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Ao aterrarmos em Lisboa, e depois de passada aquela sensação estranha de termos lido algures e há dias que há milhares de pombos e pombais nos bairros limítrofes do aeroporto da Portela e, ao que parece, toda a gente achar isso muito natural, incluindo um columbófilo que afirmou que os pombos não voam para lá das pistas, entramos na gare com a sensação de quem se aventura num pavilhão de infecto-contagiosas de um qualquer hospital surrado pelo tempo e cheio de bactérias. O ambiente é nebuloso e consolida-se o sentimento de que se vive na generalidade de um ambiente de suspeição, sobretudo desde que se fala nas, alegadas, travessuras de Sócrates. No que me diz respeito, a primeira inquietação vai para o facto de me interrogar se com tanto processo, busca, mandatos e suspeitas, declarações e conferências de imprensa sobre a mais velha de todas as fraquezas do homem, como sejam a corrupção e a vaidade, interrogava-me eu se com o tempo tomado por estas questões sobra algum para alguém governar a paróquia. As finanças, a saúde, a educação, a justiça, as obras públicas, o emprego e outras minudências essenciais para a nossa manutenção como país e lançamento dos naturais alicerces de subsistência para os nossos filhos e netos como nação, pobrete e alegrete que seja, mas suficientemente credível para se manter integrada no concerto das nações onde nos situamos e queremos permanecer.
Os desenvolvimentos recentes sobre o caso Freeport são um bom exemplo do que acabei de dizer. Ele é tios, filhos dos tios (vulgarmente designados por primos mas aqui, curiosamente, não é bem o caso), off-shores, comissões, despachos, retiros espirituais no Nepal, empresas que vivem dois meses aparentemente só para mandar mails, advogados que receberam dinheiro não se sabe bem para quê e, aparentemente, ninguém tem nada com isso, resmas de documentos com carimbos gigantes de “urgente”, entrevistas à boca de carros de alta cilindrada (esta do carros de alta cilindrada é uma expressão que aprendi com a comunicação social), respostas evasivas e arrogantes, ingleses com mais aptidão para mimos do que oradores, países que suspeitam do nosso primeiro-ministro, enfim, um quadro exemplar de um país pífio onde tudo acontece, uns quantos se abotoam, alegadamente, não esqueçamos, com uns trocos e a procissão de prós e contras decorre na comunicação social, incluindo os blogues. Ninguém se entende, muitos começam a experimentar um genuíno sentimento de vergonha e uns quantos provavelmente ficarão a rir e a delinear a “chico-espertice” que se segue. Basta que se tenha um tio, um primo, um filho de tio, um padrinho ou mesmo que se ande a dormir com alguém casado com alguém que conhece um primo de um motorista de um senhor que se dá bem com uma senhora casada com um enteado de uma senhora casada em segundas núpcias com… alguém que possa dar uma mãozinha em qualquer coisa.
Dando de barato que de santinhos está o inferno cheio, convenhamos que a nebulosidade do momento excede os limites do razoável. Voltando ao caso Freeport, porque é o que está na berra, esperemos mesmo que alguma coisa se apure, para o bem ou para o mal daquele que, ou muito me engano ou ainda virá a consolidar a sua maioria absoluta. Basta que nada se prove e ele se arme em vítima por mais uma cabala e debite a algaraviada do costume contra o PSD. No fundo, qualquer coisa parecida com os tabefes que Mário Soares apanhou na Marinha Grande e lhe valeu a vitória nas presidenciais. Uma cabala bem urdida pela “reacção”, não restam dúvidas.
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