Mulheres não conduzem, por causa das moscas
Manal al-Charif
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Um dia fui a Riad aprender a matar moscas. Para ser mais correcto, fui a um workshop onde a mosca era o actor principal – falava-se de técnicas avançadas para matar os biliões de dípteros que anualmente assaltavam a capital saudita. O local tinha a ver com o facto de a companhia para que eu trabalhava ter habitualmente contratos para a pulverização aérea da cidade.
Num dos intervalos da coisa e deslocando-me casualmente junto a um mercado, observei, curioso, um vendedor de frutas, sentado no chão e com um cesto de frutas sobre as pernas. Uma mosca evoluía, competente nas técnicas de vôo, à volta da cabeça do vendedor e, de vez em quando, pousava na sua face. Depois descolava de novo, fazia mais umas manobras de acrobacia aérea e pousava de novo. Parado, olhei curioso e divertido para aquele quadro. Por um lado a perícia do insecto, por outro, o vendedor, aparentemente dormindo, imóvel e indiferente às suas sucessivas aterragens e descolagens. De repente, estando a mosca provocante pousada no nariz, quase não me apercebendo do que se passava, o vendedor de frutas faz um movimento a uma velocidade quiçá só ultrapassada pela da língua de um camaleão, apanha a mosca na palma da mão e, de imediato e num impulso seco e meteórico, atira-a para dentro da boca. Sem mastigar, percebi o movimento próprio de quem está engolindo qualquer coisa, pelo que deduzi que a mosca terminava ali, ingloriamente, o seu exercício de acrobacia aérea, no piloro de um vendedor de frutas, num qualquer mercado da cidade. O homem continuou imperturbável, dormitando e, à volta, vi muitas mais moscas esvoaçando mas nenhuma me pareceu disposta a aterrar no nariz daquele insuspeito e rapidíssimo comedor da espécie.
Hoje sei de uma mulher que foi presa por conduzir uma viatura em público na cidade das moscas. Ainda que eu conheça algumas aqui em Lisboa que deveriam ser colocadas em detenção domiciáliria sempre que lhes salta a pulsão para pegar no carro, não posso deixar de pensar em como é estranho este mundo onde em cidades modernas e sofisticadas ainda há exímios comedores de moscas sempre que as mesmas não nos deixam o nariz em paz, ao mesmo tempo que se prende uma mulher por conduzir. As moscas deviam saber que não se deve aterrar em narizes alheios. E as mulheres não deviam esquecer que não podem guiar. Que cozinhem e param crianças que é para isso que foram inventadas. E, de carro, terão sempre de ser acompanhadas por um pai, marido ou irmão mais velho.
Lembro-me ainda que ao entrar no avião de regresso não havia moscas. E várias jovens sauditas, ainda o avião estava em terra (um avião da BA), apressavam-se a ir aos lavabos trocar os panos que as cobriam dos tornozelos aos pulsos por um par de jeans e uma T-shirt. Estranho mundo este. Sobretudo quando num mundo conturbado como aquele em que vivemos, a esquerda mostra uma estranha complacência com este tipo de ocorrências. Vá-se lá saber porquê...
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Um dia fui a Riad aprender a matar moscas. Para ser mais correcto, fui a um workshop onde a mosca era o actor principal – falava-se de técnicas avançadas para matar os biliões de dípteros que anualmente assaltavam a capital saudita. O local tinha a ver com o facto de a companhia para que eu trabalhava ter habitualmente contratos para a pulverização aérea da cidade.
Num dos intervalos da coisa e deslocando-me casualmente junto a um mercado, observei, curioso, um vendedor de frutas, sentado no chão e com um cesto de frutas sobre as pernas. Uma mosca evoluía, competente nas técnicas de vôo, à volta da cabeça do vendedor e, de vez em quando, pousava na sua face. Depois descolava de novo, fazia mais umas manobras de acrobacia aérea e pousava de novo. Parado, olhei curioso e divertido para aquele quadro. Por um lado a perícia do insecto, por outro, o vendedor, aparentemente dormindo, imóvel e indiferente às suas sucessivas aterragens e descolagens. De repente, estando a mosca provocante pousada no nariz, quase não me apercebendo do que se passava, o vendedor de frutas faz um movimento a uma velocidade quiçá só ultrapassada pela da língua de um camaleão, apanha a mosca na palma da mão e, de imediato e num impulso seco e meteórico, atira-a para dentro da boca. Sem mastigar, percebi o movimento próprio de quem está engolindo qualquer coisa, pelo que deduzi que a mosca terminava ali, ingloriamente, o seu exercício de acrobacia aérea, no piloro de um vendedor de frutas, num qualquer mercado da cidade. O homem continuou imperturbável, dormitando e, à volta, vi muitas mais moscas esvoaçando mas nenhuma me pareceu disposta a aterrar no nariz daquele insuspeito e rapidíssimo comedor da espécie.
Hoje sei de uma mulher que foi presa por conduzir uma viatura em público na cidade das moscas. Ainda que eu conheça algumas aqui em Lisboa que deveriam ser colocadas em detenção domiciáliria sempre que lhes salta a pulsão para pegar no carro, não posso deixar de pensar em como é estranho este mundo onde em cidades modernas e sofisticadas ainda há exímios comedores de moscas sempre que as mesmas não nos deixam o nariz em paz, ao mesmo tempo que se prende uma mulher por conduzir. As moscas deviam saber que não se deve aterrar em narizes alheios. E as mulheres não deviam esquecer que não podem guiar. Que cozinhem e param crianças que é para isso que foram inventadas. E, de carro, terão sempre de ser acompanhadas por um pai, marido ou irmão mais velho.
Lembro-me ainda que ao entrar no avião de regresso não havia moscas. E várias jovens sauditas, ainda o avião estava em terra (um avião da BA), apressavam-se a ir aos lavabos trocar os panos que as cobriam dos tornozelos aos pulsos por um par de jeans e uma T-shirt. Estranho mundo este. Sobretudo quando num mundo conturbado como aquele em que vivemos, a esquerda mostra uma estranha complacência com este tipo de ocorrências. Vá-se lá saber porquê...
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Etiquetas: coisas extraordinárias, moscas
2 Comments:
LOL...
Quando tirei a carta, uma segunda-feira ia eu entrando na Escola e "apanho" o meu instrutor a dizer a uma senhora :JÁ ESTOU FARTO DE AVISAR AS SENHORAS QUE NOS FINS-DE-SEMANA NÃO PEÇAM AOS PAIS, IRMÃOS E MARIDOS PARA LHES DAREM LIÇÕES...EU JÁ SEI QUE ACABA SEMPRE EM LÁGRIMAS!
Nunca esqueci este sábio conselho :)))
papoila
E como é quer fizeste, papoila?
:)))))
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