Até as juntas de freguesia. «Seja ceguinho» se eu sabia…
Imaginemos, só a título de exemplo, uma empresa de
transporte público rodoviário. Essa empresa tem uma centena de autocarros. De
cada vez que é preciso substituir um ou mais autocarros, o director apresenta
uma proposta ao ministério de tutela. Mas antes pede o parecer a um cortejo de
entidades que se pronunciam sobre a marca, a cor, o tipo de pneus, a potência dos
motores e a cor dos estofos. Quando, precariamente, se chega a uma conclusão, resolvem
avançar com o processo de compra. Mas à última hora aparece ainda uma Junta de
Freguesia das várias freguesias que o autocarro cruza no seu itinerário. E essa
Junta acha que o itinerário não só está errado, porque não serve as zonas devidas,
como o número de paragens é insuficiente. A coisa amanha-se… o pior é que depois
de amanhada, aparecem mais três presidentes de junta que reclamam que por via
do novo itinerário as freguesias deles são mal servidas. O tempo passa e as
reuniões sucedem-se, tentando o consenso. Que, por vezes, quase se consegue,
mas aparecem ainda algumas «comissões». A dos utentes acha que os cujos não têm
os seus direitos bem defendidos. Há assaltos, a higiene dos veículos nem sempre
é boa e os motoristas andam depressa demais. Pelo caminho referem que o
Governo voltou a subir os impostos e que Passos Coelho é um mentiroso. Outra comissão,
a dos idosos, acha que a primeira comissão tem razão mas, ainda assim, exige que
o autocarro tenha pelo menos mais seis lugares reservados do que os que já tem.
Numa das reuniões aparece uma senhora grávida reclamando que as grávidas ainda
não têm uma comissão (ainda estão a tratar disso) mas isso não quer dizer que
sejam, ignoradas. Há discussão. No calor da discussão, entrem os pais de um
passageiro menor de idade berrando que o seu filho caiu num determinado percurso
por causa de uma travagem e atira-se a um dos motoristas (que também lá estavam
defendendo os seus direitos), insultam-no e agridem-no. O director da empresa
grita que vai fazer uma participação, mas o presidente da junta de freguesia
onde estão sediados os escritórios principais da empresa diz que não faça nada,
porque a mãe do passageiro menor trabalha na junta e é muito boa pessoa e se
lhe fazem mal, ele presidente da junta, corta já um subsídio que conseguiu para
a empresa. Uma outra comissão acha que o melhor é envolver o sindicato e,
mesmo, organizar um a greve. Outro pergunta porquê e é-lhe dito que não
interessa, o que se pode fazer é aproveitar para protestar contra a «troika» e
cantar a «Grândola»…
Este panorama é ficcional, está bem de ver, mas nada que não
possa acontecer. Sabemo-lo todos. Tal como sabemos que em vez de uma empresa de
transporte poderia muito bem ser uma escola, os passageiros seriam os alunos,
os motoristas os professores, a comissão dos pais dos passageiros menores
poderá, literalmente, ser a comissão de pais dos alunos… e o resto pode ser a
mesma farinha deste saco infernal que se inventou para pôr a funcionar (???)
seja o que for que seja público.
Este arrazoado vem a propósito de um episódio, real, de que
tive conhecimento directo numa escola do norte do país mas que, presumo,
poderia ser do sul. Ou do centro. Barlavento ou Sotavento. É uma desgraça
herdada de um sistema que se gerou por força e graça de um grupo de gente mal
formada e com uma notável entorse mental, sem mundo que não fosse umas cartilhas
que leu e uns complexos que têm de pequeninos e que se deitou a endireitar o
mundo como acham que o mundo deve ser endireitado, colocando-o cada vez mais
torto e ingovernável. Com uma agravante. É que tanto os utentes da empresa de
transporte como os alunos começam de pequeninos a achar que as coisas são assim
e, quando crescerem, vão ser exactamente como estes que agora alimentam o caos.
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Etiquetas: Ai Portugal, escola pública
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