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Clara Ferreira Alves é o equivalente contemporâneo a uma elite de quadros que começaram a inundar as colónias portuguesas nas vésperas do 25 de Abril. Licenciados num grupo de ciências abrangentes (Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina), apareciam em Angola (falo de Angola porque era lá que eu estava a fazer o estágio de curso) prenhes de teoria e leituras coladas com cuspo que, na prática, conduziam a situações penosas, quase sempre a terem de ser resolvidas por gente com o traquejo de muitos anos de África. Eram os Ixpus, assim se chamava a esta gente voluntariosa e absolutamente ignorante dos assuntos de África, que achava que o futuro dessa mesma África dependia deles e do seu engenho e que acabavam por aplicar no campo uma série de emendas que arruinavam muitos sonetos que a experiência dos que lá andavam (agrónomos, topógrafos, assistentes sociais, professores, enfermeiros, padres, médicos e outros) ia deixando laboriosamente aplicados no terreno e, tem de ser dito, com êxito.
Clara Ferreira Alves não é Ixpu, mas parece ter lido muito, ela lê, lê, lê e viaja também, eu sei, que isto de viajar também ajuda, quanto mais não seja dois ou três dias na esplanada de um hotel em zonas de conflito em conversa com algumas autoridades locais ajuda imenso a perceber os problemas. Mas porque leu muito ou tomou muitos cafés na esplanada dos hotéis, deveria Clara Ferreira Alves ter a argúcia suficiente para perceber que os problemas do Médio Oriente estão muito, mas muito para além, da retórica fácil que decorre das pessoas com facilidade de exposição (sobretudo quando lêem muito e tomam muitos cafés em hotéis) e que as leva a dizer verdadeiras barbaridades. Neste último Expresso, por exemplo, nós lemos Clara Ferreira Alves e ressalta, de imediato, a ideia de que não fosse Bush, Condoleeza e os seus pares e há muito que o problema dos palestinianos estaria resolvido. Isto é desonesto, isto é demagogia pura, isto é não fazer a mínima ideia do que se escreve, ou, então, fazer ideia, mas escrever aquilo que a maralha gosta de ler, mas isso tem um nome. Venalidade tout court.
Vale a pena ler o artigo de Clara Ferreira Alves na Única. Chama-se “Embushados” e, ao contrário do que parece, acaba por não falar muito de Bush. Só no princípio e no fim. Uma técnica eficaz que eu, sem ser jornalista, entendo bem. Pelo meio, ela afirma coisas extraordinárias, uma delas sendo que há um escasso intervalo em que uma política americana para a região, que recusasse as verdades simples e ignorantes da senhora Rice e do seu patrão, e uma intervenção forte da União Europeia podiam ter encorajado o Hamas a estabelecer-se como partido e a abandonar progressivamente a luta armada e Israel a pôr fim à política de extermínio.
Esta afirmação de CFA é absolutamente desonesta. É impossível que ela, lendo o que lê e tomando os cafés que toma nas viagens, acredite numa vírgula do que escreve. Mas escreveu. E fala na luta armada do Hamas e na política de extermínio de Israel. Não diz que intervenção forte da EU nem que política americana poderiam ser tomadas, diz só que podiam ter existido. CFA, como a maioria destes IXPUS de pacotilha, sabem tudo. Resolveriam tudo. Se os deixassem. Sabem sempre, sabem demais. E não sabem nada. Nunca saberão. Saberá sempre e apenas a forma demagógica de debitar umas linhas num jornal que lhe pague ou papaguear, entre risadas alarves, umas tretas em "eixos do mal". Coisas em que nós, como se sabe, somos exímios.
Que pena estes iluminados não serem aproveitados para resolver os grandes problemas do mundo. Mas depois… quem é que escrevia nos jornais e fazia shows de televisão? Não se pode ter tudo, não é?
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