sexta-feira, maio 30, 2014

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[5129]

Há uns tempos escrevi este post. A motoqueira de então, nove anos passados, fez ontem noventa e cinco anos. Aperaltou-se (como de resto faz todos os dias), maquilhou-se cuidadosamente e foi ao cabeleireiro. À tarde, teve à sua volta os filhos, todos, noras, genros, netos, sobrinhos, cunhadas e uma farta mesa de guloseimas que ela sempre apreciou ao longo da sua vida. Deliciou-se com um punhado de histórias contadas pelos filhos, que recordaram episódios da sua meninice na variada geografia que lhes coube em sorte. Sempre juntos, sempre unidos, até os estudos obrigarem a rumos diversos que nem por isso impediram que ontem estivessem todos juntos outra vez.

Estava feliz a minha mãe. Já não anda de moto, o corpo está bom mas a cabecita vai estando cansada e desconcertada, provavelmente por tanta coisa que viu, ouviu e viveu. Também já não fala tanto, mas reparei num brilho indisfarçável dos seus olhos, cansados de já terem visto tanto. De resto, estava ali representado tudo o que para ela teve sempre um valor superlativo e incontornável. A família, o carinho, a risada franca, a boa mesa e, ainda, saber-se recordada e saudada, como atestavam os vários telefonemas que recebeu. Por isso ela estava feliz. Porque, realmente, é isso que ela teve a felicidade de ser na sua velhice. Feliz.

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Mas por alma de quem?


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Segui ontem, com renovado interesse, a Quadratura do Círculo. Não consigo entender (e também ninguém lhe perguntou) porque é que Pacheco Pereira acha que a salvação nacional tem de passar sempre por um entendimento do PS com o PCP e o BE. Isto a propósito de António Costa ter sido, de supetão, eleito como a forma sebastiânica de resolver os problemas da Lusitânia. Lobo Xavier ainda esboçou uma ténue estupefacção, afirmando que não entendia (e reagiria com violência) a um entendimento com partidos reconhecidamente não democráticos e de posicionamento exógeno em relação à matriz política e social do mundo ocidental.

JPP insistiu nesse ponto, todavia não apresentando uma argumentação que se esperaria de alguém com a sua craveira intelectual e cultural. Lá terá as suas razões. Ou não. E a teoria releve apenas de reminiscências mal saradas ou mal resolvidas.

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Ao velhinho já não se torce o pepino…


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… a menos que sejamos europeus, imbuídos deste convencimento endémico de que o mundo não só não pode passar sem nós como, sem recalcitrar, deverá agir, pensar e sentir como nós. Nós que, por qualquer capricho do divino ou, pensando melhor, por um arremedo perfeccionista do darwinismo que nos tornou eleitos, temos a responsabilidade de zelar pelo bem-estar da humanidade.

No caso vertente trata-se de alergias. E se aos pepinos conseguimos torcê-los, de pequeninos, por forma a que eles fossem para o mercado prontinhos a ser consumidos desde que tivessem todos o mesmo tamanho e se apresentassem irrepreensivelmente erectos, como se impõe num continente onde o crescimento demográfico deixa muito a desejar, já os perfumes tinham de ser igualmente domesticados. Ao ponto de fórmulas quase centenárias, como o lendário Chanel 5, serem agora questionadas sobre o perigo de nos provocarem horrendas alergias por causa de um tal de citral, uma coisa que existe no limão e na tangerina que, tanto quanto julgo saber, se consomem às toneladas por esse mundo fora.

Sempre tive horror aos amanuenses encartados. Uns porque não sabem fazer mais nada e merecem algum desconto. Outros, porque não sabem fazer mais nada na mesma, mas acham que sabem fazer tudo. E têm a aviltante mania de acharem que não podemos passar sem eles. E que eles é que têm de nos proteger, educar, pastorear e, enfim, fazer como que sejamos todos como deve ser. É o socialismo no seu melhor.

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domingo, maio 18, 2014

Nobre povo, nação de valentões


[5126]

Estádio Nacional, a mole a querer entrar à força, a polícia a não deixar, parece que não tinha ainda instruções, mas a turba insiste, empurra, há crianças pelo meio, algumas feridas, instala-se a maior confusão, há repórteres e o valentão da praxe, suado, meio rouco, iracundo, a botar opinião aos microfones (verbatim):

- Em vez do estado nos andar a roubar, a comprar carros e a passear na China deviam era deixar-nos entrar. Que este estádio não é do Benfica nem do Porto. É do povo, somos nós que o pagamos. Deviam era ir todos para a puta que os pariu.

Prontes, não se fala mais nisso!

