Antes que arrefeça
[3923]
Antes que arrefeça e, por força das celebrações de ontem e do aparente idílio entre as nossas principais figuras de Estado, nos deixemos embalar na onda doce do esquecimento e dos brandos costumes, apanágio do povo comodista que somos, é preciso não esquecer que continuamos a ter este homem como primeiro-ministro (artigo de VPV no Público, sem link)
«Fora a gente sem nome que fez do PS um modo de vida, não há ninguém na política ou no jornalismo que se atreva a justificar o primeiro-ministro, José Sócrates. Não me lembro - excepto em ditadura - de nenhum homem público tão profundamente execrado. O desprezo e a hostilidade variam de tom e pretexto, mas Sócrates conseguiu unir Portugal inteiro contra ele. E não só por causa do PECIII, que infalivelmente nos levará à miséria (embora isso também conte). O que o cidadão comum detesta é a pessoa: a pessoa que ele exibe no Parlamento e no país. E que, se ainda não recebeu ordem de despejo, é porque o PSD e o dr. Cavaco não querem agravar a crise com um vácuo de poder na cena doméstica. Nesta extravagante situação, é curioso relembrar como apareceu (e cresceu) a criatura que nos levou à ruína. Sócrates veio da província com a ambição de fazer carreira. Como educação formal, não foi além de um vaguíssimo diploma de engenheiro, extraído à complacência de uma universidade privada. E, como profissional, não se lhe conhece um currículo respeitável. E, no entanto, "subiu". "Subiu" sob a protecção de António Guterres, que fez dele deputado, secretário de Estado e, depois, ministro (do Ambiente). Não se percebe o que Guterres viu na criatura. Obediência? Dedicação ao trabalho? Algum jeito para a intriga partidária? Não se sabe. O certo é que Sócrates com certeza o serviu fielmente. E, quando Guterres um belo dia se escapou, Sócrates, que não valia nada, emergiu de repente como um candidato plausível a secretário-geral do PS. Porquê? Por causa da RTP, que o resolveu escolher para um debate semanal com Pedro Santana Lopes. Sócrates "passa" bem na televisão (como é obrigatório num político moderno) e essa presença constante em casa de cada um acabou por o tornar numa espécie de encarnação do PS. O resto correu segundo as normas. Durante a campanha contra Manuel Alegre e João Soares, peritos de publicidade arranjaram maneira de ele não se comprometer com coisa nenhuma (uma técnica também obrigatória) e de mentir no caso de um aperto (sobre impostos, claro). Sócrates ganhou; e ganhou, a seguir, a maioria absoluta. Na noite da vitória não agradeceu ao país, com que nunca no fundo se importou. Agradeceu ao PS, a que devia tudo. E, assim, Portugal recebeu do céu (na verdade, do Largo do Rato) um primeiro-ministro, obscuro e vácuo, que não lhe merecia, em princípio, a menor confiança. Mas, tendo votado nesse grosseiro produto do PS, agora não se deve queixar.»
Vasco Pulido Valente - Público
Etiquetas: Sócrates
10 Comments:
É um artigo extraordinário, Nelson. Pela minha parte, posso dizer que NÂO dei, EXPRESSAMENTE, ordem de compra de semelhante produto, mas que me foi impingido pelos 20% de portugueses que, expressamente, o compraram. Tenho, portanto, muito de que me queixar: do produto grosseiro e do sistema político igualmente grosseiro, que permite a tirania de 20% da população sobre os restantes 80%.
Está tudo dito!
Agora é mandá-lo ir dar uma voltinha a ver se temos um pouco de descanso!
Ontem também reparei na "sobriedade" das cerimónias: pouparam nas carpetes vermelhas no fogo de artifício nos automóveis....foi mais uma demonstração de poupança!!!
Goste-se ou não, o que é facto é que José Sócrates tem resistido a todas as conspirações urdidas contra ele. É um resistente!
