sábado, março 31, 2012

Os meus carros (5) NSU TT

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Corria o ano de 1971. Reintegrado em Nova Lisboa depois de uma passagem profissional efémera pelo Uíge, deslocava-me numa frugal Renault 4 em serviço. Com ela percorri o Huambo e Bié, mas principalmente o Bié e não havia «bicanjo» ou picada que me impedissem de chegar onde precisava. A Renault 4 foi a precursora de uma longa galeria de viaturas de serviço que tive até hoje.

As necessidades da casa repartiam-se, assim, pela 4L e pelo velho Simca. Mas um dia deu-se o inesperado. Sou literalmente arrastado para ocupar o lugar do Emídio Poiares (um amigo precocemente falecido em Espanha) na prova de Nova Lisboa do Troféu Taki-Talá, um troféu de velocidade que corria muitas cidades de Angola, patrocinado pela Joframa, agente da NSU. Eram 12 carros rigorosamente iguais, incluindo a cor laranja e era muito competitivo. Andei pelo meio do pelotão (as sensações de vestir um fato de competição e o capacete ficam para outra altura, porque só isso daria um post) e acabei ingloriamente nas boxes com um pneu traseiro furado.

Duas semanas depois, havia uma perícia no Chinguar, (uma vila simpática onde eu passava todos as semanas em trabalho e onde, por vezes, parava para comprar morangos) e convidam-me para participar, de novo num daqueles reluzentes e alaranjados bólidos. Descubro então que não tinha carta desportiva. Coisa que se resolveu rapidamente com um atestado médico e a ajuda de um amigo no A.T.C.A. Rumei ao Chinguar e, sem perceber bem como, arranquei o primeiro lugar da geral. No fim, taça, muita cerveja, muitos vivas, e o regresso a Nova Lisboa na frágil 4L.

Depois «disto» não demorou muito para que eu comprasse um reluzente NSU TT prateado e em tudo semelhante ao que aparece aqui na foto em baixo, com que o Ernesto Neves participou no Rali de Portugal), incluindo os «zingarelhos» para impedir que o capô se abrisse e aqueles vistosos e úteis «faróis de longo alcance», como se dizia.


O pequeno bólido era fabuloso, um motor transversal traseiro de 1.200 c.c., dois carburadores, (o TTS tinha quatro, um por cilindro) e um vertiginoso arranque dos 0 aos 100 em 10,5 segundos, ainda que a velocidade de ponta dificilmente ultrapassasse os 140 km/h. De condução exigente (muitas vezes corri com uma saco de 50 kg de areia na bagageira frontal para evitar que nas curvas o carro seguisse em frente…), conduzir aquela pequena maravilha, para quem gosta de automóveis, era uma coisa dos deuses. Saboreei aquele carro com deleite e fiz imensos ralis, numa época (1972) que culminou com um fantástico 3º lugar da geral e primeiro na classe, com o meu querido amigo Zé Tó Miranda que foi meu «pendura» durante todas as provas da época, no Rali do BCA, à altura o segundo mais importante rali africano, a seguir ao Rali do Quénia.

O TT faleceu ingloriamente nos fins de 72, à saída da Cela, quando uma vaca se atravessou inesperadamente na estrada e com que choquei fragorosamente. A vaca foi projectada, caiu, mugiu, levantou-se e fugiu. O TT faleceu. Não tinha ponta por onde se lhe pagasse. Recebi um cheque do dono da vaca (uma hora depois, com um pedido de desculpa) e nunca mais vi o pequeno bólido que tantas alegrias e descargas de adrenalina me deu. Nem a vaca.
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4 Comments:

At 9:32 da manhã, Anonymous Alexandra disse...

Há coisas que são completamente incompreensíveis para o comum das mulheres, como é o caso da afeição dos homens por carros e, mais refinadamente, por corridas de carros. Para a mim, o carro é um utilitário que me resolve questões do dia a dia e que espero, fervorosamente, que não me acrescente outras. Pouco me importa que tipo de carro seja, desde que ande e que a única preocupação que me dê, seja a de encontrar um sítio onde lhe por combustível para que continue a andar. Para os homens, no caso para o Nelson, está visto, os carros são membros da família, estimados, enaltecidos e relembrados nos muitos pormenores das experiências comuns vividas. Todavia, tudo se reequaciona na minha cabeça, só de imaginar que um desses objectos serviu um dia para provas de perícia no Chinguar, só por isso, viro fã do NSU TT e todos os bólidos que algum dia tenham feito ralis, formulas 1, etc. E, já agora, o Chinguar teve um passado brilhante, muito para além do brilho que lhe emprestaram os seus famosos morangos, e isso deveu-se ao facto de o Caminho de Ferro de Benguela ter ali chegado nas vésperas da 1ª Grande Guerra e dali não ter avançado por todo o tempo que a mesma durou e mesmo mais algum depois. Tal determinou um apogeu económico, muito superior ao da capital do Distrito, que se estendeu até ao advento das eleições presidenciais em que concorreu Humberto Delgado. Ao que parece, os chinguarulos votaram massivamente no General sem Medo e o stablisment não gostou, confinando-o, a partir dali, aos limites dos pequenos frutos vermelhos, de que se já falou.

