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As cerimónias do 25 de Abril, na Assembleia da República, tiveram este ano um sabor de despedida. O presidente da República leu parágrafos e parágrafos dum estudo que demonstrava a ignorância dos jovens. Não era necessário que a presidência da República encomendasse um estudo para dar conta do desinteresse dos jovens pela política. Que “a ignorância da juventude é um espanto!” já Jô Soares garantia de modo bem mais divertido e muito francamente não creio que seja essa ignorância aquilo que mais preocupa a geração que agora começa a deixar de ser poder. Essa geração que tem um antes e um depois do Maio de 68, essa geração que acreditou que iria ser eternamente jovem e adorada, essa geração que achou que não iria cometer os erros das anteriores, essa geração não entende nem aceita que o seu legado, mais do que contestado, seja ignorado.
Contudo a geração de 60 é uma geração que tem pouco de que se orgulhar em Portugal. Os de direita não foram capazes de reformar o regime. Os de esquerda não foram capazes de acabar com ele. E quer uns quer outros acabaram a ser supreendidos no dia 25 de Abril de 1974, por uns capitães pouco lidos mas muito eficazes.
Em ano e meio, os soldados, capitães, generais e demais militares recolheram rapidamente de África a Lisboa e de Lisboa ao interior dos quartéis. A geração de 60, tecnica e culturalmente mais habilitada que qualquer outra que a precedera, ocupou ministérios, fundações, institutos, escolas, universidades… Ao mesmo tempo descobria os carros de serviço, desistia das revoluções e apostava em mudar o país por decreto, aliás cada decreto era o reflexo da sua superioridade moral. Direitos económicos e sociais foram atribuídos sem que a sua viabilidade fosse minimamente avaliada. Incapazes de não se sentirem amados – eles que tinha sido a primeira geração verdadeiramente mimada em Portugal – legislaram como se eles fossem o fim da História. Como se não houvesse mais futuro para lá daquele que estavam a desenhar.
Quando ao primeiro empurrão da realidade todo este artefacto legal começou a soçobrar, adoptaram, sem mais explicações, um apagado e vil pragmatismo: no extraordinário garantismo dos seus postos de trabalho nasceu o terreno fértil dos recibos verdes dos seus filhos. E com a mesma sobranceria com que ainda há pouco fulminavam aqueles que ousavam falar da insegurança – negavam até que ela existisse – acham agora inevitável que a polícia portuguesa aprenda técnicas de combate nas favelas do Rio de Janeiro.
Da justiça fomos desistindo: sentado ao lado do presidente da República, nesta sessão solene do 25 de Abril, estava Jaime Gama que, na véspera, ouvira novamente serem proferidas contra si graves acusações de abuso sexual por parte de ex-alunos da Casa Pia. E ninguém se indigna nem apieda. Porque já nos habituámos a que a justiça não absolva nem condene. Antes se transforma numa espécie de via sacra que trucida honras e deixa escapar os crimes.
Esta mesma geração que, enquanto jovem e estudante, contestou fortemente a família não só vive agora com desconcerto os records de longevidade que os seus pais teimam em bater como pode estar a comprometer boa parte do futuro dos seus próprios filhos. Se os jovens de hoje fossem tão politizados quanto é de bom tom dizer-se que deveriam ser talvez protagonizassem um inédito conflito de gerações pois em causa não estaria a clássica tentativa da geração mais velha de impor um modelo à mais nova mas sim o facto de a geração mais nova não poder reproduzir o modelo da mais velha porque esta última gastou não só o que havia mas também o que estava para haver. Se os jovens de hoje fossem realmente mais politizados interrogar-se-iam sobre a sustentabilidade da Segurança Social, aquela que a geração dos seus pais ainda há pouco garantia que tomaria conta de cada um do berço à cova mas que agora já lhes manda fazer PPR’s complementares para que não tenham apenas “meia reforma”. Na verdade qual irá ser a reforma a que os jovens de hoje podem aspirar? Um quarto? Um quinto? Felizmente que eles não aprenderam fracções e que não dominam sequer as divisões mais simples.
Tendo construído grande parte da sua imagem por antítese em relação àquelas que a precederam, esta geração prefere falar dos seus tempos de juventude em vez de fazer o balanço do seu exercício de vida adulta. Essa vida política que terminou simbolicamente de alguma forma a 23 de Abril de 2008 quando na Assembleia da República, quase clandestinamente, foi aprovado o Tratado de Lisboa.
A mesma geração que da esquerda à direita recebeu o poder no 25 de Abril, que mandou retirar de África rapidamente e em força, que apostou na Europa como seguro político contra tentações golpistas, como fonte dum novo ciclo do ouro e sobretudo como o nosso novo espaço natural, essa geração não foi capaz de deixar o povo votar aquela que foi a sua última bandeira.
Falar dos jovens é fácil, até porque os exemplos da sua ignorância e desatino são imensos. Mas talvez seja tempo de falarmos sobre o que fizeram e o que nos fica como legado daqueles que um dia, em meados do século XX, juraram e acreditaram que nunca iam deixar de ser jovens.
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