Na minha geração, muitos não perceberam que o 25 de Abril
resultou de uma acção corporativa dos oficiais de carreira que viam, com
desconfiança e ódio, a ascensão de alferes milicianos, passados à disponibilidade
como tenentes e, se chamados de novo à carreira militar, recolocados como capitães.
Pela necessidade da guerra colonial que absorvia mais oficiais na quadrícula de
guerra que os disponíveis, não falando naqueles cuja incompetência limitava a
acção militar no terreno. O descontentamento dos oficiais do quadro permanente criou permeabilidade à influência do Partido Comunista que através dos seus arietes
conseguiu pautar a revolução e conduzi-la, mais tarde, ao desastre que se
conhece. Tanto na política interna, como na criminosa política de descolonização,
feita sem brio, sem honra e sem respeito pelos cidadãos portugueses e das colónias, muitos
deles fuzilados após a independência por terem servido o exército português.
Na minha geração havia também os que percebiam tudo isto,
mas gostavam e rejubilavam com a treta do amigo em cada esquina, dos amanhãs a
cantar, dos pioneiros, dos continuadores, das emulações socialistas, das palmas
organizadas, da gaivota a voar, a luta a continuar e o povo a ordenar e toda aquela parafernália que servia para sujeitar os cidadãos
incautos a um tipo de influência, junto da qual a mocidade portuguesa era uma
brincadeirinha de crianças. E havia os fundamentalmente estúpidos que não
percebiam sequer o que se estava a passar, mas que viam, de repente, uma forma
de se projectarem no universo mediático e, até, na partilha de poder. E, sim,
havia aqueles que genuinamente, percebiam o gosto da liberdade e da libertação.
Feliz e infelizmente, a geração actual está muito longe já
deste fenómeno e cada vez menos cometida a uma celebração que já pouco lhes
diz, ressalvando os jovens, como hoje vi na televisão, que vão recebendo o
espírito de Abril por injecção dos paizinhos zelosos e progressistas.
Que ninguém levante uma voz sequer ao meu sentimento
pessoal sobre a suprema sensação de liberdade, que devo ao 25 de Abril. Cada um
reagiu como pôde, ou como soube, à ditadura do Estado Novo e eu reagi à minha. Mas
não sou sectário nem estúpido e se louvo a liberdade, o desenvolvimento interno,
a melhoria insofismável de vários índices da nossa cidadania como a saúde, a
educação, as infra-estruturas internas e o rendimento de família, da mesma
forma tenho de vituperar o aproveitamento espúrio do 25 de Abril para fins
meramente políticos e a manipulação de grupos políticos claramente impreparados
(ou idiotas, ou venais) para derrubarem ciclicamente a nossa economia e nos
colocarem na lista da sopa dos pobres da Europa. E, neste particular, receio
que a saga continue.
Mantenhamos a esperança, um vocábulo que os portugueses
conhecem e apreciam tanto como a fadista saudade. E sonhemos que a geração actual,
eventualmente mais preparada, mais sábia e mais honesta, consiga de uma vez por
todas guindar Portugal a um lugar onde o respeito pelos outros se misture com o
respeito que nos é devido a nós próprios. Assim o saibamos merecer. E que o 25
de Abril passe a um feriado de guarda, sim, mas isento das «terceiro-mundices»
bafientas do costume.
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Etiquetas: 25 de Abril