Nota: Parece que há bastantes feridos, muitas crianças a chorar e o repórter a dizer que nunca tal se viu!

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Contas socialistas


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Isto de socialistas a «fazer as contas» normalmente dá buraco. Assim como assim, dantes era Guterres que nos mandava a nós fazê-las. Seguro, mais atrevido, resolveu fazer ele. Já antes, Sócrates nem fazia nem no-las mandava fazer. Ou se fazia, aquilo era lá com ele, depois havia fortes indícios disto e daquilo, mas a justiça lá dava a volta à coisa, nem que fosse preciso despedir um magistrado ou outro como chegou a acontecer. Mais umas escutas que não eram legais, pequenos-almoços com sabor a «embrocation», aeroportos-fantasma, auto-estradas em triplicado… em resumo, nisto de socialistas a fazer contas, fazemos sempre de mexilhão. Mas, por razões que ainda um dia Deus Nosso Senhor me há-de ajudar a entender, daqui a pouco tempo lá vamos nós votar nesta gente outra vez. Contas por contas, são as contas do nosso rosário.

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sexta-feira, maio 16, 2014

Humor em main stream


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Já agora. Se aqui disse que penso ser o único português que não gosta de arroz de pato, creio igualmente ser o único português (obviamente, uma forma de expressão) que não aprecia o Ricardo Araújo Pereira. Basicamente porque antes de ser um aceitável humorista (a milhas do génio do Herman dos bons tempos), RAP é um insuportável activista. Nada contra os activistas, activem por aí à vontade, mas um humorista que não consegue dissociar a piada do activismo, sobretudo porque grosseiro e banal, não me merece mais que um sorriso, aqui e ali, numa piada mais conseguida. O seu último «é melhor que falecer», de que só vi as duas primeiras edições, parece-me ser um bom exemplo do que digo. Mas tenho de ter cuidado em dizer isto. A última vez que expressei esta opinião iam-me batendo.


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A angústia de não gostar de pato


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Devo ser o único português que não gosta de arroz de pato. O arroz de pato é um prato trivial que consiste em fiapos de um marreco apanhado distraído e desengonçado à saída da capoeira, misturados e dispersos por um arroz previamente refogado e cozido (parece que na água que cozeu o bicho), após o que se leva a coisa ao forno. O resultado é um arroz de forno com os tais fiapos do palmípede, mas que podiam ser de galinha, de pavão, perdiz, peru ou codorniz, qualquer deles uma solução mais adequada que o deselegante marreco. Enfeita-se depois com umas rodelas de chouriço ou enchidos afins, o que me leva a perguntar que se os enchidos forem de boa qualidade, para que é que eu preciso do pato? Porque, basicamente, o principal defeito do arroz de pato é que tudo aquilo sabe… a pato e o pato sabe mal. Sabe a capoeira, a cocó de galinha mas produzido por patos, a fénico, a penas (a penas, valha-me Deus…), enfim, sabe a tudo o que um bom galináceo, por exemplo, não sabe.

Mas os portugueses adoram arroz de pato. Eu diria até que sacralizam o prato, como se fosse um manjar dos deuses ou o resultado de um segredo gastronómico mais profundo que a receita do xarope da Coca-Cola ou a origem do nome Lucky Strike, dos famosos cigarros americanos. Mesmo a pedir o prato no restaurante, não se pede de qualquer maneira. Há uma postura mais ou menos reverencial, uma certa solenidade, mesmo, até na encomenda, após o que se comenta depois com os acompanhantes a delícia do manjar.

Por mim, acho que os portugueses gostam de arroz de pato pelas mesmas ínvias razões que os levam a odiar o ar condicionado (tem ácaros e inflama a laringe). A água gelada (pára a digestão e inflama as amígdalas). O frio do fim do dia, quando a temperatura baixa dos vinte graus e correm a buscar um agasalho. A fazer casas com janelas liliputianas num país abençoado por mais de três mil horas anuais de sol (esta, não sei bem porquê). Ou a não dispensar o telemóvel à mesa para se telefonarem alegremente uns aos outros entre duas garfadas de arroz de pato.

São os segredos indecifráveis das nossas idiossincrasias. Mas vistas bem as coisas, o culto do americano e insípido peru dos thanks giving days não é muito diferente do nosso arroz de pato.

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Um dia peço uma regressão à Solnado e tentarei perceber...


