segunda-feira, dezembro 05, 2016

Funeral de Txova



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Era o que faltava – deixar o socialismo por mãos alheias. E só elas, as mãos socialistas, poderiam fazer cabalmente jus à essência do socialismo. Entenda-se, a mão do Estado em tudo o que mexe. Eu, que já vi barbearias, pastelarias, capelistas e bancas de mercado serem nacionalizadas, entendo bem a razão porque, tarde ou cedo, não há lâminas para fazer a barba, pastéis, botões e alfinetes ou verduras. Depois…é só aplicar o método de análise à agricultura, à indústria, às finanças, à justiça e a todas as mariquices que os capitalistas inventaram e ver o resultado.

A tragédia da coisa é que gerações formatadas nestes sistemas (e ainda há dias foquei esse aspecto) não só entendem as “insuficiências” como acham que a culpa é dos corruptos capitalistas. Não fossem eles, os capitalistas e o Jeep transportando as cinzas do ditador (um Jeep soviético montado na Checoslováquia, com cerca de 50 anos de uso e certamente enviado para Cuba por conta do açúcar a preços políticos) não se iria abaixo. Mas, lá está. A multidão não teria como ulular as honrosas “insuficiências do socialismo” (não é ironia, as insuficiências tinham um lugar de honra nos regimes socialistas) e, muito menos, um motivo para vilipendiar o capitalismo.

Fidel vai para a cova de Txova, uma expressão moçambicana que significa “empurrar”, Sukuma em vários países da África Oriental e cuja equivalência não me ocorre para Angola. Vai-lhe bem com o caqui da farda, a barba, o Cohiba e a garrafita da Laurent Perrier. Enquanto, cá fora, ainda vivas, as vítimas berram, excitadas, Fidel, Fidel.

Em Portugal a coisa é mais sóbria mas nem por isso menos trágica. Duas moções de pesar na Assembleia e a torrente de panegíricos na nossa já insuportável comunicação social. Incluindo um sem número de comentadores televisivos. Bem que alguns deputados poderiam e deveriam ir a Cuba dar uma mãozinha ao féretro.


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domingo, dezembro 04, 2016

Ainda Fidel



[5471]

Estive “out of order” quando o tirano caribenho, de cuja ascendência galega os portugueses parecem sentir um estranho orgulho, se finou. E há uma torrente de comentários sobre o assunto, pelo que me dispenso de acrescentar seja o que for ao óbvio. Fidel era um tirano, um torcionário vaidoso e, no fundo e na minha modesta opinião, a utopia que defendia era tão utópica como o desejo real de obter ajuda material por quem lhe parecia mais habilitado para o fazer. Obviamente os Estados Unidos. 

Levou sopa, zangou-se, amuou e virou-se para os soviéticos que viram nele uma boa oportunidade. Uma forte ajuda material nos preços políticos da cana-de-açúcar em troca do estabelecimento de uma base de mísseis a escassos quilómetros do território americano. E assim se esteve à beira de um conflito nuclear por força dos dislates de um louco que, mais tarde e com as costas quentes, se entreteve a matar gente só porque usavam risco ao meio ou tinham mau hálito.

Nada disto é novidade, por isso faço apenas um registo de um facto que tive oportunidade de viver, qual seja a tremenda impressão que senti quando tive de lidar profissionalmente com bastantes cubanos num país africano. Gente jovem e que desenvolvia trabalhos de pulverização aérea em campos agrícolas. E foi impressionante perceber como a morte de muitos oposicionistas foi, seguramente, uma situação trágica e criminosa, mas tê-lo-á sido menos a verdadeira formatação de gerações nascidas já sob o jugo do tirano e que claramente manifestavam essa formatação? Não só acreditavam piamente que o mundo era composto por sociedades infectas e infelizes por não terem tido o privilégio de desfrutar os ensinamentos de um líder como Fidel como se sentiam extremamente felizes por serem eles os ditosos cidadãos dessa sociedade nova, solidária, revolucionária e internacionalista. 

E demonstravam-no cabalmente. Ao mesmo tempo que se sentiam felizes e honrados, repito, honrados, por serem espoliados num trabalho que era pago miseravelmente em moeda local enquanto os verdadeiros salários, equiparados àqueles que os “capitalistas corruptos” recebiam eram pagos directamente ao Estado cubano. Havia uma compensação, todavia. Esses pilotos recebiam “pontos”, semelhantes aos que as gasolineiras pagam por cada litro de combustível que consumimos, que lhes davam direito a adquirir um artefacto de luxo, como um electrodoméstico, um carro dos anos 50 ou, ainda, uma caderneta de abastecimento extra de alguns alimentos.

Foi só um registo. Matar gente por capricho é nauseabundo. Mas formatar jovens, durante gerações, como os que vi nesse país africano, felizes e contentes pelo seu líder e por poderem comprar um aspirador quando chegassem a casa não o era menos. Felizmente, havia os balseiros e os desportistas que acabavam por perceber o logro e escapavam o”paraíso”. Muitos não escapavam porque sabiam que lhes prendiam a família.

Sinto-me envergonhado pela forma como o meu país “tratou” o dossiê da morte do líder criminoso. Com particular relevância para o Presidente da República. 


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