Atropelado no dia sem carros
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Já uma vez solenemente o afirmei. Sou um homem azarado. Aquele tipo de gajo que quando o meu barco chegar, eu estarei no Aeroporto. Vale-me não ser supersticioso e ter raiva a quem é. Por isso tanto me faz ter estatuetas de elefante em casa com a tromba para cima como para baixo, passo distraidamente por um gato preto e, sem querer, parto espelhos e passo sob escadotes. Jamais dou uma volta a uma cadeira antes de me sentar e é-me absolutamente indiferente sentar-me a uma mesa de 13. Entro com o pé esquerdo onde tiver de entrar e sei que os azares que tenho são contrabalançados com uma grande sorte na vida. Ser sãozinho de corpo e espírito, amar muito os que me são queridos e saber como eles me amam também. No fundo trata-se de saber amar, apesar da Leonor Coutinho me querer aumentar a dose desde que, naturalmente, vote nela para a câmara da terra onde tenho a sorte (lá está) de viver.
Mas nada disso muda o essencial. E o essencial é que sou azarado. Acontecem-me as coisas mais mirabolantes, algumas delas que, contadas, não se acredita. E de todas elas, talvez a mais bizarra me tenha acontecido hoje. Fui abalroado por um carro no «dia sem carros». Acorda uma pessoa politicamente correctinha que é um regalo de se ver. Vai de comboio para o Cais do Sodré, apanha o eléctrico (olha, eléctrico ainda leva ‘C’, os especialistas devem andar distraídos) para a Lapa e, ao sair do eléctrico, leva com uma pancada do espelho do carro de um energúmeno que não se dignou, sequer, parar. Caí o suficiente para ficar sentado no passeio e motivar um fluxo de gente para saber se estava tudo bem (ao mesmo tempo que me contavam como também já tinham sido atropelados, é uma coisa a que o português genuíno não consegue furtar-se, contar como também já lhe aconteceu a ele, seja o que for), o que é uma coisa que me irrita um bocadinho porque me faz lembrar os velhinhos que caem e que apanham com um grupo de boas vontades para o levantar do chão.
E é assim que me levanto para mostrar a toda a gente que estava tudo em su sítio e limitei-me a insultar mentalmente a mãe do condutor do Corsa branco de rede ao meio que, entretanto, desapareceu.
A história não passa disto e não estou ferido nem magoado, mas o essencial ficou. O azar de ser atropelado no dia europeu sem carros, que é um coisa que eu julgava que já tinha acabado e se resumia, eventualmente, a alguma fotografia avulsa no escritório do Al Gore ou do senhor Ferreira da Quercus. O dia em que eu julgava que o único carro a circular em Lisboa era o Porche do Pedro Couceiro a fazer uma corrida com António Costa, que corria de metro. António Costa ganhou, claro. Mas o atropelado fui eu.
Já uma vez solenemente o afirmei. Sou um homem azarado. Aquele tipo de gajo que quando o meu barco chegar, eu estarei no Aeroporto. Vale-me não ser supersticioso e ter raiva a quem é. Por isso tanto me faz ter estatuetas de elefante em casa com a tromba para cima como para baixo, passo distraidamente por um gato preto e, sem querer, parto espelhos e passo sob escadotes. Jamais dou uma volta a uma cadeira antes de me sentar e é-me absolutamente indiferente sentar-me a uma mesa de 13. Entro com o pé esquerdo onde tiver de entrar e sei que os azares que tenho são contrabalançados com uma grande sorte na vida. Ser sãozinho de corpo e espírito, amar muito os que me são queridos e saber como eles me amam também. No fundo trata-se de saber amar, apesar da Leonor Coutinho me querer aumentar a dose desde que, naturalmente, vote nela para a câmara da terra onde tenho a sorte (lá está) de viver.
Mas nada disso muda o essencial. E o essencial é que sou azarado. Acontecem-me as coisas mais mirabolantes, algumas delas que, contadas, não se acredita. E de todas elas, talvez a mais bizarra me tenha acontecido hoje. Fui abalroado por um carro no «dia sem carros». Acorda uma pessoa politicamente correctinha que é um regalo de se ver. Vai de comboio para o Cais do Sodré, apanha o eléctrico (olha, eléctrico ainda leva ‘C’, os especialistas devem andar distraídos) para a Lapa e, ao sair do eléctrico, leva com uma pancada do espelho do carro de um energúmeno que não se dignou, sequer, parar. Caí o suficiente para ficar sentado no passeio e motivar um fluxo de gente para saber se estava tudo bem (ao mesmo tempo que me contavam como também já tinham sido atropelados, é uma coisa a que o português genuíno não consegue furtar-se, contar como também já lhe aconteceu a ele, seja o que for), o que é uma coisa que me irrita um bocadinho porque me faz lembrar os velhinhos que caem e que apanham com um grupo de boas vontades para o levantar do chão.