[5123]

Por causa do Vasco Pulido Valente (que me faz comprar o Público aos fins de semana) e do facto de ter almoçado sozinho, acabei a ler o pasquim. A reportagem sobre os candidatos na rua é, no mínimo, pornográfica. A tosa em Nuno Melo e Rangel é do mais virulento e pretensiosamente inteligente que tenho lido mas, pouco depois, embelezada pela candura da eurodeputada Marisa, que até quando se maquilha para tapar as olheiras (fiquei tocado, neste detalhe) merece um comentário.

O cerne sináptico das intervenções de Marisa não tem nada a ver com o tutano untuoso e mal cheiroso das intervenções «da direita» que, de resto, foi assobiada, pateada e invectivada por onde passou, desde pescadores a operários e, pasme-se, até por empresários do Montijo.

No fim acontece o que toda a gente sabe. A direita «fassista» recebe os votos e as Marisas, mesmo maquilhadas e fotografadas com calças modelo «apetite» recebem percentagens residuais de votos. Um mistério que fica por esclarecer. Um dia morrerei, como as pessoas, e fico sem saber a que se deve esta idiotia extreme, esta «esquerdice» de esferovite com que tenho de lidar todos os dias.

Depois da Marisa se maquilhar e de olhar, uma última vez para as calças dela na foto, fechei o jornal e entabulei um diálogo bem agradável com um idoso que me fez, ali mesmo e com sinceridade, um panegírico do local onde estávamos a almoçar (o Pátio dos Petiscos, hoje por hoje um dos mais simpáticos locais de mastigância em Cascais, a preços honestos e pessoal cativante) e à soberba comida que ali servem. Comi arroz doce e tudo…



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quarta-feira, maio 14, 2014

O sortilégio do humor e a falta de qualquer coisa


[5122]

Há uma mulher bonita com uma voz parecida com o som de uma gaita com as palhetas falhadas que acabou de gritar ali na TV atrás de mim:

- A velocidade de ejaculação é de 45 km/h.

Manuel Luís Goucha, respondeu de imediato:

- A minha é de 90 km/h. Até já apanhei uma multa de excesso de velocidade.

Fiquei sem saber se ejaculam para dentro se ejaculam para fora, mas achei que se começo e escrutinar melhor o assunto, o tema descamba e eu ando em maré de bem comportado e apessoado. Entretanto há uma senhora na assistência que se chama Conchita e Manuel Luís Goucha chamou-a:

- Ó D. Vagina…

Após a gargalhada geral MLG esclareceu que conchita em espanhol calão é vagina. Por isso aquela senhora podia muito bem ser chamada D. Vagina.

Já me levantei da secretária e fui mudar de canal. Qualquer canal onde ejaculem mais devagar, sem conchitas a assistir. Procurei… a cabo dá filmes e os canais abertos continuam… abertos a este tipo de temas. Ejaculações, tamanho de pénis, largura de vaginas and the like. Pus música!...

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A crise como rolo compressor dos dedicados benfiquistas


[5121]

A esquerda prepara uma acção conjunta (por uma vez, eles entendem-se) de protesto contra a troika, banqueiros, patrões, poderosos, famílias remanescentes do 25 de Abril, Pingo Doce e Angela Merkel pela profunda provação a que os adeptos benfiquistas estão a ser submetidos. Apenas 30% da capacidade do estádio de Turim será ocupada por benfiquistas (cerca de 12.000) que se deslocam a Turim nos cerca de 30 aviões que neste preciso momento «bicham» na pista nr. 1 do aeroporto da Portela e comboios e autocarros fretados para o efeito. Não falando nas viaturas particulares que neste momento devem estar já por ali a descer os Alpes.

Não fosse a crise e a gente mostrava àqueles espanhóis duma cana quem é que enchia o estádio.

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segunda-feira, maio 12, 2014

Gente sonsa





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No fundo, no fundo, isto de fugir à ditadura é como os aviões, Há quem fuja em económica, em business e em 1ª classe. Deviam ter explicado isto a Maria Medeiros antes de as pessoas terem pena dela e suscitar reportagens doridas no Figaro. Onde, apesar de tudo, Medeiros diz que não foi tocada pela política. Ela é que, atrevida, se imiscuía em todas as conversas. Mas cai sempre bem este tipo de registos.


Via Margaridacf no HojeTalvez


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domingo, maio 11, 2014

Rir faz bem. Mesmo pelos piores motivos.


[5119]

As selfies de Seguro surgiram por aí como cogumelos. Elas dão-nos uma ideia concisa da imponderabilidade do momento político, quando um muito provável primeiro ministro espoleta este festival de patetice enlatada, sobretudo na profusão que se registou, mas nem por isso pouco apropriada. Mas vale a pena ver todas (ou quase todas) aqui: 

Proporcionam uma sensação entre o sorriso amarelo e, em alguns dos casos, uma boa risada.

