Dia Mundial do Vizinho
[400] - Tenho a mesma vizinha há três anos. Mantemos uma relação institucional, porta dela, porta minha, bom dia como está e ela, frequentemente, não está. Sai porta fora e mete-se num Mercedes preto que lhe deve ter calhado em partilha de divórcio sem quase reparar em mim. Pelo menos faz por isso, por parecer que não repara. Não que eu perceba muito de mulheres mas até aí ainda chego, i.e. quando uma mulher pretende parecer que não repara e nem o comprimento das unhas se lhe escapa.
Quase sempre se mantém equilibrada em 18 cm de salto. Isto pode parecer encerrar uma mensagem subliminar de alguma coisa que tenha a ver pouco com sapatos, mas não. É mesmo só isso. A criatura deve gostar de sapatos muito altos e a verdade é que ninguém tem nada com isso, nem mesmo eu, que sou vizinho. De manhã lá vai ela... montada nos sapatos altos e com uma pua frontal capaz de esfacelar a canela de algum vizinho que bula com a sua privacidade. É bonita, quer dizer, nem por isso... mas à força de a ver há três anos lá vou acabando por lhe achar alguma graça. Isto é uma vantagem clara, ser vizinha em vez de ser consorte pois, com sorte, ao fim de três anos o marido achá-la-ia, no mínimo, figurante reformada de um qualquer «Matrix» a avaliar pelo nariz adunco, lábios finos, peito inflado, ancas espremidas numas calças que devem ser da irmã mais nova, cabelos irrepreensivelmente despenteados e maquilhagem Barbie. Não que eu repare muito nela, mas sempre são três anos, porta cá porta lá e inevitavelmente temos «rubbed shoulders» ou, como diria o Laurodérmio, parecemos soldados de borracha.
Mas hoje é o Dia Mundial do Vizinho. Fiquei a saber na TSF, sempre muito atenta a estas coisas. Eu sei que a Madalena também está sempre atenta a efemérides e registos especiais, mas desta vez falhou. Já lá fui ao Chora e népia. Madalena, andas a perder qualidades. Mas voltando ao dia do vizinho. Como vivo num país de portugueses e portuguesas, ou seja há uma distinta demarcação do género, eu achei que devia celebrar tão importante dia com um vizinho. O busílis é que não tenho vizinho. Tenho uma vizinha. Essa. A tal do sapatos bicudos (ou não vivesse eu na «Bicuda»)...
Como não sou homem de deixar passar este tipo de coisas em branco, resolvi celebrar o dia a preceito e é assim que ao chegar a casa, coincidentemente, vejo a vizinha a sair do «Mercedes-espólio» e a iniciar o prodígio de se equilibrar nos tais sapatos. Afivelando o mais cândido sorriso que me foi possível depois de uma reunião idiota que tive de tarde, cumprimentei-a. Mas desta vez com uma «nuance». Em vez do usual e anódino «boa noite» soltei um familiar «boa noite vizinha». Ela olhou para mim com cara de quem se preparava para chamar o INEM para me levar à psiquiatria e balbuciou um boa noite... cheio de reticências. Reticências genuínas, não daquelas tipo boa noite e «vê lá se me dás o telemóvel depressinha».
Fechámos os carros ao mesmo tempo. O dela fez um «fuinc» mais elegante que o meu, que o alarme de um Mercedes sempre é mais impressivo que o de um vulgar... esse, o meu. É aí que lhe digo: - Não leve a mal mas não resisti. É dia Mundial do Vizinho e eu acho que estes dias mundiais disto e daquilo são um factor importante de aproximação das pessoas. Ela sorriu um sorriso meio sorriso meio esgar, eu achei que me tinha adiantado demais e lá pensei com os meus botões que às vezes vale mais ter graça do que pretender ser engraçado.
A coisa passou e não pensei mais no assunto. Meia hora depois, a campainha da porta soou e...adivinhem: Era a vizinha a pedir-me um raminho de salsa. E agora digam lá se não vale a pena celebrar dias mundiais...