Portugal profundo?
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Conheço bem as nossas ex-colónias. Em momentos determinados espantava-me com uma como que espécie de lógica muito própria dos africanos no tratamento de assuntos da mais variada natureza. Levou algum tempo, mas acabei por desistir de entender essa lógica, levei-a à conta das idiossincrasias das gentes, da sua cultura.
Conheço bem as nossas ex-colónias. Em momentos determinados espantava-me com uma como que espécie de lógica muito própria dos africanos no tratamento de assuntos da mais variada natureza. Levou algum tempo, mas acabei por desistir de entender essa lógica, levei-a à conta das idiossincrasias das gentes, da sua cultura.
Agora em Portugal vou conseguindo relacionar essa “lógica” com uma herança que considero pesada, que isto de ser africano nem sempre é fácil. Ter herdado alguns dos nossos tiques, muitos deles verdadeiramente inexplicáveis para qualquer cidadão para além do rectângulo, agrava a situação. Vejam, este pequeno exemplo em dias recentes, passado comigo:
Porto I
Visita à magnífica Lello. Casa cheia, negócio a fluir e muita gente deslumbrada com a beleza do local. Um dos atendedores ao balcão, enquanto atendia os clientes dizia em voz alta para os visitantes da livraria:
Porto I
Visita à magnífica Lello. Casa cheia, negócio a fluir e muita gente deslumbrada com a beleza do local. Um dos atendedores ao balcão, enquanto atendia os clientes dizia em voz alta para os visitantes da livraria:
- No fótós
- No pictxares
- Ei, proibido tirar fótós
- No fótós…
E a ladainha seguia, ininterrupta, por forma a que eu, cinco minutos mais tarde, me interrogasse mesmo como era possível uma pessoa trabalhar… “assim”, facturando, embrulhando, recebendo, dando trocos e impedindo as pessoas de tirar fotografias, ao ponto de eu não resistir e perguntar ao mal encarado empregado:
- Desculpe meter-me no assunto, mas … porque não colocam um pequeno letreiro à entrada dizendo que é proibido tirar fotografias?
- Não bale a pena carago, se calhar daqui a um mês (sic) já se pode, num bale a pena pôr agora a tabuleta e depois daqui a um mês já se pode e temos de tirar a tabuleta… no fótós… ó amigo… no fótós…
Retirei-me de mansinho e fui tomar um cimbalino na pastelaria mesmo ao lado.
Porto II
- Minha senhora, desculpe maçar… pode indicar-me onde fica o Majestic? Sei que é aqui perto, mas sou de Lisboa e…
-É fácil, o senhor… olhe, é já aqui, vira na primeira à direita… ali… ali já à esquina… e segue…. quer-se dizer… atravessa a rua, que o Majestic é no passeio de lá… e segue… e mais ou menos a meio… mas olhe… atravessa a rua, o Majestic é do outro lado da rua…
- Tudo bem, muito obrigado e…
- Mas atravesse a rua, senhor, que o café é do outro lado… é já aqui nesta esquina, depois é já a rua do Majestic… mas atrevesse a rua para o outro passeio…
- Sim senhor, muito obrigado…
- Mas atravesse a rua… o café é do outro lado da…
Fugi. Esgueirei-me e a mulher ficou ainda a falar, que eu ouvi, juro que ouvi, atrás de mim. Dobrei a esquina e NÃO atravessei a rua. Queria ter a certeza que do lado de cá da rua seria capaz de lobrigar o magnífico café. Fui. Lobriguei.
Régua
Circunstancialmente, já meia-noite a aconselhar a pernoita na Régua. Sem reserva e sem conhecer bem o local, recorri a um transeunte que me recomenda o «Régua Douro». Quando perguntei se o hotel era bom o transeunte respondeu-me:
- Bom? Claro, é do Senhor Vasconcelos. De qualquer maneira, não há mais nenhum… o senhor vai por aqui… olhe lá ao fundo, está a ver, aquela luz é do letreiro do hotel…
Vi o almejado letreiro. Agradeci e arranquei, pelo retrovisor pude ainda observar o prestável transeunte continuando a explicar que só havia um hotel, que era do senhor Vasconcelos e que só havia um hotel na Régua. Parei no semáforo, olho pelo retrovisor, ainda a tempo de ver o homem fazer sinal com as mãos para seguir, para seguir em frente… contive o impulso para sair do carro e ir dizer-lhe que o sinal estava vermelho… de resto, o sinal passou a verde e eu segui.