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Lixo


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A Moody’s elevou o rating da dívida soberana portuguesa, de Ba3 para Ba2, ainda que mantendo o nível especulativo de lixo.

Quem não conhece em detalhe esta linguagem, há uma coisa que percebe, com certeza. Algo vai melhor no Reino da Lusitânia. Curiosamente, a ênfase da notícia por parte da esmagadora maioria da comunicação social não foi a melhoria do rating, mas sim que continuamos a ser lixo.

Continuo sem perceber se somos um povo mal resolvido ou, apenas, intrinsecamente estúpido.

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quarta-feira, maio 07, 2014

Estava a ver que ninguém reparava


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Ufa! Estava a ver que ninguém reparava neste exemplo clássico de irresponsabilidade e de absoluta falta de tacto de Seguro (negritos de minha responsabilidade).


Em entrevista ao Expresso e à SIC, António José Seguro disse não poder garantir que um futuro governo liderado por si diminua a actual carga fiscal. Isso significa, para qualquer mediano mentecapto, que António José Seguro se prepara, se e quando alguma vez chegar ao governo, para manter as taxas de impostos em vigor, as mesmas que foram violentamente aumentadas pelo governo de Passos Coelho, Vitor Gaspar e Maria Luís Albuquerque, e que ele tanto censurou no momento em que foram aplicadas. Ora, se as censurou foi porque as julgou desnecessárias e parte significativa dos sacrifícios ilegítimos que o governo que ele quer derrubar e substituir aplicou, segundo ele, cruelmente aos portugueses. Daí que, em coerência, ele não possa deixar de fazer, de duas uma: ou diminuir essa brutal violência assim chegue ao governo, ou retratar-se por a ter considerado desnecessária, mantendo-a quando for primeiro-ministro. Tentar esquivar-se a qualquer uma destas duas únicas posições possíveis, alegando, por exemplo, nada poder por ora garantir por desconhecer o país que irá receber, é próprio de um vulgar aldrabão de feira, que se espera não seja o chefe do governo de Portugal.

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Portugal a preto e branco


[5116]

Diverti-me imenso por ver a intelectualidade «facebookiana» reagindo a estas duas fotos. A esquerda elegante, a sinistra bem pensante, rebolou-se em gozo espasmódico com a foto de Passos Coelho a visitar um parque temático qualquer numa falua de brinquedo, acompanhado de respeitáveis comparsas. Mais militantes que a militância, reproduziram, álacres, esta foto, houve até quem se manifestasse em estado de choque.

Já a direita, mais altaneira e conspícua, ruborizou-se de embaraço com a selfie de Seguro y sus muchachos, sacolejando de prazer intestino pela oportunidade de se poder fotografar com Martin Schulz, um conveniente socialista em migração bárbara dos tempos modernos, que resolveu vir a Portugal.

Para quem, como eu, defende o provável snobismo de não se identificar com estas manifestações primárias de crítica hormonal e colorida por uma clara vocação clubística, limitei-me a achar ambas as fotos de evidente mau gosto. Mas hei de reconhecer que a selfie me fez perguntar aos meus botões de que é que os socialistas se riem, com a alarvidade de quem não tem a mínima consciência da forma como atrapalham quem está.

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terça-feira, maio 06, 2014

E a gaivota que nunca mais pára…


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Acordei com o barulho da TV, que é o que normalmente acontece a quem adormece com ela ligada.

Estremunhado, ouvi a cena da gaivota voava, voava, asas de vento, coração de mar… e a bicha nunca mais parava. Voava, voava, voava. A minha primeira reacção foi presumir que Otelo, Vasco Lourenço e Mário Soares, rodeados pela Avoila, Nogueira, Jerónimo e correlativos e, lá mais para trás, Tó Zé Seguro a ver no que «aquilo» dava, tinham feito outra revolução e vinham pela avenida abaixo a cantar a gaivota.

Pára a música e oiço um repórter da RTP chamado Fonseca a perguntar ao povo o que é que achava da comunicação de Passos Coelho sobre a saída da «troika». Quer-se dizer… a pergunta não era bem assim, era mais do género:

- Então e agora? Sente os bolsos mais cheiinhos?
- Então já nota diferença na sua vida, depois da «troika» ir embora?
- Então acha que o povo anda mais satisfeito com a saída da troika? (Falta referir que nesta altura via-se em cenário de fundo um avião, convenientemente da Lufthansa, a desaparecer ao longe, presume-se que levando no seu bojo os malfeitores que andam a roubar o nosso dinherinho…)

A estas perguntas (estas e mais cem delas, mas todos no mesmo género) respondia o povo, rindo (o povo português ri sempre, quando não está a chorar) com tiradas extraordinárias desde dizer que em vez de andarem a plantar árvores de sombra em Lisboa deviam era plantar árvores de fruta para as crianças comerem, que os caixotes de lixo agora andam sempre a ser rebuscados por crianças e velhinhos com fome, que o comércio está mal (tudo isto é dito a rir) e que o Passos Coelho é que tem a culpa.

