domingo, outubro 03, 2010

Olha o passarinho


Jatinga Inn - White River. South Africa

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Hoje convidaram-me para ir fazer «bird watching» no próximo fim-de-semana. Afastada a imagem que me veio à ideia de quando «bird watching» significava mais ou menos ir ao «santo sacrifício da saída da missa», apreciar as donzelas de freguesias à volta de Coimbra, como S. Martinho do Bispo, Bencanta, Casais, Fala ou Taveiro, apinocadas nos seus atavios domingueiros, percebi que o convite era mesmo birds-birds, pássaros.

Confesso que andava um pouco desfasado da circunstância de haver «bird-watchers» aqui pela paróquia, sempre associei a actividade aos ingleses. Porque achava que só os ingleses conseguiriam fazer de uma sessão de «bird-watching» um verdadeiro «happening» e uma coisa minimamente interessante, mas isso faz parte da ideia generalizada que eu já tinha dos súbditos de Sua Majestade. Na realidade (este «na realidade» é um relativo plágio, mas não vem agora a propósito) só um povo que acha que o «rice pudding» pode ser pomposamente considerado uma «delicious dessert», ou o «steak-and-kidney pie» um prodígio da alta cozinha, juntamente com o «Yorkshire pudding» e se lembra não só de comer carneiro com chutney, como ficar muito admirado se um cidadão se espantar com a ideia, só cidadãos deste quilate, dizia, se lembrariam de estabelecer um caríssimo e longo aparato para ir espreitar passarinhos no arvoredo.

Sei do que falo porque já um dia caí num «lodge» de uma pequena e aprazível cidade sul-africana, White River, e deparei com o mais inglês dos locais da República. O Jatinga Inn. Entre uma chegada verdadeiramente sui-generis, através da qual fui submetido a uma apresentação formal aos hóspedes que fumavam e bebiam no bar e com os quais tive de partilhar um drink entre conversa de circunstância, na qual não faltou uma tremenda surpresa por ali estar um casal português que vivia em Maputo e a quem não resistiram em fazer uma série de perguntas, desde se ainda havia «LM Prawns» (camarões de Lourenço Marques) e como era aquilo de um «territory» ser governado por black people.

No dia seguinte levantei-me cedo, a tempo de ver um numeroso grupo de «bird-watchers», com um dos mais completos equipamentos de que tenho memória para aquilo que eu julgava ser simples: Observar passarinhos. Tripés, máquinas fotográficas com poderosas teleobjectivas, máquinas de filmar, aparelhos de som (que eles se encarregaram de experimentar mesmo ali…), apitos, gravadores de som, sacos indiscriminados e cheios de qualquer coisa que não sei bem o que poderia ser. E eles cheios de roupa a propósito. Caquis, botas de caminheiro, blusões com milhões de bolsos assim à laia de jornalista em Kabul, chapéus de abas largas, varas, bordões e bengalas, caixas de primeiros socorros e todos eles com aquela expressão solene que só os ingleses conseguem afivelar para as grandes ocasiões.

Nesse dia, no regresso do «lodge» parei o carro num «café» de portugueses à beira da estrada para comprar cigarros. Nos degraus de entrada vi dois «xiricos», pássaros canoros muito frequentes naquela região, saltitando à minha frente, parecendo quererem dizer-me qualquer coisa. Possivelmente que cada um é para o que nasce… e que se algum dia me convidassem para ir «bird-watching», para não ir. É isso que vou fazer. Não vou.

P.S. Não tenho nada contra «bird watchers». Presumo até que deve ser um passatempo com algum fascínio. Que isso fique aqui bem claro.

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