A arbitrariedade daqueles que nos capam o livre arbítrio
Parece que o sal faz mal. Tanto como a sua falta. Basta recolhermos
informação científica séria, para o percebermos.
Mas este paternalismo, este escrutínio permanente desta
espécie de fiscais da minha saúde que se compraz em me dizer o que devo comer,
quanto, como e quando faz-me pior do que todo o sal do mundo. Eu não consigo
entender que a quantidade de sal que eu posso ingerir em cada papo-seco possa e
tenha de ser legislada. Quanto mais não seja porque posso usar esse pão de
salinização contida e legislada com umas fatias de presunto bem salgado, uma
lata de anchovas ou molhá-lo nos despojos de uma salgadíssima e saborosíssima sardinha
acabada de assar e que vem para o prato ainda envolta em floquinhos de sal
grosso incrustado na pele. E os tremoços? Dá para petiscar uns tremoços se não
vierem enrolados em sal grosso? E um ovo cozido? Como comê-lo sem atafulhá-lo de sal e pimenta? E o ovo estrelado?
Esta legislação sobre o pão que comemos é uma realização
espiritual do funcionário/fiscal que existe dentro de nós desde o tempo dos fiscais
de licença de isqueiro, que é a recordação mais remota que eu tenho destas
idiossincrasias nacionais, a par da figura do contínuo da faculdade ou do revisor
dos bilhetes da Carris. Dirão algumas luminárias progressistas que devemos esta
faceta a Salazar, a par com o gozo da delação, que usávamos sempre que
denunciávamos à PIDE um vizinho de cujo penteado não gostávamos. Mas eu não
acho. Pelo contrário, penso que nos está nas tripas. No fundo, a grande realização
espiritual lusitana. Fiscalizar qualquer coisa e actuar em conformidade sempre
que a contravenção se verificar. Agravada agora com a conduta aparvalhada (é a
segunda vez que, hoje, digo aparvalhada) que releva do main stream politicamente
correcto que nos guia e enforma. E que resulta numa fauna bizarra de uns quantos
que acham que nos devem dizer o que devemos fazer, quando, onde, como e,
frequentemente, a quem. Em suma, reduzindo o livre arbítrio a uma expressão nula,
perante a avalanche de boas práticas que devem nortear o homem novo.
Comamos, assim, o pão ensosso.
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Etiquetas: Ai Portugal, o sal e o pão
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