terça-feira, janeiro 13, 2015

A propósito de nada. Ou a propósito de tudo…


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A cana vergou-se com violência, sustida pelo «copo» e a linha foi puxada com violência por duzentos a trezentos metros. Ponho os motores a zero e tento segurar a cana, mas a pressão é tão forte que torna-se até difícil tirá-la do copo. Finalmente, consigo pegá-la, encaixo-a no cinto e preparo-me para a luta. Mas a linha não parava, continuava a ser puxada e a esvair-se no molinete, entretanto já bem quente com a fricção, o que me fez recear mais ajuste de embraiagem.

O que seria? Era peixe grande, com certeza, mas, já conhecedor dos diferentes «toques» para muitos peixes, tive dificuldade em identificar tamanho esticão. Abri o «ficheiro cerebral», mas nada correspondia a nada. Pela força, poderia ser tubarão, mas o tubarão é mais pachorrento, puxa com força, abranda, mergulha, vem cá acima, nada para o barco, enfim, tudo diferente do que se estava a passar. Eis que junto ao barco, muito perto, não mais que dois ou três metros, surge um grupo de golfinhos, nadando nervosos e fixando-me com um olhar que eu iria poder jurar que era um olhar crítico e zangado. Nesta fase, o puxão da linha tinha parado, a cana estava completamente frouxa e a sensação era de que o peixe, fosse ele qual fosse, se tinha soltado. Começo a recolher a linha, rodando pausadamente o molinete e reparo que os golfinhos se mantinham bem perto do barco, nervosos e emergindo frequentemente, mantendo aquele olhar fixo em mim e eu jurando que aquele era um olhar de clara reprovação. Continuei a recolher a linha, sem esforço, e comecei a achar realmente estranho. Os golfinhos não se afastavam do barco, eram uns quatro ou cinco, corpulentos e magníficos e por vezes, um deles chegava mesmo a uma distância que me permitiria afagá-lo. Na minha experiência de «deep sea fishing», nunca tal tinha visto. Um deles, de repente, consegue mesmo colocar diria que um terço do corpo fora de água, na vertical, olhando-me de frente.

De súbito, percebo que a linha mantinha o peixe (??) preso. Porque sinto um novo esticão e um pequeno e jovem golfinho, já à beira do barco, dá um acrobático salto fora de água e eu vejo com nitidez, a rapala presa numa das barbatanas laterais e tudo estava explicado. O jovem tinha sido «apanhado» pela rapala e durante algum tempo tentou soltar-se dela. Não conseguindo, nada para o barco, provavelmente para perceber o que se passava e quando vê o barco dá um formidável salto e mergulha de novo na profundeza. E é aqui que fico claramente siderado com o que vejo. Os golfinhos adultos mergulham, eu sinto uma tremenda confusão na ponta da linha… puxões, reviravoltas, rapala abaixo, rapala acima, cana tensa, cana frouxa, uma confusão, enfim, até que sinto a linha lassa de vez, enrolo-a e a rapala me chega às mãos, livre do golfinho. E senti-me feliz por perceber que o golfinho estava livre dela. Reflectindo, tornou-se claro para mim que os golfinhos adultos, um deles provavelmente a mãe, mergulharam e diligentemente soltaram o filhote. Quando achei que tinha percebido o «filme» eis que o filhote e um adulto (a mãe?) vêm à superfície e dão outro salto, este claramente de contentamento e alívio. Viraram-me as costas e desapareceram. Não sem antes eu achar que aquele último salto era para me manifestarem a alegria pela criança solta e, quiçá, para me repreenderem e avisarem que para a próxima eu tivesse mais cuidado e me certificasse se não haveria crianças antes de começar a pescar.

Foi uma cena linda entre mil cenas que vi no mar. Em cada saída um prazer, em cada prazer um novo episódio, em cada episódio o convencimento de que o mar tem sempre qualquer coisa de novo para nos oferecer. Como a vida, afinal. É preciso é reparar nela.

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