 
At 5:05 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

Alexandra

Os homens não têm afeição pelos carros. Têm, por eles, um amor genuino e, talvez mais do que isso, respeito. Por isso geram e mantêm uma devoção e fidelidade incondicionais e sofrem genuinamente com cada mazela que eles têm. Uma válvula a bater é como se tivéssemos um acesso de taquicardia, uma vibração à travagem é como se o reumártico, enfim, se instalasse nas nossas articulações, um ruído suspeito no habitáculo será como quando temos uma tosse irritante e achamos que temos de lhes trocar os pneus tal como decidimos que temos de nos comprar sapatos. Além de que os pneus têm de ser apropriados,as jantes têm medida própria em tamanho e em bojo e o piso é igualmente importante, de acordo com a utilização que damos ao carro. Afinal o que fazemos aos sapatos, não é isso mesmo? Quanto às corridas...eu diria que não é uma vulgar busca da adrenalina. Para isso podemos bem escalar uma montanha ou percorrer a segunda circular em hora de ponta. Uma corrida de automóveis é muito mais do que isso. Ao volante do carro numa corrida tornamo-nos numa peça única, indivisível, há uma entrega mútua, incondicional, apaixonada,sentimos cada ronco do motor na pulasação do nosso coração, cada exigência de uma curva nos pneus se transmite à planta dos nossos pés, cada eminência de abalroamento faz com que nos sintamos à beira de um precipício e cada toque que nos dão por trás nos revolta e enfurece como se numa bicha de um guichê um alarve nos empurra.
Dizer que a única coisa que interessa num carro é que ele ande (ouchhh!!! que até doi!) e encontrar uma bomba de combustível é redutor. Pior: É "preposterous", não me ocorre palavra portuguesa para semelhante ultraje. Mal comparado, é como dizer que num vestido de mulher a única coisa que interessa é que ele nos tape a nudez e agasalhe e que a compra de um par de sapatos apenas cuidamos de adquirir qualquer coisa que nos evite molhar os pés ou bater com o dedão numa pedra do caminho. E digo mal comparado porque... realmente, a compearação é de parâmetros exíguos. Comparar um carro a um vestido ou a um par de sapatos é uma afronta para o carro, mas foi o que me ocorreu. Além de que um vestido, veste-se e uns sapatos... calçam-se. Já um carro, ama-se :)))

 
At 12:52 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Em 1972 comprei uma destas lindas máquinas na fábrica, pois era algo que eu montava, no que diz respeito ao motor. Hoje passados tantos anos, ainda tenho saudades daquele lindo brinquedo que eu com 19 anos usava, era um espetáculo aquele belo carro. Na época só havia um outro carro que me arrasava com os nervos, pois os BMW conseguiam arrancar primeiro que eu nos arranques dos semáforos e noutros lugares que tanto testamos as capacidades dos carros. Andavam que se fartavam, apenas o desgaste dos segmentos eram inevitáveis, e em Portugal a reparação era inevitável, para não falar das afinações do motor, era um caso sério, todas as vezes que ia á oficina, o carro não andava, tinha de ser eu próprio a fazer a afinação do motor. Morreu por não haver colaças nem pistões capazes de aguentar, por causa do próprio alumínio (folgas)tinham de ser mínimas, o carro começou a beber mais óleo que eu cerveja.

 
At 3:18 da tarde, Anonymous Carlos Gilbert disse...

Nelson Reprezas... Obrigado pelo seu tesemunho. Se pudesse acrescentar mais algo sobre o que foi o tal "Troféu Taki-Talá", seria excelente parfa, como se diz agora, "memória futura"...
Quanto aos comentários da senhora de nome Alexandra, não comento, como é óbvio, mas só direi que me fez lembrar uma certa altura e3m que estava numa mesa redonda, num jantar, onde também estava o casal Piper. Falamos todo o tempo sobre carros, "what else?" diria o George Clooney, e a senhora Piper, a meu lado, só fez um comentário: "Oh, those noisy cars"... De referir que se falava de Ferraris, Porsches, etc.

Um abraço
Carlos Gilbert
Porto

 

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