É assim tão difícil entender isto?
Isto
não tinha ser assim. Não tínhamos de ver um antigo primeiro-ministro a ser
levado dentro de um carro pela polícia. Não tínhamos de ver o circo montado
novamente à porta do DCIAP. Não tínhamos de assistir mais uma vez aos políticos
a perderem a face perante a justiça. Mas os portugueses quiseram que fosse
assim. E tanto quiseram que em 2009, indiferentes ao que já se sabia sobre a
actuação de Sócrates no Freeport e muito particularmente nessa vergonha
nacional que foi o processo de licenciamento e construção da central de
tratamentos de lixos da Cova da Beira, 2 077 695 eleitores lhe deram
o seu voto para que continuasse como primeiro-ministro. É certo que o PS perdeu
então a maioria absoluta mas note-se que não se pode falar de desastre eleitoral:
em 2005, ano da grande vitória de Sócrates, o PS tivera
2 588 312. Que Sócrates continuasse a obter mais de dois
milhões de votos depois do que sucedera entre 2005 e 2009 diz muito sobre a
nossa alienação de valores.
Aos olhos e ouvidos dos eleitores portugueses, tudo aquilo que
em 2009 já se sabia sobre Sócrates – e era muito – a par do fascínio crescente
e perigoso que este manifestava por um Estado agente de negócios não foi
suficiente para que não lhe dessem maioritariamente o seu voto. Eram os tempos
em que a líder da oposição era ridicularizada como “a velha” pela milícia dos
assessores socráticos devidamente corroborados pelo riso escarninho dos
humoristas de serviço a quem, vá lá saber-se porquê, Sócrates nunca inspirou
muitas críticas. Eram os tempos em que criticar Sócrates valia telefonemas aos
gritos para os autores desses textos (e sei do que falo por experiência
própria) logo apelidados na mais bonançosa das versões como tremendistas,
derrotistas e bota-abaixistas. Eram os tempos em que nada parecia possível ser
feito em Portugal contra a vontade de Sócrates. Em que, por exemplo, nenhuma
editora, que por essa época tudo editavam, quis publicar a investigação –
e tratava-se de uma verdadeira investigação e não de palpites – que um
blogue, o Do Portugal Profundo, fizera sobre a licenciatura do então
primeiro-ministro. E sobretudo eram os tempos em que se arreigou na sociedade
portuguesa esse perverso princípio de que o direito penal substituíra a moral.
Sentados
em estúdios de televisão, rádio, nos jornais, blogues… todos os dias dirigentes
socialistas e seus compagnons de route repetiam que tendo sido encerrados os
processos e investigações só por má-fé se poderia questionar a licenciatura
domingueira de Sócrates, a novela das suas duas fichas na Assembleia da
República, os projectos para as casas da Covilhã, a nomeação para o Eurojust do
procurador sobre o qual recaíra a suspeita de ter transmitido informações
processuais a Fátima Felgueiras, o Freeport, a Cova da Beira…Em
Portugal passou então a vigorar o dogma de que não há diferença entre
responsabilidade política e responsabilidade criminal. E exactamente os mesmos
que tanto contribuíram para a impunidade de que gozou José Sócrates já
começaram na velha técnica das cabalas: devia ser detido à noite? Porque não
foi detido em casa? Que estranha coincidência, ser detido na véspera de António
Costa ser reconhecido como secretário-geral do PS… Deixemo-nos de
contorcionismos: não há dia ou hora adequados para prender um ex-primeiro
ministro porque em todos os dias e a todas as horas a detenção de quem teve
tais responsabilidades terá sempre consequências políticas. Por exemplo, o que
vai António Costa, que entretanto divulgou uma primeira declaração equilibrada sobre
este caso, fazer com o homem que escolheu para líder parlamentar, Ferro
Rodrigues? Ferro Rodrigues continua sem perceber duas coisas essenciais:
primeiro, um partido de bem não pode alimentar a nostalgia por um político com
o perfil institucional de Sócrates, (sublinho que falo de pefil institucional e
não de questões criminais). Segundo, Portugal é uma democracia onde não há
partidos acima da lei e não um regime democrático tutelado pelo PS. Como em
todos os processos que envolvem poder económico e político haverá quem aposte
na confusão. Lembram-se do processo Casa Pia em que acabámos a não distinguir
os pedófilos das vítimas, a justiça do abuso e a verdade da mentira? (Esperemos
apenas que à actual PGR não esteja reservado o mesmo calvário que a Souto
Moura).
Falam agora os políticos na possibilidade de uma república de juízes. Agora é tarde para o fazerem, “Inês é morta”. É de facto uma visão dantesca essa de uma república de juízes mas foram eles, os políticos, e neste caso particularmente os do PS, ao pôr de lado a moral e ao centrar tudo no avanço da justiça, ou mais precisamente na sua capacidade de fazer arquivar os processos, quem sentou um dos seus, Sócrates, no banco traseiro daquele carro utilitário que o levou do aeroporto até ao DCIAP. E foram os portugueses, enquanto eleitores, sancionando o comportamento de Sócrates, dando-lhe a vitória em 2009, quem depositou Portugal na mão das polícias e dos juízes.
Na vida nunca se volta atrás e na política muito menos. Por isso aqui estamos no beco a que nos conduzimos: se Sócrates provar a sua inocência ficamos com a justiça descredibilizada. Se Sócrates for culpado estamos perante um problema político. Mas deste dilema os únicos culpados somos nós. E não Sócrates.
Falam agora os políticos na possibilidade de uma república de juízes. Agora é tarde para o fazerem, “Inês é morta”. É de facto uma visão dantesca essa de uma república de juízes mas foram eles, os políticos, e neste caso particularmente os do PS, ao pôr de lado a moral e ao centrar tudo no avanço da justiça, ou mais precisamente na sua capacidade de fazer arquivar os processos, quem sentou um dos seus, Sócrates, no banco traseiro daquele carro utilitário que o levou do aeroporto até ao DCIAP. E foram os portugueses, enquanto eleitores, sancionando o comportamento de Sócrates, dando-lhe a vitória em 2009, quem depositou Portugal na mão das polícias e dos juízes.
Na vida nunca se volta atrás e na política muito menos. Por isso aqui estamos no beco a que nos conduzimos: se Sócrates provar a sua inocência ficamos com a justiça descredibilizada. Se Sócrates for culpado estamos perante um problema político. Mas deste dilema os únicos culpados somos nós. E não Sócrates.
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Etiquetas: comunicação social, regime, Sócrates
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