Para desenjoar (2). Ou a história curta de um alarme de incêndio demasiado competente
Jantar temporão num salão às moscas de um hotel de 4
estrelas em Maputo. Era preciso jantar cedo, para dormir cedo, pra acordar ainda
mais cedo na manhã seguinte para apanhar o avião para Lisboa.
Apenas quatro mastigantes na sala partilhavam um ambiente
misto de calma e conforto. De repente, o inferno. Entre dois camarões grelhados,
um silvo agudo exactamente por cima de mim, uma vibração como nunca sentira na
minha vida, estremecem-me as meninges, as orelhas, o couro cabeludo, o corpo
todo. Eu nunca sentira tal violência de som antes, não sabia, assim, exactamente,
do que se tratava. Com a pele a vibrar, e protegendo as orelhas com as mãos,
deixei os camarões e corri para a entrada. Como de resto, os outros três clientes.
Em correria e com o olhar gazeado de quem admite até estar perante uma nova
modalidade de acto terrorista.
À porta deparo com o chefe de mesa, sorridente, dizendo para
termos calma. Era apenas o alarme de incêndio.
- Mas não há incêndio? Perguntei eu, gritando ao ouvido do
sorridente chefe de mesa, já que o silvo continuava.
- Não. Não tem incêndio. Só que tem este alarme que é muito
competente. Problema é que é competente demais e começa a apitar sem razão (estou
a tentar ser literal).
- Mas como assim? Competente?
- Sim. Cada vez que uma pessoa pede bife na pedra, o bife
faz fumo porque a pedra está quente. E o alarme começa o barulho. E aquele
senhor ali esta a comer o bife na pedra (o comedor de bifes na pedra era um
fulano de expressão inglesa a quem expliquei o que se passava, entenda-se, a
culpa era dele porque tinha encomendado um bife ne pedra). Insisti:
- Mas porque é que aceitam encomendas ou põem bife na pedra
no menu se sabem que o alarme dispara?
- Não tem problema, porque já cortámos a água. É só o
barulho, a água de apagar não sai.
Uma lógica irrefutável que me garante que de cada vez que alguém
pedir um bife na pedra naquele hotel e a geringonça disparar, pelo menos não me
molho. Posso ficar com os ouvidos a zumbir durante duas horas, posso até, quem
sabe… ter um ataque de coração, mas pelo menos não me molho.
Deixei os camarões e fui-me deitar.
*
*
Etiquetas: coisas extraordinárias, viagens
1 Comments:
lol
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