quarta-feira, maio 25, 2005

Começar o Dia



[388] - Circunstancialmente, desloquei-me hoje de comboio de Cascais para o Cais do Sodré. Na viagem, agradável, tive tempo para ler na íntegra um comunicado do Grupo Espírito Santo (GES) sobre o enredo da «Portucale-abate de sobreiros».

Após a leitura, fica-me uma ideia muito nítida:

Ou alguém desmente o conteúdo do referido comunicado dentro dos próximos dias ou concluirei que este caso (que culminou com a constituição de cinco arguidos, dois políticos e três empresários) remete para mais um exemplo da mais acabada incompetência, má fé e politiquice barata, de que o ex ministro de agricultura Gomes da Silva (cuja obra maior se evidenciou por comer uma mioleira em Bruxelas com referências alarves ao problema das vacas loucas e saltar do gabinete para o Terreiro do Paço a manifestar-se contra ele próprio) e da Direcção Regional de Florestas.

Chegado ao Cais do Sodré e depois de ter sido virtualmente assaltado por um punhado de mulheres gordas e de fortíssimas cordas vocais a querer-me vender almanaques, cassetes e «T-shirts», por entre um emaranhado de taipais, desvios, papeís no chão, gente a cuspir para o chão, montinhos de pedra e de areia, quiosques de madeira a vender cafés e bolas de berlim, aproveitei a onda poética e este meu exacerbado gosto pela experiência e resolvi apanhar o eléctrico. O «25»que vai aos Prazeres e que eu sei que poderia deixar-me «à porta» do meu escritório lá para os lados da Buenos Aires.

Entrei no eléctrico e pedi um bilhete ao condutor (guarda-freios, julgo que é assim ainda que se diz) o qual, em animada e gesticulada conversa com dois amigos (passageiros?), me foi dando o bilhete, fazendo as contas (o amigo deu-me dois euros, ora um euro e vinte, o amigo tem vinte cêntimos?, ora… cinquenta também pode ser) em simultâneo com a conversa animada que ia mantendo com os seus companheiros de viagem e que tinha a ver com o Benfica.

Sentado num dos bancos, de bilhete comprado e janela aberta, confesso que até achei agradável a perspectiva de quinze ou vinte minutos de viagem num venerável meio de transporte, ronceiro mas carregado de tradição. E foi aí que tudo começou. Os quinze minutos transformaram-se em cerca de quarenta, durante os quais observei uma cidade suja, sebenta, esburacada, cheia de pequenas obras (as habituais obras, lá diz a TSF), dezenas de casas de pasto com a omnipresente palavra «pastelaria», com as paredes da cor da rua, um emaranhado de transeuntes misturados com carros a andar e outros (muitos) parados e quase sempre a atravancar o trajecto do eléctrico. Não creio que tenhamos percorrido mais de cem metros seguidos sem que uma carrinha atravancasse a linha. Entregas, presumo eu. De pão, de água de Luso, de bolos, de cerveja, de sacas de batatas, de molhos de legumes, caixas de leite e até um pernil de porco (ou vaca?) vi, aos ombros de um homem possante, com um pano encarniçado aos ombros e que fiquei sem saber se era sangue meio seco das peças de carne ou se o homem ainda andava a celebrar a vitória do «glorioso». É necessário frisar que eram cerca de 10 da manhã. Tudo isto se desenrola no meio da mais poluente algaraviada mas, curioso, onde as risadas e gritos marialvas sobressaem do cenário sisudo e cabisbaixo de alguns idosos que se faziam deslocar no elétrico.

Depois de Santos, Lapa acima, confesso que a «coisa» melhorou um bocado. Menos carrinhas e casas menos sujas…lá saí na paragem que me competia e entrei no meu local de trabalho. A primeira coisa que fiz foi ligar para o mecânico a «exigir» que o carro me fosse entregue HOJE, sob pena de não responder pelos meus actos.

Bom trabalho para todos
ADENDA: A Pitucha do «Cinzento de Bruxelas» (link na barra lateral) , no seu comentário, corrigiu-me e bem. A mioleira que Gomes da Silva comeu não era belga mas sim luxemburguesa. Reposta a verdade histórica com os meus agradecimentos a uma leitora atenta.

10 Comments:

At 2:52 da tarde, Blogger Pitucha disse...

Correcção: o ministro em causa comeu a mioleira no Luxemburgo. Não muda o sentdo da história mas repõe a precisão histórica!

Obrigada: é bom que a realidade nos entre pelos olhos adentro (ainda que virtualmente) para eu não achar que a maneira de fugir ao trânsito de aqui é ir para aí.

