sexta-feira, novembro 11, 2005

Angola - 30 anos



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Faz hoje trinta anos que Leonel Cardoso e um grupo de militares barbudos e mal ataviados procederam a uma cerimónia pífia, através da qual se arreou a bandeira nacional do mastro da fortaleza, após cerca de 500 anos de domínio português. Sem brilho nem glória (o brilho e glória poderiam ter sido também pedagógicos para a jovem nação angolana), começou a vida de um país de uma forma já inquinada pela cegueira de um punhado de torcionários portugueses que acharam e quiseram que apenas um dos movimentos teria legitimidade para governar. O resto é história conhecida.

Nessa altura muitos portugueses já se encontravam em Portugal, outros amontoavam-se no aeroporto à espera de um avião, outros ainda cruzavam o asfalto de Nova Lisboa, Caála, Catata, Caconda, Lubango, Serpa Pinto, Windhoek, para acabarem em Cullinam, à espera de um transporte para Portugal ou de um emprego na África do Sul do apartheid.

Para trás ficavam as magníficas florestas de Cabinda e os seus raros gorilas, as matas de café do Uíge e dos Dembos, os diamantes da Lunda, a Baixa de Cassanje onde os algodoeiros atingiam 2 metros de altura e produziam três toneladas de rama por hectare, os pastos do Negage e Camabatela, as quedas do Duque onde se dessedentava a palanca negra, única no Mundo, ali paredes meias com a rainha Jinga, os planaltos da Cela, da Quibala, Alto Hama, Chipipa, Huambo, Vila Nova, Bela Vista, Chinguar, a maior plantação contínua de eucaliptos do mundo, que passava por estes locais e continuava pelo Bié, Nova Sintra até ao Moxico das anharas, das madeiras e das malaquites, os ermos do Ruacaná sereno por ali abaixo até se despenhar fragorosamente na Namíbia, passando ao lado da "europeia" Huíla, do frio, das macieiras, pasteís de nata e queijo da Serra, Senhora do Monte, Tundavala e Txivinguiro, espreitando para mil e quinhentos metros mais abaixo, onde o deserto de Moçâmedes começava a sua imensa viagem até quase à Cape Province já na África do Sul, passando a Namibe e Karoo. E as welwitchias e as cabras de leque, as areias e as acácias de Benguela, os palmares de Amboim e a mais portuguesa das cidades africanas e lindíssima Cidade de S. Paulo de Assunção de Luanda, dos camundongos, das senzalas e das rebitas.

Faz hoje trinta anos que a nossa bandeira esfiapada foi arreada. Foi pena que o não tivesse sido mais cedo, por culpa de um asceta provinciano e manhoso que inventou aquele sketch dos portugueses de Minho a Timor e objectivamente responsável por parte da tragédia que atingiu portugueses e angolanos. A outra parte foi concluída a preceito por um bando de militares e políticos sem escrúpulos. Alguns deles ainda por aí andam. Um deles quer mesmo ser presidente da República outra vez...

Parabéns Angola, as tuas maravilhas ainda aí estão e pode ser que por um dia destes as cosas melhorem. Quem sabe?

11 Comments:

At 9:32 da manhã, Blogger Pitucha disse...

Acho que no caso de Angola ir para pior dever ser mesmo difícil...
Gostei imenso do post Espumante e adorei a fotogradia. A baía de Luanda faz parte do meu imaginário infantil (como aliás já disse no meu Cinzento) uma vez que os meus pais frequentavam o café Luanda, em Lisboa, que tinha uma fotografia a preto e branco da baía e que eu achava que era a coisa mais linda que eu já tinha visto. Pedi para me levarem lá mas nunca aconteceu. Depois, quando cresci, Luanda era uma cidade a ferro e fogo. Ainda não perdi a esperança de lá ir...
Até lá vou "conhecendo" por textos como o teu.
Um beijo

 
At 4:59 da tarde, Blogger Teófilo M. disse...

Um agradecimento especial, de um saudoso português que se não esqueceu ainda de muitos dos nomes citados, pois por lá cirandou em maravilhosa epopeia.

Não esquecer as Terras do Fim do Mundo, lá onde os quiocos e luchazes esculpiam imagens em madeira de uma rusticidade maravilhosa, e onde o Cuando e o Quembo se espraiavam em lenta passagem através da chana africana.

Saudades da terra vermelha que me recebeu e onde deixei ficar um pouco de mim.

 
At 10:48 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Que belo texto, Espumante. Lembrei-me da beleza, do sossego, da magia da ilha do Mussulo. Obrigado e um beijinho

 
At 12:50 da manhã, Blogger António Torres disse...

Bravo!!!
Não o sabia conterrâneo.

 
At 11:03 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Piucha

Angola é um país portentoso e de ímpar magnificência na diversidade da sua beleza natural. Deserto, planalto, momntanha, floresta tropical, rios caudalosos e litoral morno temperado pela corrente fria de Benguela. Sou insuspeito porque tenho bem mais anos de Moçambique do que Angola, mas as verdades são para se dizer e Moçambique está uns bons furos abaixo de Angola em beleza natural.
Quanto a ires a luanda... um dia calhará, quem sabe?
:)
Beijos umbundos

 
At 11:04 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

teófilo m
as Terras do fim do mundo são a parte que pior conheço do país. Infelizmente... e agora é tar de para aí voltar
:)

 
At 11:06 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Laura Lara

És uma caixinha de surpresas. Mussulo???
E as mangas? Pequeninas, sumarentes e mais doces do mundo, que cobrem a ilha?
Para que conste, fica a saber que ainda hoje a versão actual do Kaposoka faz carreiras para o Mussulo.
beijinhos

 
At 11:07 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

António Torres

Conterrâneo... não é bem o termo, que não nasci lá. Mas entre tropa, estágio de fim de curso, e dois filhos lá ascidos ficou por lá um pouco de mim, é verdade.
Um abraço

 
At 6:46 da tarde, Blogger graziela disse...

que bela viagem eu fiz pela minha querida Angola.
que bom encontrar pessoas que amam e sentem aquela Terra de sonho depois de tudo e apesar de tudo o que se passou.
curiosamente o meu post de ontem também foi sobre Angola, mas desta vez só falei de gente.
um abraço
graziela

 
At 3:29 da tarde, Blogger Nelson Reprezas disse...

grzl

Já lá fu ver :)
Obrigado pelo comentário

 
At 9:35 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Falando de Nova Sintra em particular e de Angola, recomendo-vos a leitura de um livro fantástico que faz uma mistura de história e ficção e conta o que se passou em Angola de 1849 a 2000. Uma grande lição de História, que certamente implicou muita investigação e que se lê sem parar, a não ser para puxar pela memória e sentirmo-nos personagens do livro "Os verdes do mato não acabam", de João Coutinho, Editora Ausência. Imperdível!!!!!

 

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