História trágico gastro sentimental do Sebastião
Sebastião sentiu-se pesadão, não gostou do que viu ao
espelho, pesou-se e a balança acusou uns obscenos 86,5 kg. Disparadas as campainhas
de alarme, calçou uns ténis e aí vai ele, correndo e caminhando durante quatro
sólidos quilómetros, zangado consigo, zangado com a vida, zangado com a dieta
mediterrânica.
Durante uma semana inteirinha, o Sebastião comeu atum, escalopes
grelhados com salada de agrião, postas de peixe grelhado com bróculos a saber a
trapos, cenouras a saber a fenolftaleina, fruta, hectolitros de água e
diariamente sacolejava os tecidos adiposos, os músculos e os ossos em caminhadas
e corridinhas, concentrado e determinado.
Ao fim da semana, pesou-se e a balança acusou 86,2 kg.
Sebastião questionou-se sobre como é que uma semana de
tamanhos sacrifícios, como a transacta, só lhe havia dado um bónus de 300 gramas.
Mas achou que era mesmo assim, que Roma e Pavia não se fizeram num dia e optou
pela perseverança. Durante mais uma semana seguiu exactamente o mesmo programa
alimentar e de exercício, o estômago emitindo já lancinantes roncos de fome ao
deitar e os músculos e articulações cada vez mais recalcitrantes. Ao fim da segunda
semana, a balança acusou 85,4 kg.
Sebastião achou que os resultados não eram ainda
espectaculares mas, que diabo, sempre tinha perdido 1.100 g em duas semanas e,
perseverante, continuou o sistema. Começou a sentir-se mentalmente embotado e
com receio de estar entrando num gradual processo de estupidificação, mas
continuou. Ao fim da semana a balança acusou 85,2 kg. Hum…apenas duzentos
gramas de perda nesta semana, mas lembrou-se que numa refeição qualquer
esqueceu-se e açucarou o café com uma miserável colherzinha de açúcar. É,
talvez fosse isso, de resto, no total já tinha perdido 1,3 kg.
O mesmo programa, o mesmo cansaço, as meninges cada vez mais
preguiçosas, os músculos cada vez mais comparados aos bifes de antigamente que
a avozinha dele batia com um martelo de madeira antes de os fritar. A balança,
ao fim da 6ª semana acusava então 84,5 kg. Sebastião achou que a perda de 2 kg
era uma conquista razoável, apesar da tortura diária das corridas, da comida
insípida e de o espelho não lhe mostrar melhorias por aí além, aquela curvinha
de prosperidade relevando a partir do abdómen, por ali abaixo até regiões onde
os homens acham que o único sítio onde o volume pode aumentar não vem a
propósito nem é para aqui chamado. No fim da semana, Sebastião achou que seis
semanas de sacrifício faziam-no merecer um prémio. Passou numa pastelaria fina com
amigos, fez cara de inocente e comeu um quindim.
Sebastião falou nesse dia com a namorada pelo skype. Pela
conversa e vindo de nada, perguntou:
- Olha uma coisa, achas que estou mais magro, mais gordo ou
na mesma?
Ela accionou aquele olho clínico que as mulheres têm e que lhes
permite a visão prescrutante que todas
elas adquiriram em Krypton noutra vida qualquer (é impossível que as mulheres
não tenham tido vidas anteriores, porque cada vez mais refinadas…) e respondeu
laconicamente:
- Hum…não sei bem. Talvez estejas ligeiramente mais gordo.
Mas não mais que um quilo.
Sebastião não acreditou. Achou que era do skype que deforma
as imagens.
1ºdia do resto da vida do Sebastião
Levantou-se, foi à balança que acusou 86,5 kg. Como dantes, quartel-general em Abrantes. Tudo aquilo
lhe pareceu estranho. A única asneira que recordava era um minúsculo quindim. Que
não deve pesar mais do que 50 g. Como é que os 2 kg vieram de volta?
Fez a barba, ignorou o espelho, olhou com desprezo para a balança,
meteu-se no duche. Seguidamente parou na pastelaria perto de casa e pediu uma
bica dupla e um magnífico croissant folhado com fiambre e manteiga. Ao almoço
sentou-se no local do costume e viu o menu. Como pratos do dia havia entrecosto
no forno com batatinhas assadas e arroz do assado, favas com entrecosto e
enchidos ou «dobradinha» com feijão branco.
Mandou vir o entrecosto com as batatinhas no forno.
.
Etiquetas: a nossa insustentável leveza, dietas