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Tenho a certeza de que já existiam pólens muito antes da televisão estatal nos brindar com aqueles sofisticados «boletins polínicos», através dos quais ficamos a saber que os pólens de hoje são maioritariamente de gramíneas e oliveiras, ao mesmo tempo que, cientes da massa de ar quente que se desloca do centro da Europa e que bloqueia a massa de ar húmido que se desloca daquela zona ali a noroeste dos Açores, também nos apercebemos de que a A5 está entupida por causa de um acidente ou há um banco de nevoeiro na ponte do Freixo. Voltando aos pólens e enquanto não nos surge mais um boletim de esclarecimento sobre gramíneas (para todos sabermos que estas são monocotiledóneas) para sabermos que tipo de poléns nos aflige os pólipos nasais, ou porque é que os pólens das oliveiras são mais frequentes que o dos eucaliptos, ficamos também a saber que o aquecimento global as alterações climáticas têm uma importância decisiva na formação, no aparecimento, no devaneio, na errância dos pólens que nos põem a espirrar, coçar a epiderme, esfregar as conjuntivas e pigarrear as amígdalas martirizadas pelos monocotiledónicos pólens.
A minha mãezinha (e lembro-me de algures já ter escrito sobre isso) é um ser de hábitos e inalteráveis rotinas. Nunca ela terminou uma refeição sem uma peça de fruta ou a começou sem um prato de sopa e toda a sua vida é pautada por um regime de rotinas que, aparentemente, lhe têm feito muito bem, a avaliar pela idade que tem e saúde de que desfruta. No que concerne a espirros, ela tem um acesso de espirros por quinzena. São 14 espirros… os primeiros seis intervalados de dez segundos, os quatro seguintes passam a estar espaçados de quinze segundos, depois tem dois, mais espaçados ainda (vinte e cinco segundos) e os últimos dois podem demorar um pouco mais ou um pouco menos, na certeza que ela não retoma seja o que for que esteja fazendo porque… lhe falta espirrar ainda duas vezes.
Eu acho que ela sempre assim foi, desde o tempo em que as televisões e os jornais ainda não nos entupiam com as alterações climáticas. Hoje, com todos os tratos de polé a que o homem submeteu o planeta azul donde, inexoravelmente, resultou uma massa de pólens de gramíneas e de oliveiras, a minha mãe continua a espirrar o mesmo número de espirros e à mesma cadência. E até ela, valha-me deus, deixou escapar um dia destes, após uma saudável sessão de espirros, uma queixa de que com estas mudanças de clima o ar andava cheio de pólens.
Poupei-a explicar-lhe que os pólens já existiam desde que Deus Nosso Senhor criou o mundo e que os pólens de hoje eram maioritariamente de gramíneas e oliveiras, mas deixei-a ficar na certeza que os espirros dela se devem às malfeitorias dos homens, segundo nos informaram hoje na televisão. E no fim, para a confortar, eu próprio espirrei e corroborei: - Malditas alterações climáticas, mãe!
E ela ficou toda contente por ter um filho realmente consciente da coisa ecológica e, também, que ouve os boletins polínicos da RTP1.
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Etiquetas: aquecimento global, pólens