Polvo seco - pitéu algarvio
A memória é uma faculdade que nos foi concedida e que, por
vezes, tratamos mal. Mas ela é caprichosa, faz questão de marcar presença, e esta noite sonhei que estava na
feira de Lagoa, a comer polvo seco e a bebericar moscatel de Setúbal.
Acordei intrigado, porque polvo seco é uma daquelas coisas
de que passam anos sem que me lembre do infeliz, como se ele não existisse,
até. E, todavia, é um pitéu tradicional português, de tempos imemoriais e
aparentemente associado ao aproveitamento dos excessos de pescado.
A verdade é que o tempo passa e de duas, uma: ou faz tempo que
não vagueio em caminhadas por feiras algarvias e me deliciava com o petisco, ou
começo a estar demasiadamente amestrado às modernices que nos vão gradualmente
minando, como o “sushi” e outros. Tenho a certeza que já há gerações de jovens
que não só nunca comeram polvo seco como não sabem, sequer, que ele existe. Um
exemplo vivo desta colonização dos tempos modernos, reunido com um grupo de
jovens amigos de uma filha, uma jovem, excitada, me perguntou se eu gostava de “tempura”,
um pitéu japonês que agora estava na moda. Eu, com a bonomia devida aos “vinte
e poucos”, disse que sim. No fim, não resisti e disse-lhe que a “tempura” era o
nosso vulgar “peixinho da horta" e que foram os portugueses que o haviam exportado
para o Japão. Dois dias depois, a moça ligou-me e disse que tinha “googlado” o “tempura”
e que eu tinha razão.
Voltando ao polvo seco, parece que também há “tempura” de
polvo. Haja ou não haja, achei divertido ter sonhado com o polvo seco. Para quem
acredite no significado dos sonhos, de duas, uma. Ou é uma mensagem a dizer-me que
devo ir ao Algarve, o que manifestamente repudio em Agosto, ou qualquer outra
coisa de transcendência indefinida e que dá uma trabalheira para lhe aplicar
uma simbologia mais ou menos etérea. Desisti da mensagem e prometo comer polvo
ao almoço. Não será seco… talvez à lagareiro. Não engorda muito e tem o toque
mediterrânico do azeite às toneladas que parece que faz muito bem e contribui
para que os portugueses se ufanem de que temos uma dieta fantástica, desde os
tempos em que dávamos às criancinhas “sopas de cavalo cansado” ao pequeno-almoço.
Por fim, percorre-me uma grata sensação de frescura e conforto por ter
feito um modesto post sem falar de um primeiro-ministro que todos os dias me dá
vontade que o “tempure” (olha, falei, mas saiu-me, juro…).
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Etiquetas: coisas boas, polvo seco
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