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Para todos aqueles (e aquelas, há que aderir, "desde logo", "nesta matéria" e "em sede própria" às constantes mutações de moda do nosso léxico) que acham que o espelho que têm em casa é um espelho de feira, daqueles que dão a ideia que nos estão a carregar no cocuruto e nos fazem transbordar da cintura das calças, ou daquelas, miserabilistas, que acham que em vez de derme estão forradas a casca de laranja de umbigo, aconselho um passeio de bicicleta na ciclovia do Guincho.
São muitas dezenas de donas espartilhadas em calções de licra que serão, provavelmente, dos filhos e tops das irmãs mais novas, só pode. E de respeitáveis chefes de família, estes com uma silhueta diferente, qual seja a de uma farta cintura disfarçada por uma T-shirt XXXL que se abate sobre uns calções largueirões contendo duas perninhas fininhas, brancas e carecas na barriga (delas, das pernas, claro). Vale a pena mantermo-nos na peugada de um dos muitos ciclistas (e das muitas, apesar de ser comum de dois…), se quisermos estabelecer um mundo de associação de ideias a sobremesas de gelatina.
Naturalmente, tanto a gelatina como casca de laranja e as barrigas de pernas carecas são habilmente disfarçadas com um completo conjunto de gadgets que custam mais que a bicicleta. Capacetes de tiras de esponja macia e garrida, óculos escuros à Lance Armstrong, cotoveleiras, joelheiras, fitas de testa, alfinetes de cabelo (também já vi elásticos mas, claramente, em casos de gente que não encontrou o alfinete), sapatilhas especiais com bicicletinhas estampadas e calções de licra de cores vivas e mais ou menos esticados, dependendo da volumetria do recheio. Este “equipamento” é mais ou menos comum, variando apenas as cores. Já com os tops a coisa fia mais fino. Há os tops justinhos que, à semelhança dos calções, proporcionam uma visão estética na justa medida da volumetria do busto das utentes e há uns trapinhos (ultimamente muito em moda) que consistem numas fitas com um nó ao pescoço e depois mais umas tiras com um ar de displicência estudada que permitem um livre bamboleamento da tal volumetria que faz variar a tal visão estética… isso, tal como disse há pouco. Só que neste caso, a coisa é mais “nature”. Tudo solto, tudo ao léu, tudo bamboleante, tudo muito sensual e claramente contra-indicado para os homens que, inocentemente, tudo o que querem é fazer um pouco de exercício e para os quais tudo o que tenha a ver com sensualidade esbarra dolorosamente num selim bem enterrado no rabo e que lhes faz esmorecer qualquer veleidade advinda das tais tiras soltas, negligentes e sacudidas pelas volumetrias do pecado.
Não é justo. Acho perigoso, mesmo. Provoca desconcentração e uma desconfortável colisão de reacções corporais em que o selim espetado no rabo normalmente vence. É, no mínimo, injusto e, ainda por cima, dói.
Tudo junto e somado, é bom viver numa área que nos permite pedalar vinte ou trinta quilómetros, enchendo os pulmões de ar puro, ouvindo o mar, desfrutando o magnífico cenário da chegada ao Guincho com o Cabo da Roca como pano de fundo. E o outro cenário, claro, de gordas, magras, roupa apertada, roupa frú-frú e a tal sensação espúria de volta e meia termos batalhas intestinas entre os testoesterõesinhos aos pulos por verem volumetrias soltas e bamboleantes e o tal selim dolorosamente apontado ao … pois, aí mesmo.