No hotel, já habituado à estranha fobia dos portugueses pelo ar condicionado, janelas abertas (por causa das correntes de ar, pontadas e «correspondência»…) e água gelada, dirigi-me de imediato ao comando do mesmo. Graduei a temperatura para os 20º, «on-off» no on, velocidade do ventilador verificada e…ON. Nada. Pasa nada! Repito a operação. Nada, pasa nada. Disse porra duas vezes. Repito: Nada, pasa nada. Repeti uma vez mais. Disse…. Isso, essa mesmo com “p” like in Philadelphia. Iracundo e já à beira da apoplexia (o hotel do senhor Vasconcelos sempre é um hotel de 4 estrelas, que diabo… e antevendo que o telefone levaria alguns minutos a ser atendido, desci à recepção:
- Boa noite, olhe sou do quarto tal… o ar condicionado não trabalha, agradecia que verificasse e, se for caso disso, arranje outro quarto.
- Outro quarto? Ó amigo o ar condicionado trabalha…
-Ei, ei, ei, ei… desculpe interrompê-lo…. Sei mexer razoavelmente em comandos de ar condicionado e aquele ar condicionado não trabalha, não arranca…
-Mas o senhor mexeu na temperatura?
- Claro, ajustei para os 20 graus …
- Ah, claro! Não pode, é que aquilo só arranca nos 30º…
- Olhe, o senhor não percebeu, eu não quero aquecimento, eu quero ar con-di-cio-na-do. É verão, está calor, eu quero…
- Mas é que os aparelhos só arrancam na posição de 30 graus. Trinta.
Abanei a cabeça, esfreguei as mãos, semicerrei os olhos e revi mentalmente a matéria… ao mesmo tempo que ia pensando no que fazer… até ouvir:
- É que neste hotel só aos trinta graus é que o aparelho arranca, mas os trinta graus não quer dizer nada, estes aparelhos são assim, só arrancam nos trinta graus MAS fazem frio. O senhor é que mexeu naquilo…
Ponderei a situação de novo… ia ouvindo o discurso do recepcionista já de forma indistinta, mas ainda percebo:
- Olhe aqui… está frio, se for ver os aparelhos estão todos a trinta graus!
Enchi o peito, respirei três vezes e tossiquei (uma coisa que li por aí que se deve fazer para evitar enfartes…) e fui-me embora. Cheguei ao quarto, girei o comando para os trinta graus, não sem me sentir profundamente idiota e fiz on. O ar condicionado arrancou em todo o seu esplendor e o calor fez-se frio e eu dormi que nem um justo. Um justo idiota que não tinha nada que mexer no comando da temperatura e que, lá está, tinha a obrigação de saber que os aparelhos de ar condicionado do Régua Douro só arrancam aos 30 graus. Ou é aos 100? Não, aos 100 é a água e aos 90 o ângulo recto. Ninguém me manda ser assim tal quadrado!
- No pictxares
- Ei, proibido tirar fótós
- No fótós…
E a ladainha seguia, ininterrupta, por forma a que eu, cinco minutos mais tarde, me interrogasse mesmo como era possível uma pessoa trabalhar… “assim”, facturando, embrulhando, recebendo, dando trocos e impedindo as pessoas de tirar fotografias, ao ponto de eu não resistir e perguntar ao mal encarado empregado:
- Desculpe meter-me no assunto, mas … porque não colocam um pequeno letreiro à entrada dizendo que é proibido tirar fotografias?
- Não bale a pena carago, se calhar daqui a um mês (sic) já se pode, num bale a pena pôr agora a tabuleta e depois daqui a um mês já se pode e temos de tirar a tabuleta… no fótós… ó amigo… no fótós…
Retirei-me de mansinho e fui tomar um cimbalino na pastelaria mesmo ao lado.
Porto II
- Minha senhora, desculpe maçar… pode indicar-me onde fica o Majestic? Sei que é aqui perto, mas sou de Lisboa e…
-É fácil, o senhor… olhe, é já aqui, vira na primeira à direita… ali… ali já à esquina… e segue…. quer-se dizer… atravessa a rua, que o Majestic é no passeio de lá… e segue… e mais ou menos a meio… mas olhe… atravessa a rua, o Majestic é do outro lado da rua…
- Tudo bem, muito obrigado e…
- Mas atravesse a rua, senhor, que o café é do outro lado… é já aqui nesta esquina, depois é já a rua do Majestic… mas atrevesse a rua para o outro passeio…
- Sim senhor, muito obrigado…
- Mas atravesse a rua… o café é do outro lado da…
Fugi. Esgueirei-me e a mulher ficou ainda a falar, que eu ouvi, juro que ouvi, atrás de mim. Dobrei a esquina e NÃO atravessei a rua. Queria ter a certeza que do lado de cá da rua seria capaz de lobrigar o magnífico café. Fui. Lobriguei.
