Enquanto nos assoamos à gravata...
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Tem de haver uma razão plausível para esta autêntica esquizofrenia nacional, qual seja a de transformar notícias perfeitamente razoáveis numa mostragem de estética duvidosa mas de indesmentível eficácia na formação de opinião pública, sobretudo quando essas notícias permitem evocar uma ética e um pensamento políticos que não deixem dúvidas sobre a superioridade moral de um colectivo asséptico e imune às aleivosias retrógradas e fascizantes de alguns dos nossos líderes europeus – o nosso.
É assim que eu começo a ouvir uma arenga interminável sobre uma acção policial… em Itália, arredores de Milão, a alusão amiúde aos nomes de Sarkozy, Berlusconi, fascismo, ciganos, xenofobia, recentes medidas contra ciganos, expulsão, até à passagem para o concreto de uma operação que envolveu uma força policial de duzentos elementos fardados e armados para a expulsão de duzentas famílias ciganas que tinham estabelecido o seu acampamento e que eram forçadas a retirar.
À medida que a notícia se desenvolve, o tom e o conteúdo vão (não havia escolha) carrilando a história para o que, afinal, parece ter sido uma meritória acção da polícia milanesa que ordeira e civicamente conduziu a retirada das famílias ilegalmente acampadas numa área industrial reservada e inapropriada à ocupação humana, transferindo-as para uma área onde previamente tinham organizado um complexo residencial que lhes proporcionasse condições dignas de vida, ao mesmo tempo que se libertava a tal zona industrial que não comportava a presença humana.
Esta notícia, embrulhada no pré-suspense referido, dita por um jornalista anónimo num tom semelhante ao das vozes-off dos documentários sobre o holocausto, sobretudo nos episódios em que se vê filas de vítimas a serem conduzidos de pijamas às riscas para os fornos crematórios, saiu na SIC e é um bom exemplo de como se manipula a opinião pública, trabalhando-a a um ponto em que, às tantas, o fim da notícia já não interessa e se retém apenas o essencial. O que interessa.
Continuo a dizer que tem de haver uma razão para esta… patologia enervante, de arraiais mais ou menos assentes nas televisões. Saliento, particularmente, as vozes-off destas pérolas noticiosas. O tom acusatório, trágico, irremediavelmente cometido à permanente injustiça em que estamos mergulhados por causa dos ricos, poderosos e governos de direita (basicamente Sarkozi, Berlusconi e Merckel) revela a existência de um fenómeno de difícil compreensão, mas que claramente denuncia esta mania nacional que somos de esquerda, progressistas, moralmente superiores, politicamente correctos e atentos à solidariedade internacionalista. Só me espanta que sendo nós assim tão escorreitos de ideias e princípios não consigamos bater a besta e arrastar a carroça para os níveis médios europeus de uma desejável sociedade mais justa e qualitativa. Pelo contrário, continuamos a registar uma trágica linha de divergência nos indicadores económicos e sociais. Mas isso deve ser, necessariamente, culpa de Sarkozi, Merckel e Berlusconi, uns pulhas incultos, xenófobos, racistas e insensíveis que se entretêm a transferir ciganos de zonas de fixação humana proibida para outras com aceitáveis condições de vida dignas e enquadradas na legalidade. Não fossem eles e outro galo cantaria. Olarila.
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Etiquetas: esquerda(s), portugueses normalizados
4 Comments:
Desde que o jornalismo passou a curso superior foi no que deu. Eles agora são doutores! E esses, das vozes-off, devem estar a fazer algum mestrado!
MAS QUE BEM QUE TU FALASTE!
CONCORDO INTEIRAMENTE CONTIGO.
Pedro Barbosa Pinto
São vozes adequadas às circunstâncias. Eu não sei se são mestrandos mas que são vozes estudadas, são...
papoila
Puxa... com maiúsculas e tudo :))))
Já leste os blogues todos?
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