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É indisfarçável a excitação com que alguns dos nossos “neo-socialistas” aguardam o passamento do ditador cubano para espraiarem mais uma furiosa campanha contra os americanos. Isso mesmo se notava ontem num programa do Rádio Clube Português onde Ana de Sousa Dias, com o seu ar asséptico, incolor e inodoro juntou um grupo de nomes de que só consegui reter o de Nuno Ramos de Almeida para se pronunciarem sobre a renúncia de Fidel e sobre o futuro da nação cubana. O programa chama-se “janela aberta” e é um mostruário de temas apropriados a uma janela aberta que se preze, como a ecologia, a homossexualidade, o aborto, a adopção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo, o sexo, a violência doméstica e outros temas que poderiam constituir temas de genuíno interesse para um programa de rádio mas se transformam em veículos de uma pretensa intelectualidade de um grupo de iluminados que vai desfilando pelo programa, sob a batuta de Ana Sousa Dias.
Pois ontem, o tema era o futuro de Cuba e a renúncia de Fidel e, como era expectável, o programa tornou-se num furioso libelo contra os americanos. Termos como influência na América latina, morticínios, Chile, imperialismo, golpes de estado sucessivos na América do Sul por generais barbudos (também em matéria de barbas há barbas boas, as do Comandante e más como as dos coronéis e generais golpistas), Guantanamo e o desrespeito pelos direitos humanos, a estrondosa derrota americana na baía dos Porcos, o ditador Fulgêncio, as quadrilhas de Miami, a colaboração económica da URSS até 1991 e a sobrevivência de Cuba ao bloqueio americano, enfim, tudo isto serviu para o mote de base que era Castro era um ditador, mas. Ou seja, ao fim e ao cabo Castro tinha muitas e boas razões para ser um ditador. Houve mesmo quem afirmasse, salvo erro Nuno Ramos de Almeida, que a América do Sul podia agradecer às políticas de Castro o facto de os americanos estarem agora mais ou menos em sentido e desfrutarem de mais liberdades. As palavras são minhas, mas o sentido era este.
É evidente que este grupo de jornalistas, radialistas intelectuais, bloguistas, apresentadores de rádio e iluminados correlativos não faz a mínima ideia do que estavam para ali a dizer. Provavelmente nenhum deles conheceu cubanos para além de um par de viagens a Havana num programa de férias da Abreu, digo eu, porque se tivessem tido um contacto mínimo com cubanos jovens a trabalhar fora do país em missão "internacionalista" tendo como única vantagem a acumulação de pontos (tipo pontos Galp) para poderem adquirir um frigorífico e a honra de contribuírem para o engrandecimento da grande pátria cubana através do pagamento em dólares dos seus salários directamente para o partido, este grupo de idealistas, dizia eu, poderia eventualmente moderar a sua linguagem, perceberiam que a tragédia cubana não terá sido apenas a prisão e desaparecimento de dissidentes políticos, a indigência material em que a maioria do povo viveu durante estes últimos cinquenta anos mas também, talvez sobretudo, a criação de sucessivas gerações enformadas por lavagens ao cérebro que as fazia acreditar não só viverem num país de eleitos como até gerarem um sentimento de solidariedade pelos desgraçados dos outros povos dominados pelo sistema capitalista que, ao contrário do que se passava com eles, andavam por África a ganhar chorudos ordenados em moeda convertível. Este sentimento patético, verdadeiramente trágico, é real e foi por mim constatado, era eu um jovem técnico de uma multinacional em Moçambique, em longas conversas com alguns generosos representantes da juventude cubana, pilotos agrícolas, técnicos de saúde, agrónomos, etc.
Isto da conversa é como as cerejas. O post tinha a ver com Sousa Dias e o seu séquito. Acabei nas longínquas paragens do Limpopo a conversar com colegas cubanos que olhavam com displicência e solidariedade aqueles que, como eu, ganhávamos em dólares, imagine-se a nossa desgraça. Trinta anos mais tarde, aguarda-se, com sofreguidão a morte do comandante. Vai ser uma correria às rádios e aos jornais para se falar de Guantanamo, das barbas de coronéis golpistas (as barbas más) e, vistas bem as coisas, da sorte do povo cubano em particular e dos povos da América latina em geral que hoje, graças às políticas do comandante, respiram melhor.
E entretanto morre mais um ditador. Faltam poucos.
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