domingo, fevereiro 02, 2014

Um pé de feijão


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Um dia, com doze anos, estava eu de férias num remoto local do Niassa, Moçambique. Era onde moravam meus pais, no tempo em que não dava jeito ir para a rua com cartazes reclamando pelo facto de o Estado não nos arranjar emprego, depois de sairmos da faculdade.

Quis o meu rosário de fados que nessas férias eu me lembrasse de plantar um feijoeiro. Peguei com displicência e, sobretudo, com o ar de quem está no mato passando férias escolares com os pais e tem de se entreter com qualquer coisa, num feijão e enterrei-o junto a uma nascente. Para surpresa minha, muito poucos dias depois nasceu uma plantinha que eu desconfiei ser um pé de feijão (em África, cuspimos um caroço de qualquer coisa e nasce uma planta…). Divertido, levei a plantinha para casa, ainda com o feijão agarrado às raízes e mostrei aos meus pais. O meu destino estava traçado. O meu pai, homem diligentemente habilitado com o antigo curso comercial, porque o meu avô era fiscal de finanças e seguiu a mesma trilha vocacional, achando que o filho seria um excelente contabilista, não hesitou. Se eu tinha plantado um feijão e se ele, meu pai, gostava tanto da natureza e de agricultura, ali mesmo decretou mentalmente que eu deveria seguir um curso de agricultura, agronomia, ciências agrárias, qualquer coisa que metesse espaços livres e natureza vegetal crescendo e cumprindo a nobre missão de dar de comer à humanidade.

Cumpriu-se o seu, de meu pai, desígnio. Levou-me bastante tempo, mesmo depois de habilitado com um diploma, até eu perceber que a agricultura pouco mais me dizia que umas saladas frescas no Verão, de preferência num almoço entre amigos onde se discutisse qualquer coisa, desde que se discutisse e comunicasse.

E foi assim que obrigado a identificar-me como um qualified agronomist (trabalhei sempre em empresas estrangeiras até há apenas pouco mais de uma década) tive de procurar caminhos que me trouxessem alguma alegria e realização, no seio de um claro erro de casting do meu bem intencionado pai. Claro que podia, ainda, ter tirado outro curso qualquer. Mas, aqui há uns anos atrás, a gente casava primeiro e pensava depois. E, de caminho, tínhamos filhos. Ainda por cima, ainda jovem inexperiente e sem perceber bem o que se passava, dou comigo a ouvir um gritaria vinda do «puto» dizendo que eu tinha perdido uma guerra qualquer, que íamos ter uma data de amigos à esquina e sermos solidários, internacionalistas e banhados por um sol qualquer e diferente daquele que eu estava habituado a contemplar todas as manhãs.

Não dava, assim, para tirar outro curso. Havia apenas que o adaptar as minhas aptidões. Estudar mais, sim, mas aproveitando a dinâmica de uma vilipendiada multinacional (para a qual eu trabalhava) que achou que eu era um mocinho jeitoso e podia ir longe e alargou consideravelmente a minha estrutura de conhecimentos e o meu grau académico. Manias das multinacionais…

Segui o meu caminho e encontrei, felizmente, meios para me movimentar com agrado num ramo em que me sentia tão confortável como numa reunião de políticos (acho esta designação absolutamente execrável, políticos para mim só mesmo numa forma adjectiva, mas quis o destino que o termo se substantivasse), ou seja, com total desinteresse. E consegui. Sobretudo porque me foi dado o ensejo de eu conjugar características que considerei inatas com a preparação académica que me foi dada, a partir do momento em que semeei um feijão (mais tarde aprendi que era uma dicotiledónea, que dava origem a uma planta leguminosa, que são as plantas que têm a capacidade de fixar o azoto atmosférico, cujo símbolo é o N, de Natrium e que, juntamente com o P (fósforo) e  K (potássio) são os nutrientes básicos das plantas, ainda que não dispensando os oligoelementos . Ah! E que entra em rotação, a seguir a uma «sachada» – as coisas que a gente aprende…) e fui mostrar ao meu pai.

Isto não é uma história, é uma simples reflexão de domingo matinal, preguicento mas gostoso (*), por ter tropeçado nesta foto (Angola, Novembro, 2013) e me deitar a pensar como é que, mesmo tendo passado por tanto lugar, tendo «floreado» o tema de acordo com as minhas aptidões naturais, no fundo acabo sempre por estar ligado a um implemento agrícola. Simbolicamente uma charrua de tracção animal, numa loja recôndita de um lugar remoto de um país africano. Mas, vendo bem as coisas, eu gosto.

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