Agenda do Dia
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Hoje tenho de trabalhar, de ir ao médico, assistir a uma daquelas coisas chatas que acontecem nos hotéis, a gente paga 100 Euros, ouve umas patacoadas sobre as novas condições de um porto não sei aonde, uma zona franca que patatipatatá, polo de desenvolvimento não sei quê, almoça-se, conversa de ocasião e vai-se tudo embora, tudo na mesma. Mas se se não vai, telefonam-nos logo a saber se estamos doentes e telefonarem-me a saber se estou doente é coisa que me comove imenso e eu não quero... Por isso, vou.
Tenho ainda de saber se a minha santa mãezinha está melhor do joelho (não sei bem o que é, mas se não for o joelho deverá ser outra coisa qualquer, é preciso é perguntar-lhe por qualquer coisa se não ela amua, apesar de ser a mais saudável criatura ao cimo da terra), telefonar a uma irmã a saber a que horas é que ela arranca para o Algarve, não que isso contribua para a minha felicidade, mas se não telefono, "prontos", é porque não ligo à família. Isto para não falar de uma tia que fez ontem setenta e não sei quantos anos, fala muito alto e tem o saudável hábito de ler as legendas dos filmes em voz alta quando está acompanhada, ao mesmo tempo que vai fazendo uma descrição minuciosa do que se está a passar nos filmes ou nas séries (não vá a gente não reparar) do género, "olha, ele agora vai beijá-la"... e eu tenho mesmo de lhe ligar a dar os parabéns e desejar-lhe muitos, mesmo que isso represente muitos anos com ela a ler legendas para o pessoal de cada vez que faz uma visita. Não esquecer perguntar-lhe pela talassoterapia que é uma coisa que faz muito bem (diz ela) mas que para mim não deve fazer nem bem nem mal porque ela anda há 10 anos a fazer aquilo e continua a queixar-se amargamente da coluna.
Continuando, tenho de fazer uns quantos telefonemas para fora do país. Ver contas. Telefonar aos filhos para lhes poupar o trabalho de não me telefonarem. Também tenho de ir ao médico lá da empresa para ele me passar uma receita duns medicamentos que eu levantei lá na farmácia, colaram-me uma colecção de papelinhos cuidadosamente recortados com um chisato na factura e depois disseram-me que me reembolsam – sempre estou para ver, mas acho que estou a ser pessimista, a farmacêutica é simpática e tem cara de quem me não está a enganar.
Resumindo, tenho um milhão de coisas para fazer. E tenho uma que só sei se vou ter de fazer quando chegar ao escritório. É o suspense... saber só quando chegar ao escritório! Mas a vida é feita destas coisas, todos os dias, uns dias mais, outros menos mas todos os dias há sempre qualquer coisa de novo que acontece. Nem que seja o facto novo de a rotina nos dizer que a rotina se repete.
Ahhh e tenho de me lembrar de não comprar cigarros. Já ando há um mês a lembrar-me disso todos os dias. E ainda me dizem que os homens são uns esquecidos – eu, homem, que todos os dias me lembro de que não vou comprar cigarros.