Meninas à sala, quem quer fregueses?
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A casa de putas mantinha um garboso lugar no roteiro de boémia de várias cidades portuguesas. Nomes de locais, praças, ruas ou travessas tão honrosos como o Terreiro da Erva, Quintal do Prior, Rua das Linheiras ou Rua da Atalaia eram mencionados com reverência e eram normalmente termo e sinónimo de noitadas pontilhadas de copos e cantorias.
As putas, em si, eram criaturas simpáticas e despertavam nos boémios uma mescla de sentimentos que iam do puro desejo à amizade, pelo conhecimento que os clientes tinham de inúmeras histórias de vida, quase todas elas começadas por um coronel ou um senhor de bem e de bens que desonravam donzelas e as abandonavam com um filho no regaço, ao que as desfloradas respondiam com a venda do corpo para alimentar as crias. Havia outras histórias, claro, outras vidas, outras mulheres, as situações eram diversas mas, no fundo (em muitos casos, literalmente) se fundia uma história de vida e uma forma de estar. Era o tempo das inspecções sanitárias, das estatísticas, dos registos, de perseguições, mas onde tudo se fundia na abertura de um postigo, uma espreitadela para ver o cenho dos clientes e, sendo aprovados, um gritinho de ordem no interior: - meninas à sala, quem quer fregueses?
Na altura não havia autarcas zelosos, associações disto e organizações daquilo, muito menos havia uma fauna grotesca de gente que acorda de manhã com a impante sensação ou messiânico convencimento de que o mundo não passaria sem ela e, sem ela, no mundo se instalaria o caos, a desgraça, a injustiça e mesmo até o «fassismo». Por isso as putas eram razoavelmente felizes e os utentes (ainda não se dizia utentes, nem havia comissões de, mas que havia gente que as utilizava havia, pagando, é certo e mesmo em alguns casos os níveis de confiança eram tais que até existia fiado) extravasavam as suas alegrias, idiossincrasias … extravasavam muitas coisas, enfim, muitas delas, se extravasadas hoje em ritmo e quantidade desejáveis, evitariam muitos idiotas politicamente correctos, os tais que acordam de manhã indagando-se sobre a forma de termos um mundo como deve ser.
Hoje é diferente. Os zelotas dos bons costumes e do politicamente correcto tornaram-se uma forma profissionalizada de gente que engloba enquadradores, responsáveis, religiosos, activistas, responsáveis de comissões e outros palavrões que, como por milagre, aparecem aos magotes sempre que uma medida de relevo surge na comunicação social (onde é que eles andavam antes?). E ali estão eles depois, competentes, atentos e muito compenetrados debitando idiotices sobre a nobre missão de que acabam de ser incumbidos. É o caso da recente proposta das Irmãs Oblatas e de um Grupo Português de Activistas sobre a Sida à Câmara Municipal de Lisboa, na qual se prevê a construção duma safe house (assim mesmo) para trabalhadoras de sexo. Verdadeiramente, tudo ao molho e fé em Deus. Tem sido, assim, um bruaá de doutas opiniões, correctos pareceres e uma chuva de apontamentos de reportagem. O último ficou-me agora mesmo no ouvido quando uma senhora que, ao que parece, tem uma lavandaria no Intendente, disse que achava a safe house uma boa medida para as senhoras trabalhadoras de sexo.
Se eu fosse puta à boa maneira antiga, tipo «Laurinda dos gatos», «Josefa das mamas», «Estrelinha do 23» (hear say!…) e imbuída daquele espírito dos anos sessenta e setenta e me chamassem senhora trabalhadora de sexo eu era muito bem capaz de «afinar» e dizer ao repórter: - Senhora trabalhadora de sexo é a sua tia. Uma expressão, afinal, hoje muito em voga, e que eu certamente ajustaria à terminologia da época. Talvez mais bruta mas certamente bem mais sincera e muito menos hipócrita.