Facto: aqui a recolha do lixo, a limpeza das ruas com camiões aspiradores e as entregas são feitas de preferência às horas de ponta; sugerir a um belga que tal seja feito fora de horas é o mesmo que dizer que aceitamos e defendemos a escravatura.

Pergunta: porque é que os belgas ainda ficam piores condutores (o que é dificil) quando chove? Falta de hábito não é decerto!

Para te animar mando-te um raiozinho de sol, pálido é certo, mas é o que temos. Os senhores do tempo prometem mais cor e mais calor pelo que o raio chegar-te-á mais compostinho lá para o fim-de-semana.

 
At 7:06 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

Pitucha

O teu comentário obriga-me a «sistematizar» a resposta :). Vejamos:
1) - Mioleiras. Já fiz adenda ao post com correcção. Obrigado por seres uma leitora atenta;
2) - Sobre trânsito, qualquer semelhança com um tuga de manga arregaçada e pelos no peito a descarregar num restaurante uma perna de vaca e, se interpelado pelo facto de estar a obrigar o eléctrico a esoerar, responder Não vê que eu estou a TRABALHAR? é pura coincidência ou liberdade poética. E se os belgas conduzem mal com chuva, nós somos «four seasons lousy drivers» :));
3) - Aqui só o suderir que se sugerisse fazeer distribuição de géneros a horas morta, dava origem a um golpe de estado...
4) - Quanto ao raio de sol que mandaste... és uma querida, mas hoje estivemos com uns tropicais 29º aqui em Lisboa...
Beijinho :)

 
At 10:51 da tarde, Blogger Madalena disse...

Foi um começo para esuqecer sobretudo a saída do combóio...
Em relação ainda ao JC (:)) do post anterior: para mim, há os políticos que nos governam e há os outros. A esses outros eu não ligo nenhuma. Mas acho que não o faço por atitude intelectual e esclarecida. É porque sim, porque tenho problemas de tempo e não tenho pachorra para aquilo que não gosto. Só por isso! Vale? Amigos outra vez?
Voltando ao post de hoje, adorei o "relato". Beijinhos e bom feriado. Espero que já tenhas o carro!

 
At 6:35 da manhã, Blogger Pitucha disse...

Bom Espumante, anda aqui uma pessoa a mandar os raiozinhos de sol que tem e atiram-lhe uma resposta tropical. Pois seja! Já cortei o fluxo, para ver se o sol se convence que quando nasce é para todos...e que Bruxelas não é menos do que Lisboa.
:-)

 
At 8:37 da manhã, Blogger lilla mig disse...

Realmente isto de ser migras retira-nos essa colecção incrível de impressões matinais a caminho do trabalho... Aqui quando corre tudo bem demoro 10/15 minutos e, quando não, meia hora, o que já parece uma eternidade e causa uma impaciência infernal e um mau humor nas pessoas... Estamos mal habituados, pois é, mas penso sempre no tempo que perdia em Lx e logo coisa se corrige!;)
E só estando fora se pode depois viver essas coisas de forma poética! :)

 
At 10:07 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

lilla mig

Pois... o mal é eu ter sido migras também e estabecer as diferenças...
Bom feriado por aí.

 
At 10:10 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Madalena

Mas como podíamos deixar de ser amigos??? :)
E quanto ao JC (este, o mortal, o do Only you, do hadem e do póssamos), cá fica na minha caixinha de recordações, juntamente com as asas de morcego, farinha de aranha, pó de asa de baratas e caganitas de rato :))
Bom feriado

 
At 10:12 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Pitucha
Mandei-te o raio se sol tropical «à uma» para ser mauzinho e te fazer inveja e «à duas» porque este país, para além de local mal frequentado, está a aproximar-se cada vez mais do terceiro mundo.
Beijinho e bom feriado :)

 
At 10:38 da manhã, Anonymous Anónimo disse...

Alguma vez deixou de ser/parecer terceiro mundo? “As Farpas” que, desde que saiu a edição coordenada pela Filomena Mónica, não deixaram de ser para mim leitura intermitente, reflectem as idiossincrasias deste país e deste povo (até parece que o Eça está a escrever hoje). Não temos mesmo jeito! Não foi um historiador romano que de nós disse qualquer coisa assim parecida – povo que não sabe governar-se nem se deixa governar?

 
At 12:19 da tarde, Blogger lilla mig disse...

Aqui nem por isso foi feriado... :(
Mas obrigada à mesma! :)

 

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