O Não porque Sim
[398] - Já tinha dito não a mim próprio, sobre dizer alguma coisa sobre ele – o não. Não conheço o documento da Constituição Europeia, não sei se o virei a fazer. Mas tenho algumas ideias sobre o assunto:
1) Se queremos uma Europa coesa e acima das quezílias moratórias de progresso, acho que sim, que devemos ter um instrumento capaz de nos reger sobre os mecanismos políticos, sociais e económicos do espaço que partilhamos;
2) Mas esse documento não pode ser um exercício de retórica estéril e de afirmação de uma burocracia em que nós, europeus, somos férteis e parecemos não poder passar sem ela. A Constituição dos USA é um chamado «livro de cabeceira» e não me consta que os deveres e direitos dos cidadãos estejam sonegados ou limitados, nem o desenvolvimento económico e social me parecem estar dependentes de um mau exercício de redacção. Aparentemente não é isso que se passa com a «nossa» Constituição que, aparentemente, pouca gente leu e, quase de certeza, pouca gente lerá;
3) Os referendos, no meu entender deveriam ser o plebiscito de um debate sobre uma ideia, um conceito ou uma medida de reconhecido alcance e inportância políticos. Ainda que me pareça que se temos deputados é para isso mesmo que lhes pagamos. Para pensar, debater e decidir de acordo com os consensos gerados, aprovados numa Assembleia Constituinte, ratificados e promulgados. Independentemente da qualidade desses mesmo deputados – sabemos que a qualidade dos representantes do povo é medíocre, mas é o que temos. E, salvo melhor opinião, é sobre eles que deve recaír a responsabilidae das decisões tomadas;
4) Mas os referendos estão a ser situados numa óptica partidária. De um modo geral, as pessoas votam de acordo com a sua opção partidária, nuns casos, numa atitude de carácter punitivo noutros ou, ainda, apenas porque o «não» adquiriu já um estatuto que enforma um posicionamento político que radica em expressões doutrinárias de oposição ao curso do liberalismo (há quem refira neo-liberalismo, mas eu não sei bem o que é isso), do relativismo e da globalização. É o que chamo votar «não», «porque sim». Estes três elementos são a pedra de toque de amplas camadas da população que por razões sempre extrínsecas à natureza da matéria referendada acabam por determinar o sentido de voto. É assim com o aborto, é assim com a regionalização e será assim com a constituição europeia. E isso mostra o lado perverso da prática referendária que empresta a qualidade democrática ao acto mas perverte de todo o objectivo em vista.
Chegado a este ponto, devo dizer que tenho sérias dificuldades em construir uma ideia definitiva sobre o sim ou o não. O que se passou recentemente em França é um exemplo acabado do que penso sobre o assunto onde o «não» vingou sobre alicerces que têm pouco a ver com a natureza do instrumento do referendo. Seria desejável que em vez de debates elevados entre intelectuais e/ou políticos encartados se pensasse e actuasse no sentido de esclarecer o povo tanto quanto possível sobre a matéria, através de um escrutinio objectivo das partes do seu conteúdo, em vez de canalisar as pessoas para um posicionamento partidário. E não me parece que isso seja muito difícil. Haja vontade política e honestidade suficientes para o pôr em prática – antes que caiamos no mesmo erro dos franceses. Tanto os que votaram sim, como os que votaram não.
2 Comments:
'O não porque sim': olha que bela frase para pôr na capa da 'Caras' ou do 'Record', a ver se o povo fica curioso e começa a ler a constituição francesa... não, perdão, a Europeia! Grande Abraço, espumante, IO.
IO
:)))))))))))
Contacta lá a Caras. Fico á espera.
beijinho paar ti.
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