A reportagem acaba mais ou menos aqui. O povo a rir, a gaivota a voar e o coro a cantar o «somos livres» e o rapaz Fonseca da RTP com a satisfação do dever cumprido. Pela minha parte ainda penso se um dia destes não me dá para, de uma vez por todas, mudar de latitude.

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quinta-feira, maio 01, 2014

Até as juntas de freguesia. «Seja ceguinho» se eu sabia…


[5114]

Imaginemos, só a título de exemplo, uma empresa de transporte público rodoviário. Essa empresa tem uma centena de autocarros. De cada vez que é preciso substituir um ou mais autocarros, o director apresenta uma proposta ao ministério de tutela. Mas antes pede o parecer a um cortejo de entidades que se pronunciam sobre a marca, a cor, o tipo de pneus, a potência dos motores e a cor dos estofos. Quando, precariamente, se chega a uma conclusão, resolvem avançar com o processo de compra. Mas à última hora aparece ainda uma Junta de Freguesia das várias freguesias que o autocarro cruza no seu itinerário. E essa Junta acha que o itinerário não só está errado, porque não serve as zonas devidas, como o número de paragens é insuficiente. A coisa amanha-se… o pior é que depois de amanhada, aparecem mais três presidentes de junta que reclamam que por via do novo itinerário as freguesias deles são mal servidas. O tempo passa e as reuniões sucedem-se, tentando o consenso. Que, por vezes, quase se consegue, mas aparecem ainda algumas «comissões». A dos utentes acha que os cujos não têm os seus direitos bem defendidos. Há assaltos, a higiene dos veículos nem sempre é boa e os motoristas andam depressa demais. Pelo caminho referem que o Governo voltou a subir os impostos e que Passos Coelho é um mentiroso. Outra comissão, a dos idosos, acha que a primeira comissão tem razão mas, ainda assim, exige que o autocarro tenha pelo menos mais seis lugares reservados do que os que já tem. Numa das reuniões aparece uma senhora grávida reclamando que as grávidas ainda não têm uma comissão (ainda estão a tratar disso) mas isso não quer dizer que sejam, ignoradas. Há discussão. No calor da discussão, entrem os pais de um passageiro menor de idade berrando que o seu filho caiu num determinado percurso por causa de uma travagem e atira-se a um dos motoristas (que também lá estavam defendendo os seus direitos), insultam-no e agridem-no. O director da empresa grita que vai fazer uma participação, mas o presidente da junta de freguesia onde estão sediados os escritórios principais da empresa diz que não faça nada, porque a mãe do passageiro menor trabalha na junta e é muito boa pessoa e se lhe fazem mal, ele presidente da junta, corta já um subsídio que conseguiu para a empresa. Uma outra comissão acha que o melhor é envolver o sindicato e, mesmo, organizar um a greve. Outro pergunta porquê e é-lhe dito que não interessa, o que se pode fazer é aproveitar para protestar contra a «troika» e cantar a «Grândola»…

Este panorama é ficcional, está bem de ver, mas nada que não possa acontecer. Sabemo-lo todos. Tal como sabemos que em vez de uma empresa de transporte poderia muito bem ser uma escola, os passageiros seriam os alunos, os motoristas os professores, a comissão dos pais dos passageiros menores poderá, literalmente, ser a comissão de pais dos alunos… e o resto pode ser a mesma farinha deste saco infernal que se inventou para pôr a funcionar (???) seja o que for que seja público.

Este arrazoado vem a propósito de um episódio, real, de que tive conhecimento directo numa escola do norte do país mas que, presumo, poderia ser do sul. Ou do centro. Barlavento ou Sotavento. É uma desgraça herdada de um sistema que se gerou por força e graça de um grupo de gente mal formada e com uma notável entorse mental, sem mundo que não fosse umas cartilhas que leu e uns complexos que têm de pequeninos e que se deitou a endireitar o mundo como acham que o mundo deve ser endireitado, colocando-o cada vez mais torto e ingovernável. Com uma agravante. É que tanto os utentes da empresa de transporte como os alunos começam de pequeninos a achar que as coisas são assim e, quando crescerem, vão ser exactamente como estes que agora alimentam o caos.

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