
[3369]
Já uma vez solenemente o afirmei. Sou um homem azarado. Aquele tipo de gajo que quando o meu barco chegar, eu estarei no Aeroporto. Vale-me não ser supersticioso e ter raiva a quem é. Por isso tanto me faz ter estatuetas de elefante em casa com a tromba para cima como para baixo, passo distraidamente por um gato preto e, sem querer, parto espelhos e passo sob escadotes. Jamais dou uma volta a uma cadeira antes de me sentar e é-me absolutamente indiferente sentar-me a uma mesa de 13. Entro com o pé esquerdo onde tiver de entrar e sei que os azares que tenho são contrabalançados com uma grande sorte na vida. Ser sãozinho de corpo e espírito, amar muito os que me são queridos e saber como eles me amam também. No fundo trata-se de saber amar, apesar da Leonor Coutinho me querer aumentar a dose desde que, naturalmente, vote nela para a câmara da terra onde tenho a sorte (lá está) de viver.
Mas nada disso muda o essencial. E o essencial é que sou azarado. Acontecem-me as coisas mais mirabolantes, algumas delas que, contadas, não se acredita. E de todas elas, talvez a mais bizarra me tenha acontecido hoje. Fui abalroado por um carro no «dia sem carros». Acorda uma pessoa politicamente correctinha que é um regalo de se ver. Vai de comboio para o Cais do Sodré, apanha o eléctrico (olha, eléctrico ainda leva ‘C’, os especialistas devem andar distraídos) para a Lapa e, ao sair do eléctrico, leva com uma pancada do espelho do carro de um energúmeno que não se dignou, sequer, parar. Caí o suficiente para ficar sentado no passeio e motivar um fluxo de gente para saber se estava tudo bem (ao mesmo tempo que me contavam como também já tinham sido atropelados, é uma coisa a que o português genuíno não consegue furtar-se, contar como também já lhe aconteceu a ele, seja o que for), o que é uma coisa que me irrita um bocadinho porque me faz lembrar os velhinhos que caem e que apanham com um grupo de boas vontades para o levantar do chão.
E é assim que me levanto para mostrar a toda a gente que estava tudo em su sítio e limitei-me a insultar mentalmente a mãe do condutor do Corsa branco de rede ao meio que, entretanto, desapareceu.
A história não passa disto e não estou ferido nem magoado, mas o essencial ficou. O azar de ser atropelado no dia europeu sem carros, que é um coisa que eu julgava que já tinha acabado e se resumia, eventualmente, a alguma fotografia avulsa no escritório do Al Gore ou do senhor Ferreira da Quercus. O dia em que eu julgava que o único carro a circular em Lisboa era o Porche do Pedro Couceiro a fazer uma corrida com António Costa, que corria de metro. António Costa ganhou, claro. Mas o atropelado fui eu.
Adenda: Afinal, ganhou um Sousa, de bicicleta. Nem taxi, nem Porche, nem mesmo o metro. Bicla é que é. Pelo menos pela Avenida da Liberdade abaixo. .
Etiquetas: azar, dia europeu sem carros