Quanto ao facto de ter um país inteiro unido contra ele, parece que o escriba deste berloque, não tem dado atenção às últimas sondagens! Sócrates é um animal político, e parece-me bem que ainda não é o Passos Coelho que o conseguirá derrotar! Passos Coelho é outro parasita da política. Não se lhe conhece nenhuma ocupação meritória, gravita no PSD desde a Jota e tem ocupado uns cargozinhos por aí numas administrações, à base da cunha e da treta.
Alentejano, Beja
Luísa
Essa é, infelizmente, a posição de muitos de nós. Receio não entender exactamente a proporção que a Luísa refere (20%).
Quanto ao artigo, concordo que é um artigo muito lúcido e por isso mesmo o transcrevi. Além do mais é revelador de como se gere e mantêm um produto grosseiro e, ainda, de como produtos grosseiros deste quilate medrem alegremente na nossa sociedade e encontram o apropriado caldo de cultura para isso mesmo.
papoila
Não estou certo que os portugueses o mandem dar uma voltinha...muitos portugueses se identificam com este tipo de carácter e acham que ainda é o melhor garante de manutenção do status quo do badalado estado social!
Alentejano, Beja
Causa-me, pessoalmente, uma profunda irritação relevar o carácter seja de quem for com a argumentação de que os outros são pior ou a mesma coisa. Esta é uma táctica recorrente de cada vez que se pretende justificar o injustificável - a apreciação de José Sócrates como político e como cidadão.
Em lado algum do artigo de VPV (que eu julgo ser o alvo do seu "escriba do berloque") se advoga a ideia de que Passos Coelho seja melhor que Sócrates. Mesmo que o seja. Na parte que me toca também não creio que alguma vez eu tenha deixado essa ideia. Daí que me surpreenda com o seu comentário, atacando ferozmente Passos Coelho como se isso desculpasse Sócrates. De resto, uma posição comum na comunicação social em geral e na blogesfera em particular. Tenho pelo seu blogue o maior apreço, pela lucidez e brilho da sua escrita, mesmo não entendendo a sua incondicional defesa do actual primeiro ministro. Mas isso é um problema seu - e que eu respeito, como me compete numa sociedade livre e plural. Mas ir buscar Passos Coelho sempre que a evidência nos remete para apreciações de carácter de Sócrates e dele como primeiro-ministro parece-me estulto, desapropriado e, sobretudo, de um argumentário de recurso. Mal comparado, é assim um bocadinho como, "não trates o sarampo ao miúdo que ainda lhe falta ter escarlatina".Fica no ar apenas a questão de como é possível NÃO VER aquilo que é óbvio e que VPV tão bem resume no seu artigo. Ou ver e, por razões mais ou menos insondáveis, não o admitir.
Só uma nota final. Dizer que "...Passos Coelho é outro parasita da política. Não se lhe conhece nenhuma ocupação meritória, gravita no PSD desde a Jota e tem ocupado uns cargozinhos por aí numas administrações, à base da cunha e da treta...." seria cómico, se não fosse trágico. Quero pensar que quando o prezado "Alentejano, Beja" refere outro é porque Já tínhamos um bem representado no "parasitismo" político nacional. Ou ele ou o séquito de boys, remunerado com Euros so quilo, como ainda recentemente se percebeu quando se descobriu administradores da PT e de outra entidades expressamente criadas para tarefas tão nobres como convidar futebolistas para pequenos almoços.
Este comentário foi removido pelo autor.
Este comentário foi removido pelo autor.
Nelson, com 40% de abstencionistas, os trinta e tal por cento de votos que o PS obteve nas últimas eleições correspondem a cerca de 20% de todo o eleitorado. Ou seja, o PS governa com o mandato de apenas 20% dos portugueses. Os restantes 80%, ou se abstiveram (metade), ou votaram noutros partidos. :-)
Luís
Raciocínio perfeitamente claro. Confesso que não tinha olhado por esse ângulo. Obrigado, Luísa.
Enviar um comentário
<< Home