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Uma persistente e incómoda dor na zona lombar fez-me trocar hoje a minha actual caminhada por uma pedalada. E lá fui eu, ciclovia fora, a caminho do Guincho, com temperatura idílica e um nevoeiro delicioso, daqueles que não nos deixam ver a mais de cinquenta metros mas que nos permitem sentir o sol mesmo em cima a querer romper.
Há uma etapa na «pedalada» em que atinjo uma casal, pedalando também, na casa dos cinquenta que… o melhor é tentar transcrever:
Ele - Pedala mais certo, mulher.
Ela - Mas eu estou a pedalar bem, caramba, então tu …
Ele – Tás nada… olha para isso, tens de manter a pedalada bem regular. E olha, põe só a ponta do pé nos pedais, estás com o pedal a meio, depois queixa-te que tens varizes.
Ela: - Mas quais varizes, lá tas tu, nem que as varizes tenham alguma coisa a ver. Mas tá bem, olha, está bem assim?
Ele – Está melhor, mas agora mantém assim. Olha e chega os ombros para trás, estás toda curvada p’rá frente, valha-te Deus…
Ela – Não dá, Zé (o homem, aparentemente, chamava-se José), como é que chego para trás? Só se tirar as mãos do guiador.
Ele – Mas tu não regulaste o selim, caraças, eu acho que o selim está muito alto, já te disse que andes de montares tens de ver essas coisas. Tu és rodas baixas mas que mania de trazeres o selim mais alto, e por isso é que vais curvada…
Ela – Cala-te, homem. Não vou nada, tou muito bem assim.
Ele – Estás na 4?
Ela – Estou na 6 (Precisei de um par de segundos para perceber que estavam a falar das mudanças da bicicleta).
Ele – Põe na 4, não vês que daqui até à Guia é um bocadinho a subir?
Ela – Estou bem na 6…
Ele – Põe na 4, mulher, já te disse.
Nesta altura pus eu na 4 e ultrapassei o casal. Gorducho e claramente de aderência recente às pedaladas na ciclovia da Guia. Acelerei um pouco e deixei o casal que continuou num exercício claro de machismo à boa maneira lusitana, em que o homem explica permanentemente à mulher tudo o que e como ela deve fazer. Até a mudança da bicicleta. Quem sabe, é o resultado dele ser toda a semana amachucado pelo chefe no trabalho e precisar de descarregar na mulher. Quem sabe, é mesmo assim porque muitos homens (a maioria?) acumulam testosterona nos neurónios e depois dá nisto. O que me pareceu grave é que a mulher aceitava o diálogo com resignação e bonomia. E mais. Parecia gostar ou, quase que juraria, parecia ser-lhe essencial. Sem o marido, e no seu entendimento, ela não saberia como colocar os pés no pedal ou que mudança deveria engatar…
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