Os meus carros (5) NSU TT
Corria o ano de 1971. Reintegrado em Nova Lisboa depois de uma passagem profissional efémera pelo Uíge, deslocava-me numa frugal Renault 4 em serviço. Com ela percorri o Huambo e Bié, mas principalmente o Bié e não havia «bicanjo» ou picada que me impedissem de chegar onde precisava. A Renault 4 foi a precursora de uma longa galeria de viaturas de serviço que tive até hoje.
As necessidades da casa repartiam-se, assim, pela 4L e pelo velho Simca. Mas um dia deu-se o inesperado. Sou literalmente arrastado para ocupar o lugar do Emídio Poiares (um amigo precocemente falecido em Espanha) na prova de Nova Lisboa do Troféu Taki-Talá, um troféu de velocidade que corria muitas cidades de Angola, patrocinado pela Joframa, agente da NSU. Eram 12 carros rigorosamente iguais, incluindo a cor laranja e era muito competitivo. Andei pelo meio do pelotão (as sensações de vestir um fato de competição e o capacete ficam para outra altura, porque só isso daria um post) e acabei ingloriamente nas boxes com um pneu traseiro furado.
Duas semanas depois, havia uma perícia no Chinguar, (uma vila simpática onde eu passava todos as semanas em trabalho e onde, por vezes, parava para comprar morangos) e convidam-me para participar, de novo num daqueles reluzentes e alaranjados bólidos. Descubro então que não tinha carta desportiva. Coisa que se resolveu rapidamente com um atestado médico e a ajuda de um amigo no A.T.C.A. Rumei ao Chinguar e, sem perceber bem como, arranquei o primeiro lugar da geral. No fim, taça, muita cerveja, muitos vivas, e o regresso a Nova Lisboa na frágil 4L.
Depois «disto» não demorou muito para que eu comprasse um reluzente NSU TT prateado e em tudo semelhante ao que aparece aqui na foto em baixo, com que o Ernesto Neves participou no Rali de Portugal), incluindo os «zingarelhos» para impedir que o capô se abrisse e aqueles vistosos e úteis «faróis de longo alcance», como se dizia.
O pequeno bólido era fabuloso, um motor transversal traseiro de 1.200 c.c., dois carburadores, (o TTS tinha quatro, um por cilindro) e um vertiginoso arranque dos 0 aos 100 em 10,5 segundos, ainda que a velocidade de ponta dificilmente ultrapassasse os 140 km/h. De condução exigente (muitas vezes corri com uma saco de 50 kg de areia na bagageira frontal para evitar que nas curvas o carro seguisse em frente…), conduzir aquela pequena maravilha, para quem gosta de automóveis, era uma coisa dos deuses. Saboreei aquele carro com deleite e fiz imensos ralis, numa época (1972) que culminou com um fantástico 3º lugar da geral e primeiro na classe, com o meu querido amigo Zé Tó Miranda que foi meu «pendura» durante todas as provas da época, no Rali do BCA, à altura o segundo mais importante rali africano, a seguir ao Rali do Quénia.
O TT faleceu ingloriamente nos fins de 72, à saída da Cela, quando uma vaca se atravessou inesperadamente na estrada e com que choquei fragorosamente. A vaca foi projectada, caiu, mugiu, levantou-se e fugiu. O TT faleceu. Não tinha ponta por onde se lhe pagasse. Recebi um cheque do dono da vaca (uma hora depois, com um pedido de desculpa) e nunca mais vi o pequeno bólido que tantas alegrias e descargas de adrenalina me deu. Nem a vaca.
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