O Rio dos Medos de Ouro
Poucos dias depois do 25 de Abril, nos meus verdes vinte e
poucos anos e numa altura em que não dava para ir para a frente do ministério
com uma tabuleta a reclamar pelo facto de o Governo ainda não me ter arranjado
emprego depois de sair da faculdade, fui parar a Durban, como technical assistant
duma empresa de produtos químicos para a agricultura e indústria.
Tive uma relativa facilidade em arranjar emprego porque já dominava
o inglês, graças a uma prestimosa, linda e louríssima namorada de Sheffield, Yorkshire,
UK (Hi, Janet!) razoavelmente mais velha do que eu e que me ensinou uma data
de coisas e, de caminho, o inglês falado e escrito.
Entregaram-me o Northern Natal, uma vasta zona do Kwazulu Natal
onde eu deveria visitar os mais importantes municípios, como Dundee, Vryheid,
Newcastle, Ladysmith, Harrismith, Pietermaritzburg e vender o meu peixe,
incluindo a utilização de produtos arbusticidas e de longa acção residual para
controle total em refinarias, auto-estradas, etc. (que falta fazia o “macabro”
RoundUp da “maléfica” Monsanto, que ainda não tinha sido inventado), para além
de produtos de acção selectiva em relvados desportivos, jardins e onde houvesse
relva em geral.
Nestas andanças conheci uma das mais fantásticas regiões
naturais e hoje, reclamo-me um homem de sorte por isso. Conheci St Lucia, uma
extensa zona do estuário do rio Tugela, em que as águas do mar e do rio se
misturam, formando um caldo ecológico onde os crocodilos, os hipopótamos e os
tubarões convivem (e respeitam-se), o mesmo não se podendo dizer em relação a
muitos incautos que antigamente lá se banhavam e eram disputados à dentada entre
um faminto crocodilo e um azougado tubarão, isto se não levasse uma patada
dum hipopótamo que ocasionalmente passasse.
St Lucia é um local paradisíaco, em que a beleza natural se funde
com uma auréola de mistério e de lendas abundantes, naturalmente devidas às
pessoas que pereceram a crocodilos que não tinham nada que andar ali e, igualmente,
de tubarões que tinham um mar inteiro para andar e ai se alimentavam à babugem
dos alimentos que o Tugela prodigamente lhes ofertava.
St Lucia começou por se chamar Rio dos Medos do Ouro, cuja alusão
aos trágicos e frequentes acontecimentos de gente atacada se fundia à cor única,
dourada, das suas dunas. Foram os portugueses (quem mais????) que lhe deram o
nome, sobreviventes de um navio português naufragado e que dava pelo nome de
S. Bento, em 1554. Mais tarde, em 1575, no dia de Santa Lucia, o nome de St
Lucia foi outorgado à região completa, incluindo o estuário do Tugela e a zona
marítima.
Fiquei a saber isto a primeira vez que lá fui, num “lodge”
onde acabei por ficar algumas vezes nas minhas viagens de trabalho e onde me
entretinha a ler a história e a origem de St. Lucia.
O meu filho, bem mais inteligente do que eu mas que gosta
mais de ler sobre “bikes” do que sobre navegação do século XVI, passou aqui em
trabalho há dias e mandou-me esta foto. Fiquei contente por me lembrar disto tim-tim
por tim-tim. E, ainda, para calar a boca a alguns amigos que me acusam de só
escrever sobre o sorridente Costa. Criatura que eu poderia mesmo convidar a
tomar banho em St Lucia, tendo o cuidado, possivelmente, de retirar primeiro a
tabuleta de aviso.
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Etiquetas: intimista, South Africa
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