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Há coisas que continuam a fascinar-me, pela forma extraordinária como ocorrem, como são tratadas, pela fluidez como percorrem o leito das necessidades e idiossincrasias daquilo a que se chama, prosaicamente, de audiências.
As audiências são um conjunto massivo de pessoas que ouvem rádio ou vêem televisão, sem “protecção”. Ou sem “filtro”, como queiram chamar. Não porque não tivessem capacidade para tal mas quiçá porque todos nós nos deixámos encaixar numa cadência de vida que tornou, só por si, o uso de um “filtro” para o que se ouve e vê numa televisão uma desnecessidade. Por outras palavras, há como que uma certa fatalidade e uma aceitação tácita a partir do momento em que accionamos o comando que nos faz partilhar as tais audiências com a bonomia dos indiferentes e a “bovinidade” dos comodistas.
Isto vem a propósito de quê? Vem a proposto de eu ligar o televisor, como as pessoas, todas as manhãs, enquanto me sento na sala a tomar um café fresquinho de aroma pecaminoso, com o meu “bread roll” (cá está um caso em que me recuso a falar português, eu a contar isto e a dizer “comer uma carcaça” é, no mínimo, grotesco) e um queijinho bom, daqueles com muita gordura para o colesterol e para o pneuzinho da cintura. Hoje, não fugi à rotina (as rotinas, valha-me Deus, as rotinas…) e eis senão quando aparece na “pantalla”um psicólogo em directo, num destes programas noticiosos que pululam pelas nossas televisões logo pela manhã a dizer, segurem-se… qualquer coisa como “as mulheres têm uma maior predisposição para a prática do sexo no Verão, durante as férias”. Claro que fiquei estarrecido com a revelação, eu que pensava que as mulheres eram mais “dadas à coisa” quando estavam na cozinha de avental e a picar cebola, a mudar uma fralda ao bebé ou fossem acometidas por uma quase irreprimível vontade de se masturbarem no meio do trânsito caótico quando vão “despejar” as crianças a uma creche antes de irem aturar, um chefe qualquer, cretino, seboso e quase analfabeto, acabo por ser esclarecido que não. As mulheres são permeáveis ao sexo mesmo, é na praia, com a brisa a acariciar-lhes a cara e as coxas e o sol a banhar cada um dos centímetros quadrados de pele que, por artes mágicas e incidência de UV se tornaram, como por encanto, em zonas erógenas. Estão mais permeáveis, mais ousadas (significa que tomam a iniciativa, na fatalidade de não serem abordadas por um macho tisnado e fato de banho justo a evidenciar uma absolutamente irresistível e lasciva proeminência) e, last but not the least, atingem o orgasmo com muita mais facilidade e rapidez. Fiquei esclarecido. Passarei a frequentar mais a praia, desta vez com olho clínico (claramente em pose de estudo e observação) para ver quantas mulheres olham para mim e me inspeccionam a estampa zootécnica.
Mas o que verdadeiramente me impressiona é a facilidade com que hoje se ganha dinheiro. Comecei a pensar quanto é que aquele psicólogo recebeu para ir à televisão falar durante três minutos de orgasmos à beira-mar, da importância dos raios UV na libido e da “ousadia” das mulheres que não hesitam em atacar a presa, sempre que o predador não prede coisa nenhuma e se mantenha imperturbável a ler a “Bola” sem lhe reparar naquela erogenia “peça única” que tem ao lado. Sobretudo reparei no ar técnico e académico com que o homem nos concedeu estas revelações extraordinárias, certamente fruto de muitas horas mergulhado em sebentas, enquanto as mulheres se entretinham a conquistar homens em férias. Pensei ainda quantas pessoas vão ao consultório daquele ser arguto, perspicaz e sábio, cheio de conhecimentos sobre a fêmea de praia em férias, para dizer o óbvio e, ainda por cima, de uma forma em que, juro, eu seria capaz de dizer o mesmo com muito mais impacto e convicção.
A diferença é que a mim não me pagam coisa nenhuma. Frequentemente, nem sequer em mim acreditam.