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Nas minhas incursões pelo mundo fantástico dos comentários desportivos (leia-se futebol) há duas personagens que marcam incontornavelmente a minha sensibilidade. Um chama-se Rui Santos e é o arquétipo do português mal falante mas que acha que fala bem, mas o seu discurso é um arrazoado de ideias (?) amontoadas, sem fio nem consistência, perdidas entre termos e expressões absolutamente fantásticas e em cujo emaranhado ele próprio se perde. Deixa cá ver se consigo dar um exemplo, pobrezinho que seja, por palavras minhas:
A selecção nacional fez um jogo, como direi, vamos lá ver, Carlos Queirós, que como se sabe é persona non grata em Alvalade, vamos lá ver, todos sabemos que no Sporting, Sporting que está a jogar bem mas onde Paulo Bento não consegue disfarçar que o problema, vamos lá ver, o problema de Vukcevic, quer dizer, o empresário, mas vamos lá ver, os jogadores têm que se compenetrar que em futebol as coisas são o que são, já com o Porto, vamos lá ver, o balneário é uma das coisas mais importantes, pois, quer dizer, eu recordo-me que num jogo com o Sevilha, o Benfica, que aliás, vamos lá ver, tinha feito muitas contratações…
Pois, "vamos lá ver", eu seja ceguinho se este naco de prosa não é bem conseguido e se Rui Santos não fala assim mesmo. A telegenia, naturalmente, não ajuda porque por cima da testa maquilhada e empoada para a exposição televisiva surge um cabelo revolto “embebido” em gel, numa dose que me faz pensar que antes de ir para a cama o homem precisa de duas horas de chuveiro. A menos que vá assim para a cama, mas custa-me a acreditar.
Outro é Fernando Seara. Não usa gel (não teria onde, mas isso não é culpa dele…), expressa-se bem mas é aquele tipo que fala para os outros, fala para si e fala em voz off. Faz a despesa completa. Nada se passa naquele estúdio que não tenha como pano de fundo a foz aflautada de Fernando Seara. Ao género daquelas pessoas que falam e se concentram no que estão a dizer. Tudo, entretanto, enquanto falam, lhes é alheio à volta. Perguntas do moderador, dos colegas de programa, tudo, mas tudo, é secundário. O homem diz o que tem a dizer e mantém-se imperturbável num monólogo interminável que de todo torna impossível que se oiça o que quer que seja quando os outros estão a falar. Há pessoas assim. Muitas. Por razões que não percebo porquê. Mas há. Falam connosco, dizem o que querem, nós queremos ripostar, complementar, comentar e quando pensamos que estamos a ser ouvidos, lá vêm eles com o “resto” da sentença anterior, ou perdidos na divagação romântica e auto-contemplativa do que acabaram de dizer. Muito comum, esta característica. Bem mais do que o desejável.
No caso de Fernando Seara e agora que se fala na sua putativa candidatura à Câmara de Lisboa, bem me saberia que Sintra (e, na intimidade, Judite de Sousa), continuassem a merecer a inquietude falaz da criatura e o mantivessem acolhido por lá. Lisboa é muito mais mediática, tem menos incêndios, eu sei, mas imagino a frequência com que passaríamos a ter de ouvir Seara.
E satisfeito este meu desejo estranho de ter acordado com vontade de falar mal de alguém, vou trabalhar. Antes que comecem a falar mal de mim.
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