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A casa de putas mantinha um garboso lugar no roteiro de boémia de várias cidades portuguesas. Nomes de locais, praças, ruas ou travessas tão honrosos como o Terreiro da Erva, Quintal do Prior, Rua das Linheiras ou Rua da Atalaia eram mencionados com reverência e eram normalmente termo e sinónimo de noitadas pontilhadas de copos e cantorias.
As putas, em si, eram criaturas simpáticas e despertavam nos boémios uma mescla de sentimentos que iam do puro desejo à amizade, pelo conhecimento que os clientes tinham de inúmeras histórias de vida, quase todas elas começadas por um coronel ou um senhor de bem e de bens que desonravam donzelas e as abandonavam com um filho no regaço, ao que as desfloradas respondiam com a venda do corpo para alimentar as crias. Havia outras histórias, claro, outras vidas, outras mulheres, as situações eram diversas mas, no fundo (em muitos casos, literalmente) se fundia uma história de vida e uma forma de estar. Era o tempo das inspecções sanitárias, das estatísticas, dos registos, de perseguições, mas onde tudo se fundia na abertura de um postigo, uma espreitadela para ver o cenho dos clientes e, sendo aprovados, um gritinho de ordem no interior: - meninas à sala, quem quer fregueses?
Na altura não havia autarcas zelosos, associações disto e organizações daquilo, muito menos havia uma fauna grotesca de gente que acorda de manhã com a impante sensação ou messiânico convencimento de que o mundo não passaria sem ela e, sem ela, no mundo se instalaria o caos, a desgraça, a injustiça e mesmo até o «fassismo». Por isso as putas eram razoavelmente felizes e os utentes (ainda não se dizia utentes, nem havia comissões de, mas que havia gente que as utilizava havia, pagando, é certo e mesmo em alguns casos os níveis de confiança eram tais que até existia fiado) extravasavam as suas alegrias, idiossincrasias … extravasavam muitas coisas, enfim, muitas delas, se extravasadas hoje em ritmo e quantidade desejáveis, evitariam muitos idiotas politicamente correctos, os tais que acordam de manhã indagando-se sobre a forma de termos um mundo como deve ser.
Hoje é diferente. Os zelotas dos bons costumes e do politicamente correcto tornaram-se uma forma profissionalizada de gente que engloba enquadradores, responsáveis, religiosos, activistas, responsáveis de comissões e outros palavrões que, como por milagre, aparecem aos magotes sempre que uma medida de relevo surge na comunicação social (onde é que eles andavam antes?). E ali estão eles depois, competentes, atentos e muito compenetrados debitando idiotices sobre a nobre missão de que acabam de ser incumbidos. É o caso da recente proposta das Irmãs Oblatas e de um Grupo Português de Activistas sobre a Sida à Câmara Municipal de Lisboa, na qual se prevê a construção duma safe house (assim mesmo) para trabalhadoras de sexo. Verdadeiramente, tudo ao molho e fé em Deus. Tem sido, assim, um bruaá de doutas opiniões, correctos pareceres e uma chuva de apontamentos de reportagem. O último ficou-me agora mesmo no ouvido quando uma senhora que, ao que parece, tem uma lavandaria no Intendente, disse que achava a safe house uma boa medida para as senhoras trabalhadoras de sexo.
Se eu fosse puta à boa maneira antiga, tipo «Laurinda dos gatos», «Josefa das mamas», «Estrelinha do 23» (hear say!…) e imbuída daquele espírito dos anos sessenta e setenta e me chamassem senhora trabalhadora de sexo eu era muito bem capaz de «afinar» e dizer ao repórter: - Senhora trabalhadora de sexo é a sua tia. Uma expressão, afinal, hoje muito em voga, e que eu certamente ajustaria à terminologia da época. Talvez mais bruta mas certamente bem mais sincera e muito menos hipócrita.
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Etiquetas: politicamente correcto, prostituição
1 Comments:
eu sou muito bom ver o seu blog e acho que é muito útil e muito informativo, eu estou indo para compartilhar isso no meu fb com meus amigos, esperança que você vai mantê-lo,
http://www.forumpakistan.com/
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