E é assim que me levanto para mostrar a toda a gente que estava tudo em su sítio e limitei-me a insultar mentalmente a mãe do condutor do Corsa branco de rede ao meio que, entretanto, desapareceu.
A história não passa disto e não estou ferido nem magoado, mas o essencial ficou. O azar de ser atropelado no dia europeu sem carros, que é um coisa que eu julgava que já tinha acabado e se resumia, eventualmente, a alguma fotografia avulsa no escritório do Al Gore ou do senhor Ferreira da Quercus. O dia em que eu julgava que o único carro a circular em Lisboa era o Porche do Pedro Couceiro a fazer uma corrida com António Costa, que corria de metro. António Costa ganhou, claro. Mas o atropelado fui eu.
Adenda: Afinal, ganhou um Sousa, de bicicleta. Nem taxi, nem Porche, nem mesmo o metro. Bicla é que é. Pelo menos pela Avenida da Liberdade abaixo.
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Etiquetas: azar, dia europeu sem carros
12 Comments:
Que sorte. Ainda bem.
O post está divertidíssimo.
Abraço
Mas eles só queriam saber se o "fiófó" não tinha ficado muito amasssado ou se a "ossada" continuava inteira... Que mal agradecido!!! :)))))
Ainda bem que tudo acabou bem e, assim, até ficou mais 1 história para contar aos netos :))
Abraço. Gota
António Torres
Não me aleijei mas foi o suficiente para me atirar ao chão. Mas a ironia da coisa foi ter sido no tal dia sem carros - o que é patético :)
Gota
Fio... fio... fioquê????
Tu és uma fonte de enriquecimento de vocabulário. Tens a certeza que nunca trabalhaste para a Reader's exactamente naquela secção "Enriqueça o seu covcabulário"? :))
Já dei muita risada hj com o seu texto!!!:)))
Fez-me lembrar algo que aconteceu comigo há uns dois anos atrás.
Não sei se vc sabe, mas por aqui a meninada que não nos conhece, nos chama de "moça" qdo somos jovens e de "tia" qdo passamos dos 40 (+ ou -, a depender da aparencia:)))).
Bom...depois de uma queda na rua, fiquei irritadissima e mal consegui agradecer um gentil moleque de uns 12 anos que me ajudou a levantar e perguntou :"Tia tá tudo bem?"
Com vc espumante se passou o mesmo e isso é notório qdo diz:"o que é uma coisa que me irrita um bocadinho porque me faz lembrar os velhinhos que caem e que apanham com um grupo de boas vontades para o levantar do chão."
Bjs
Ahahahhahaah... ahahahahahhaha!!!!!
Sorry... mas foi mais forte que eu...
Então um rapaz que também já fez 36 anos (beijinho recebido) não sabe que precisa de ter cuidado na rua, não tanto por causa dos carros de alta ou baixa cilindrada, mas por causa dos condutores dos mesmos?!?!? Isto é Portugal, senhor!!! Mesmo no dia sem carros!
Mas confesso que se tivesse sido comigo, figuraria já na minha rubrica de insólitos. ;)
Beijinhos e faz fabor de olhar bem em sem redor na rua, ok?!
Apraz-me saber que não te aconteceu nada de grave.
Mas, diz-me, porque é que não foste para o trabalho de carro?...
Dulce Braga
Tia? Imagina que não tinha reparado no teu perfil que já tinhas feito quarenta... :)))
Sabes? Aqui pelos meus lados também se chama «tia» às senhoras. E «tio» aos homens. Tem pouco a ver com a idade e mais com uma idiossincrasia local e que é aproveitada de, uma forma geral, pelo anedotário nacional.
Lurdes
Eu sei que foi uma surpresa para ti, julgavas que eu só tinha 26, não é? :)))
Obrigado pelas tuas gargalhadas. Gosto de gente que ri...
beijinho
Carlota
Não pareço mas, de vez em quando, dá-me uns afloramentos de consciência de cidadania e resolvo alinhar no polticamente correcto. De resto, ando há uma série de anos a fazer a marginal de carro e achei que o pretexto era bom para fazer o percurso de comboio. Que é, aliás, lindíssimo. Teria depois a oportunidade, como tive, de apanhar o eléctrico no Cais do Sodré até ao meu escritório o que também é excitante. E de certeza que dá motivo para fazer posts durante uma semana, só te digo :)))
Está explicado?
Beijola
Acabo de descobrir este blog e ainda não me "calei".
Pelo que li, seria de estranhar que uma pessoa com tanto sentido de humor e tanta ironia fosse atropelado em plena hora de ponta na Avenida da Liberdade na semana de compras de Natal!
A ser atropelado só mesmo nesse dia...:)
xx
Papoila
Tenho muito gosto nas suas visitas. Por mim pode não se calar à vontade. De resto sermos apreciados uns pelos outros faz pate do sortilégio dos blogues :)
Já passei no seu e lá irei com mais calma
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