Régua
Circunstancialmente, já meia-noite a aconselhar a pernoita na Régua. Sem reserva e sem conhecer bem o local, recorri a um transeunte que me recomenda o «Régua Douro». Quando perguntei se o hotel era bom o transeunte respondeu-me:
- Bom? Claro, é do Senhor Vasconcelos. De qualquer maneira, não há mais nenhum… o senhor vai por aqui… olhe lá ao fundo, está a ver, aquela luz é do letreiro do hotel…
Vi o almejado letreiro. Agradeci e arranquei, pelo retrovisor pude ainda observar o prestável transeunte continuando a explicar que só havia um hotel, que era do senhor Vasconcelos e que só havia um hotel na Régua. Parei no semáforo, olho pelo retrovisor, ainda a tempo de ver o homem fazer sinal com as mãos para seguir, para seguir em frente… contive o impulso para sair do carro e ir dizer-lhe que o sinal estava vermelho… de resto, o sinal passou a verde e eu segui.
No hotel, já habituado à estranha fobia dos portugueses pelo ar condicionado, janelas abertas (por causa das correntes de ar, pontadas e «correspondência»…) e água gelada, dirigi-me de imediato ao comando do mesmo. Graduei a temperatura para os 20º, «on-off» no on, velocidade do ventilador verificada e…ON. Nada. Pasa nada! Repito a operação. Nada, pasa nada. Disse porra duas vezes. Repito: Nada, pasa nada. Repeti uma vez mais. Disse…. Isso, essa mesmo com “p” like in Philadelphia. Iracundo e já à beira da apoplexia (o hotel do senhor Vasconcelos sempre é um hotel de 4 estrelas, que diabo… e antevendo que o telefone levaria alguns minutos a ser atendido, desci à recepção:
- Boa noite, olhe sou do quarto tal… o ar condicionado não trabalha, agradecia que verificasse e, se for caso disso, arranje outro quarto.
- Outro quarto? Ó amigo o ar condicionado trabalha…
-Ei, ei, ei, ei… desculpe interrompê-lo…. Sei mexer razoavelmente em comandos de ar condicionado e aquele ar condicionado não trabalha, não arranca…
-Mas o senhor mexeu na temperatura?
- Claro, ajustei para os 20 graus …
- Ah, claro! Não pode, é que aquilo só arranca nos 30º…
- Olhe, o senhor não percebeu, eu não quero aquecimento, eu quero ar con-di-cio-na-do. É verão, está calor, eu quero…
- Mas é que os aparelhos só arrancam na posição de 30 graus. Trinta.
Abanei a cabeça, esfreguei as mãos, semicerrei os olhos e revi mentalmente a matéria… ao mesmo tempo que ia pensando no que fazer… até ouvir:
- É que neste hotel só aos trinta graus é que o aparelho arranca, mas os trinta graus não quer dizer nada, estes aparelhos são assim, só arrancam nos trinta graus MAS fazem frio. O senhor é que mexeu naquilo…
Ponderei a situação de novo… ia ouvindo o discurso do recepcionista já de forma indistinta, mas ainda percebo:
- Olhe aqui… está frio, se for ver os aparelhos estão todos a trinta graus!
Enchi o peito, respirei três vezes e tossiquei (uma coisa que li por aí que se deve fazer para evitar enfartes…) e fui-me embora. Cheguei ao quarto, girei o comando para os trinta graus, não sem me sentir profundamente idiota e fiz on. O ar condicionado arrancou em todo o seu esplendor e o calor fez-se frio e eu dormi que nem um justo. Um justo idiota que não tinha nada que mexer no comando da temperatura e que, lá está, tinha a obrigação de saber que os aparelhos de ar condicionado do Régua Douro só arrancam aos 30 graus. Ou é aos 100? Não, aos 100 é a água e aos 90 o ângulo recto. Ninguém me manda ser assim tal quadrado!
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Etiquetas: Ai Portugal, me worry?
8 Comments:
Sendo eu uma "mulher do Norte", não posso deixar de sorrir...:))))))
Num restaurante lá de cima:
"-desculpe, mas enganou-se, nós não pedimos salada de tomate.
-mas tendes de o comer porque tenho cá muito dele....."
(Comemos! E era bem bom.)
Pelo que li, foram uns dias divertidos.
xx
grato pelos momentos hilariantes que nos trouxe...
essa dos 30º nunca me tinha acontecido!
Essas coisas só te acontecem a ti. Eu a ti apresentava uma queixa :D
muito bom :)))
papoila
Tomates, não me saiu na rifa :))) mas sabes... pergunto-me se sem estes episódios as coisas teriam o mesmo sabor...
José Doutel Coroado
Eu é que agradeço a visita. Um abraço
Papoila
Concordo. E se o fizer, sei onde ir :)))
Kikas
Pelo menos, divertido :))
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