quinta-feira, julho 01, 2010

O candidato que pregava pregos no nosso caixão


[3812]

Se eu me deitar a fazer comentários sobre a métrica das «trovas ao vento que passa» ou dissertar sobre os «rapazes que pregam pregos nas tábuas» posso fazer má figura que daí não vem mal ao mundo, afinal não sou purista de línguas, não sou poeta não sou crítico literário. Mas é razoavelmente aceitável emitir opiniões sobre temas que interfiram com a nossa sensibilidade e com o sentido estético que cada um de nós tem da vida, dos homens e da própria poesia.

Emitir verbo ideológico, que outro não me pareça poder ser, sobre a decisão do governo de exercer as suas prerrogativas numa operação financeira através de uma «golden share» na PT é que me parece pouco aceitável e denuncia uma assustadora irresponsabilidade. Um poeta é um poeta e não tem que perceber de operações de alta finança nem de estratégia económica. Por isso deveria ter mais cuidado e recato nas opiniões que emite, mesmo se for candidato à presidência da república. Assuntos de milhares de milhões de Euros não podem ser avaliados à luz bucólica de uma manhã de pesca na Foz do Arelho, muito menos enquadrados na visão poética de um rapaz a pregar pregos numa tábua ou no voluntarismo planfetário com que julgamos poder enquadrá-los nos alegados interesses nacionais. Por muito que isso nos doa. Ou então não estaremos a candidatar-nos a presidente de todos os portugueses, mas apenas dos republicanos, laicos e socialistas e dos superiormente iluminados pela centelha intelectual que nem todos tiveram a ventura de receber à nascença.

Os portugueses continuam a ser sensíveis a duas questões que incontornavelmente lhes circulam nas tripas. O quixotismo e o sebastianismo. Por isso eu acho que Manuel Alegre ainda é capaz de conseguir um número apreciável de votos. Basta-lhe ir produzindo este tipo de declarações, como as que produziu a propósito da interferência do Estado na venda da Vivo brasileira, mesmo quando lá fora já nos acusam de visão colonial obsoleta. Porque o povo profundo gosta da protecção dos guardiães do socialismo (léxico que ainda hoje «vai muito bem») e o povo intelectual gosta de se sentir acima da mediocridade generalizada onde só o «consumismo», a visão «economicista» e os «interesses» contam, sem respeito pelos superiores interesses duma sociedade moderna, correcta, solidária, providente e social, uma sociedade, enfim, «como deve ser».

.

Etiquetas: ,

7 Comments:

At 10:17 da manhã, Blogger Dulce Braga disse...

Por falar em sebastianismo, por aqui há comentaristas esportivos chamando o Cristiano Ronaldo de D Sebastião!:)))*

 
At 2:53 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Isto é perder tempo com tal defunto. Ele está vivo, mas está defunto. É um daqueles exemplos da escola coimbrã que passa por ser uma escola do reviralho mas que era um exemplo acabado de situacionismo. Pobres daqueles que o não sabem!

 
At 3:21 da manhã, Anonymous Anónimo disse...

Infelizmente, meu bom Nelson, apenas nos resta cantar trovas do vento que passa...

Ele passa, passa, passa... e nós permanecemos, mudos e quedos, a aturar esta cambada de cretinos!

Cada um pior que o anterior: "atrás de um penedo, outro penedo"!
E de Sisífo(mestre da malícia e dos truques, entrou para a tradição grega como um dos maiores ofensores dos deuses)!

Estes gajos estão bons - qual Sisífo - é para rolar calhaus encosta acima!

Veijos velos. E vrilhantes, claro!:)

 
At 3:22 da manhã, Anonymous Anónimo disse...

Bolas, não sei por que apareço "anónima"!

Mas, enfim, "çou quem saves"!:)

 
At 6:47 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Dulce Braga

É uma síndrome comum nos tugas. Se um dia D. Sebastião aparece mesmo por aí fica tudo estragado... não há como usar depois o sebastianimso :))
*

 
At 6:51 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Anónimo
Consigo entender o sentido da coisa, apear do aparente paradoxo. E até concordo parcialmente com o que diz. No caso de Alegre, de resto, é evidente. Um opositor profissional é um situacionista. Porque se a situação mudar eles deixam de poder ser o que apregoam ser - opositores. E como frequentemente não sabem fazer mais nada, lá está. Precisam da "situação". Bem visto :)

 
At 6:52 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Li

"Savi" logo que "falastes" em Sisifo :)))

 

Enviar um comentário

<< Home