"Não Podendo Sair..."
Há uma coisa, porém, que me «faz espécie», como diria uma empregada que tive, de Viseu, que me trazia fruta todas as semanas do lugar de venda da irmã na praça de Cascais, tinha uma filha na «Uneversidade» e que passava a vida a dizer que isto ou aquilo «lhe fazia espécie». E fez-me espécie aquela do «Não podendo sair do Fahrenreit 451, que livro quererias ser?». Ora, que eu nestas coisas de cultura sou muito cuidadoso, trato sempre de saber se Chopin tocava piano ou violino antes de lançar tiradas para o éter, li, pensei, tentei descodificar e confesso que fiquei algo tartamudeante (este tartumedeante, vai bem com o tema, estamos a falar de livros e eu li um livro em que a mocinha tartamudeava qualquer coisa sempre que o namorado lhe perguntava se queria ir aos figos ou ir com ele para o campo apanhar papoilas no dia da espiga). Tartamudeado q.b. achei que seria avisado não fazer muitas perguntas e, com o decorrer do inquérito alguém trataria de explicitar com mérito e ciência o verdadeiro significado daquele «Não podendo sair…».
Debalde. Nem sem balde. Fiquei-me na mais santa ignorância e remetido a uma opressiva escuridão quanto ao verdadeiro alcance da coisa. Fiquei sem saber se a ideia era saber que livro gostaríamos de ser se estivéssemos trancados dentro do Fahrenheit, fisicamente, assim tipo cenário de Kafka a acordar e verificar que se tinha transformado num monstruoso insecto, se estaríamos autorizados a querer ou gostar de ser outro livro, mas dando de barato que esse outro seria sempre uma segunda escolha ou se, pura e simplesmente (este pura e simplesmente é vulgar, eu sei, mas eu sou vulgar…) a pergunta foi feita de forma descuidada e sem qualquer outro objectivo que não fosse fazê-la a gente suposta e suficientemente erudita que tratasse o Fahrenheit por tu.
Ainda hoje me encontro roído por esta tremenda dúvida e duvido (estou a escrever de forma bastante duvidosa) que alguém alguma vez ma tire. Primeiro, porque não sei quem começou com o inquérito, segundo porque tenho a certeza que ninguém me esclarecerá, mesmo através de um simples e piedoso comentário a este post idiota. E não. Não há aqui qualquer mensagem subliminar. Não percebi, period. Com tantas coisas que jamais perceberei em tempo útil (leia-se, vida) esta será outra delas.
Se eu tivesse de morrer queimado como livro… acho que não me faria muita diferença o título. Mesmo sabendo que outra civilização e sociedade viriam. E as minhas cinzas não seriam de grande préstimo…