A desventura de andar toda a gente a falar do Boaventura outra vez
Muito nosso. Muito cá de casa. Por vezes conhecemos as
coisas ou as pessoas e esquecemo-nos que elas existem. Mas eis que qualquer coisa
nos agita a memória e despoleta o fulminante… e é um rosário de comentários,
análises, opiniões e, até, descobertas sobre a natureza das tais coisas ou
pessoas que há muito conhecemos, mas jazem dormentes no cérebro, pela modulação
sináptica que nos remete a memória de curto prazo para a memória de longo prazo.
Por outras palavras. O sicrano é arquivado, com displicência, no “arquivo morto”
de cada qual.
É o caso, agora, de Boaventura. De repente, o homem escreve
uma série de disparates sobre a Venezuela e aqui d’el-rei que a torrente
atropela os rápidos do leito do rio da inteligência de cada um de nós e a cada hora,
a cada post, a cada comentário, achamos que o homem é uma besta quadrada, roído
por ódios à liberdade e à democracia e amante intenso das ditaduras do proletariado
(uma espécie de gente a que ele, graças a Deus, escapou pela sua rara inteligência).
Por mim, de há muito que me apercebera que a criatura não é
uma variedade recomendável da minha espécie, se quisermos pôr isto em termos de
taxonomia plana. As barbaridades e imbecilidades que lhe ouvi durante anos
seguidos, sem embargo da sua reputação cultural e académica, foram suficientes
para que me fosse esquecendo dele aos bocadinhos. Não seria agora, por via da
tragédia em curso na Venezuela que voltaria a falar do beltrano. E mesmo este
modesto desabafo, se virem bem, não tem a ver com o magano. Tem a ver com a quantidade
de gente que não se cansa de andar a falar nele outra vez. O que ele, sorridente,
agradece.
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Etiquetas: Ai Portugal, Boaventura Sousa Santos, coisas
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