Um dia, com doze anos, estava eu de férias num remoto local
do Niassa, Moçambique. Era onde moravam meus pais, no tempo em que não dava
jeito ir para a rua com cartazes reclamando pelo facto de o Estado não nos
arranjar emprego, depois de sairmos da faculdade.
Quis o meu rosário de fados que nessas férias eu me
lembrasse de plantar um feijoeiro. Peguei com displicência e, sobretudo, com o
ar de quem está no mato passando férias escolares com os pais e tem de se
entreter com qualquer coisa, num feijão e enterrei-o junto a uma nascente. Para
surpresa minha, muito poucos dias depois nasceu uma plantinha que eu desconfiei
ser um pé de feijão (em África, cuspimos um caroço de qualquer coisa e nasce
uma planta…). Divertido, levei a plantinha para casa, ainda com o feijão
agarrado às raízes e mostrei aos meus pais. O meu destino estava traçado. O meu
pai, homem diligentemente habilitado com o antigo curso comercial, porque o meu
avô era fiscal de finanças e seguiu a mesma trilha vocacional, achando que o
filho seria um excelente contabilista, não hesitou. Se eu tinha plantado um
feijão e se ele, meu pai, gostava tanto da natureza e de agricultura, ali mesmo
decretou mentalmente que eu deveria seguir um curso de agricultura, agronomia,
ciências agrárias, qualquer coisa que metesse espaços livres e natureza vegetal
crescendo e cumprindo a nobre missão de dar de comer à humanidade.
Cumpriu-se o seu, de meu pai, desígnio. Levou-me bastante tempo,
mesmo depois de habilitado com um diploma, até eu perceber que a agricultura
pouco mais me dizia que umas saladas frescas no Verão, de preferência num
almoço entre amigos onde se discutisse qualquer coisa, desde que se discutisse
e comunicasse.
E foi assim que obrigado a identificar-me como um qualified
agronomist (trabalhei sempre em empresas estrangeiras até há apenas pouco mais
de uma década) tive de procurar caminhos que me trouxessem alguma alegria e
realização, no seio de um claro erro de casting do meu bem intencionado pai.
Claro que podia, ainda, ter tirado outro curso qualquer. Mas, aqui há uns anos
atrás, a gente casava primeiro e pensava depois. E, de caminho, tínhamos
filhos. Ainda por cima, ainda jovem inexperiente e sem perceber bem o que se
passava, dou comigo a ouvir um gritaria vinda do «puto» dizendo que eu tinha
perdido uma guerra qualquer, que íamos ter uma data de amigos à esquina e
sermos solidários, internacionalistas e banhados por um sol qualquer e diferente
daquele que eu estava habituado a contemplar todas as manhãs.
Não dava, assim, para tirar outro curso. Havia apenas que o
adaptar as minhas aptidões. Estudar mais, sim, mas aproveitando a dinâmica de
uma vilipendiada multinacional (para a qual eu trabalhava) que achou que eu era
um mocinho jeitoso e podia ir longe e alargou consideravelmente a minha estrutura
de conhecimentos e o meu grau académico. Manias das multinacionais…
Segui o meu caminho e encontrei, felizmente, meios para me movimentar
com agrado num ramo em que me sentia tão confortável como numa reunião de políticos
(acho esta designação absolutamente execrável, políticos para mim só mesmo numa
forma adjectiva, mas quis o destino que o termo se substantivasse), ou seja,
com total desinteresse. E consegui. Sobretudo porque me foi dado o ensejo de eu
conjugar características que considerei inatas com a preparação académica que
me foi dada, a partir do momento em que semeei um feijão (mais tarde aprendi
que era uma dicotiledónea, que dava origem a uma planta leguminosa, que são as
plantas que têm a capacidade de fixar o azoto atmosférico, cujo símbolo é o N,
de Natrium e que, juntamente com o P (fósforo) e K (potássio) são os nutrientes básicos das
plantas, ainda que não dispensando os oligoelementos . Ah! E que entra em
rotação, a seguir a uma «sachada» – as coisas que a gente aprende…) e fui
mostrar ao meu pai.
Isto não é uma história, é uma simples reflexão de domingo
matinal, preguicento mas gostoso (*), por ter tropeçado nesta foto (Angola,
Novembro, 2013) e me deitar a pensar como é que, mesmo tendo passado por tanto
lugar, tendo «floreado» o tema de acordo com as minhas aptidões naturais, no fundo
acabo sempre por estar ligado a um implemento agrícola. Simbolicamente uma
charrua de tracção animal, numa loja recôndita de um lugar remoto de um país africano.
Mas, vendo bem as coisas, eu gosto.
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