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Sou homem, já fui rapaz, sou quase velho, já fui mais gordo, mais magro, só não fui mais alto, mas já fui bem mais baixo. Já amei, já fui amado, odiei e fui odiado, bati, fui batido, já ri, já chorei, já brinquei, mas também já levei muita coisa a sério. Trabalhei muito e também fingi, estudei criteriosamente mas também ousei exames mal preparado. Tive sorte, tive azar, já ganhei à roleta, já perdi às moedas, andei na tropa, sofri, vi e fiz sofrer. Conheci todos os estados civis que um homem pode ter. Solteiro, casado, viúvo e divorciado. Amancebado, unido de facto e muitas vezes me uni sem fato também. Amizades coloridas, outras mais escuras mas todas elas muito ricas. Tenho filhos, dos quais um é rapaz. E até netos, imagine-se, quem diria? Já rezei, já ajudei à missa badalando criteriosamente uma coisa esquisita que deitava fumo e fazia os fiéis baixar a cabeça e ainda hoje sei rezar a missa toda em latim. Mas também já quase bati num padre e já beijei uma freira. Já fiz um retiro, aliás meio retiro, chateei-me e vim-me embora. Já viajei, conheci países ricos, pobres, tórridos e gelados. Percorri savanas africanas chapinhando o suor das costas da camisa contra o encosto do carro e percorri montanhas geladas no conforto da chauffage de carros de alta cilindrada. Bebi café creme e comi bolos de mel em estâncias de ski alpinas e comi matete ou pirão com caril com os dedos, a saber a repelente para mosquitos. Pesquei espadartes e tubarões em alto mar, no Índico, mas também apanhei carpas do tamanho de um dedo mindinho, no Mondego. E fanecas em Matosinhos. Tentei fazer ski… mas só tentei, não cheguei lá. Já ski aquático, fiz sem dificuldade. Mergulhei sempre sem garrafas e cacei barracudas, xaréus, corvinas reais e garoupas gigantes, por entre cenários magníficos de cor e de formas, sobretudo cores que descobri e nem sabia que existiam. Também cacei à bala, quando estava na tropa, mas uma vez matei um antílope e não consegui dormir nessa noite, porque fechava os olhos e via de imediato aqueles olhos escuros, brilhantes, enormes, lindíssimos, na cabeça de um autêntico bambi gigante que eu já vira sofrer tanto quando eu era miúdo. Nunca mais cacei. Fiz corridas de automóveis. Fiz ralis e ganhei taças, fiz velocidade dois anos e cheguei a ser uma revelação. Num acidente aparatoso, uma rádio noticiou a minha morte. A expressão dos meus dois filhos pequeninos, ainda só havia dois, quando me viram, fez com que eu nunca mais corresse. Joguei râguebi durante dois anos e cheguei a internacional. Conheci gente de mil sítios e de mil deles fiquei amigo. Falo bem algumas línguas. Já me embebedei, fumei dois charros e fiz uma angioplastia porque tinha as coronárias torcidas pela nicotina dos trinta a quarenta cigarros que fumava por dia. Já tive um acidente de carro grave em que ia matando toda a família. Já me morreu gente querida. Já me nasceu gente amada. Já plantei uma acácia e uma vez plantei até um feijoeiro que havia ser determinante na minha vida, porque o meu pai viu e achou que o meu futuro estava nas ciências agrárias e agronómicas. Nunca escrevi um livro nem matei nenhum leão, mas um dia pode ser que aconteça. O livro, porque matar um leão é coisa que eu nunca entenderei, é uma coisa assim tão estranha como os portugueses que querem continuar a ter o Sócrates como primeiro-ministro. Vivo por aqui e continuo na descoberta de tanto ainda que tenho a certeza que haverei de encontrar e viver. Vivo numa terra lindíssima, de clima ameno, gente escovada e beijo o mar todos os dias na marginal. Curiosamente, mantenho uma sensação muito vívida de amar e ser amado. Também sei de gente que me detesta. Faz parte. Na verdade eu poderia continuar a escrever páginas de tanta coisa que fiz e vivi. Mas a questão é que tenho dedicado pouca atenção ao «Espumadamente» e o Sócrates tira-me do sério. Farto-me de escrever sobre ele. E com pesar verifico a generalidade e facilidade com que toda a gente lhe chama mentiroso compulsivo. É que o homem é meu primeiro-ministro, que diabo. Mas, como dizia, este Espumadamente já foi bem mais interessante. E agora anda quezilento por causa daquela criatura. Daí que me deu para fazer um post sem saber bem o que ia dizer. Espero que valha mesmo a condição de post. Porque se não valer, publico-o na mesma. Ando a dar confiança demais àquela rapaziada do PS.
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Etiquetas: coisas simples, intimista