segunda-feira, maio 17, 2010

À moda da casa


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Uma vez, em Harare, jantei num restaurante da Samora Machel Av e vi na carta dos vinhos um curioso “Vinho da Casa”. Perguntei que vinho era aquele e trouxeram-me uma pequena garrafa de um vinho sul-africano, rotulado, cuja marca comercial era mesmo “Vinho da Casa”, assim, à portuguesa e tudo. Explicou-me o dono do restaurante que a ideia fora recolhida exactamente em Portugal, através do conceito de “vinho da casa”, ainda hoje relativamente popular.

Um barco com 48 pessoas, pertencente à Câmara Municipal de Setúbal, encalhou algures no Sado, em resultado do que morreu um jovem, cujo corpo ainda não apareceu. A profusão de comunicados, entrevistas e explicações patéticas de vários intervenientes (a do presidente da Câmara de Setúbal é uma imagem de marca…) fez-me pensar como a nossa proverbial trapalhada e falta de rigor e honestidade com que nos entretemos a lidar com coisas sérias podem aviltar a imagem da garrafinha de um razoável vinho tinto maduro homenageando o nosso “vinho da casa”, até casos como este, bem à “moda da casa”, em que se transforma aquilo que em qualquer país civilizado seria um vulgar caso de polícia num caso em que ninguém percebe bem o que se passou. Por mim fiquei a saber que a Câmara de Setúbal tem dois barcos meio “assucatados”, a que chama galeões, e que usa em serviço público, para uso de turistas, cobrando uma importância que nem chega para a manutenção do barco, dizia o presidente (pelo aparente estado de conservação do barco, somos tentados a acreditar), até à existência de uma empresa de Lisboa que sim, parecia que sim, usava o barco em actividades comerciais, mas a Câmara não tinha nada com isso, limita-se a receber o dinheiro do aluguer do serviço público, mesmo parecendo que sabia que o barco não estava licenciado, mas o barco estava em boas condições, o azar tem destas coisas e por aí fora, um chorrilho de desculpas e uma saca de declarações idiotas que me fez reciclar o conceito de vinho da casa que uma vez, em Harare, descobri algures num hotel zimbabueano. Um dia destes abrem por aí um inquérito, depois o processo, depois… prescreve, é isso. Entretanto ainda mandam arranjar o barco e, com jeito, arranja-se uma licença de navegação em águas mansas.

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