quinta-feira, maio 01, 2014

Até as juntas de freguesia. «Seja ceguinho» se eu sabia…


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Imaginemos, só a título de exemplo, uma empresa de transporte público rodoviário. Essa empresa tem uma centena de autocarros. De cada vez que é preciso substituir um ou mais autocarros, o director apresenta uma proposta ao ministério de tutela. Mas antes pede o parecer a um cortejo de entidades que se pronunciam sobre a marca, a cor, o tipo de pneus, a potência dos motores e a cor dos estofos. Quando, precariamente, se chega a uma conclusão, resolvem avançar com o processo de compra. Mas à última hora aparece ainda uma Junta de Freguesia das várias freguesias que o autocarro cruza no seu itinerário. E essa Junta acha que o itinerário não só está errado, porque não serve as zonas devidas, como o número de paragens é insuficiente. A coisa amanha-se… o pior é que depois de amanhada, aparecem mais três presidentes de junta que reclamam que por via do novo itinerário as freguesias deles são mal servidas. O tempo passa e as reuniões sucedem-se, tentando o consenso. Que, por vezes, quase se consegue, mas aparecem ainda algumas «comissões». A dos utentes acha que os cujos não têm os seus direitos bem defendidos. Há assaltos, a higiene dos veículos nem sempre é boa e os motoristas andam depressa demais. Pelo caminho referem que o Governo voltou a subir os impostos e que Passos Coelho é um mentiroso. Outra comissão, a dos idosos, acha que a primeira comissão tem razão mas, ainda assim, exige que o autocarro tenha pelo menos mais seis lugares reservados do que os que já tem. Numa das reuniões aparece uma senhora grávida reclamando que as grávidas ainda não têm uma comissão (ainda estão a tratar disso) mas isso não quer dizer que sejam, ignoradas. Há discussão. No calor da discussão, entrem os pais de um passageiro menor de idade berrando que o seu filho caiu num determinado percurso por causa de uma travagem e atira-se a um dos motoristas (que também lá estavam defendendo os seus direitos), insultam-no e agridem-no. O director da empresa grita que vai fazer uma participação, mas o presidente da junta de freguesia onde estão sediados os escritórios principais da empresa diz que não faça nada, porque a mãe do passageiro menor trabalha na junta e é muito boa pessoa e se lhe fazem mal, ele presidente da junta, corta já um subsídio que conseguiu para a empresa. Uma outra comissão acha que o melhor é envolver o sindicato e, mesmo, organizar um a greve. Outro pergunta porquê e é-lhe dito que não interessa, o que se pode fazer é aproveitar para protestar contra a «troika» e cantar a «Grândola»…

Este panorama é ficcional, está bem de ver, mas nada que não possa acontecer. Sabemo-lo todos. Tal como sabemos que em vez de uma empresa de transporte poderia muito bem ser uma escola, os passageiros seriam os alunos, os motoristas os professores, a comissão dos pais dos passageiros menores poderá, literalmente, ser a comissão de pais dos alunos… e o resto pode ser a mesma farinha deste saco infernal que se inventou para pôr a funcionar (???) seja o que for que seja público.

Este arrazoado vem a propósito de um episódio, real, de que tive conhecimento directo numa escola do norte do país mas que, presumo, poderia ser do sul. Ou do centro. Barlavento ou Sotavento. É uma desgraça herdada de um sistema que se gerou por força e graça de um grupo de gente mal formada e com uma notável entorse mental, sem mundo que não fosse umas cartilhas que leu e uns complexos que têm de pequeninos e que se deitou a endireitar o mundo como acham que o mundo deve ser endireitado, colocando-o cada vez mais torto e ingovernável. Com uma agravante. É que tanto os utentes da empresa de transporte como os alunos começam de pequeninos a achar que as coisas são assim e, quando crescerem, vão ser exactamente como estes que agora alimentam o caos.

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