Acontece que estou rouco que nem uma hiena engasgada. Ontem,
então, não era rouco, era total e inapelavelmente afónico. Claro que Murphy, um
amigo crónico desta casa, esteve sempre presente e poucas vezes como ontem o
telefone tocou tanto.
Hoje acordei um pouquinho melhor. De afónico passei a rouco,
grau 4, numa escala de 1 a 5. Coisa assim tipo gorila chateado nas montanhas do
Burundi. Mas saí… estivera ontem todo o dia em casa, pelo que achei saudável
sair. Problema é esta ancestral mania dos portugueses de terem receita para tudo.
E quando não têm, pelo menos conhecem o melhor médico do mundo. Ora reparem:
- Eu: Grumpf (entenda-se,
quero dois croissants de cereais para levar).
- Empregado: Aqui tem. De seguida, em tom confidencial: Olhe,
uma casquinha de limão em água quente, mel e duas folhinhas de hortelã. Parece
esquisito, mas olhe que melhora em duas horas. A minha sogra blá, blá, blá,blá…
- Eu: Grumpf (entenda-se, ok, obrigado, vou tratar disso já de
seguida)
- Eu: Grumpf (entenda-se, queria pagar, por favor).
- Menina simpática do caixa: Pois sim. Ui, que coisa,
senhor, olhe, descanse em casa, beba muita, mas muita água e faça um chá de rodelas
de cenoura e cascas de cebola, mas só as cascas, entende? Vai ver que passa logo,
logo. A minha avó blá, blá, blá, blá...
- Eu: Grumpf (entenda-se, obrigado vou já comprar as cenouras
e as cebolas)
- Amiga minha a estacionar à frente do meu: Oi, tudo bem?
- Eu: Grumpf (entenda-se: tudo bem obrigado e tu, também?)
- Ela: É pá, que coisa, estás rouco?
- Eu: Grumpf… (entenda-se: xiça, nota-se muito?)
- Ela: É pá, vai já comprar mel, mas mel a sério, não é desse
industrial, mel biológico. Mistura com aguardente, pode ser brandy, mas
bagaceira branca é melhor. Depois bebes um pouco e o resto esfrega no peito, a
seguir põe uma toalha quente e deixa-te ficar com ela aí uma hora. Vais ver
como passa logo. A minha mãe, blá, blá, blá, blá…
- Eu: Grumpf (entenda-se: pá, vai chatear o Camões, pá…
tenho já tanta coisa para comprar, tanto conselho dado que já não vai dar para
a aguardente e para a toalha – claro que este meu grumpf foi mesmo grumpf, não
ia mandar a minha amiga chatear o Camões, ainda que me tivesse apetecido).
Muitos grumpfs e muitos conselhos depois, cheguei a casa.
Trazia no ouvido dicas sobre limão, mel, açúcar, cenoura, cebola, romã (esta
da romã não é liberdade poética, aconteceu MESMO *), flores de pessegueiro, urtigas
(eu seja ceguinho), noz-moscada e mais uns quantos ingredientes que me
aconselharam. Até um link para um blog me deram. Reflecti sobre o gene que faz
de nós o homo terapeuticus, certamente uma versão ibérica do erectus que se
fixou aqui pela Península e que fez com que soubéssemos sempre a cura das
maleitas todas e, mesmo assim, andássemos sempre doentes. Ou conhece-se algum
português que não sofra de qualquer coisinha, mesmo sabendo de antemão como
curá-la?
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