ele reagiu ao episódio. Desde o encarquilhamento da pele ao próprio peristaltismo. E quedei-me a pensar no que haverá de tão estranho que nos carrega de pudor no desempenho das nossas funções orgânicas e, também, no que é que levará uma pessoa a achar de interessante num homem sentado numa sanita – ao ponto de se colocar numa janela a observá-lo.
Aprendi a lição e agora, sempre que vou à casa de banho, asseguro-me, cuidadosamente, de que a janela está bem fechada. E descartei a sensação anterior do desfrute magnífico do ar fresco do exterior para me sujeitar à atmosfera intestina (apetece dizer, literalmente), apenas porque não me dá jeito ser observado no exercício das minhas funções vitais. Por mais vitais e nobres que sejam. São minhas e não se fizeram para ser escrutinadas por um cidadão qualquer mais ou menos ocioso.
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Etiquetas: funções orgânicas, intimista, pudor
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