sexta-feira, abril 08, 2011

Espero não levar com um telemóvel na cabeça

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Aqui está uma coisa que me apetecia dizer há um ror de tempo. Por isto ou por aquilo, não o tenho feito. Provavelmente com o receio subconsciente de levar com um telemóvel na cabeça, entre o bife e o leite-creme.

Mas já que a Luísa aflorou o assunto e porque eu nunca o faria com o brilho que ela empresta a qualquer sentença que contenha mais de duas palavras, aqui fica este texto. Que tomo até a liberdade de dedicar. Só não digo à Luísa a quem o dedico porque não a quero pôr em risco de levar também com um «gadget» na cabeça.

Embora se atribua ao Renascimento o grande salto civilizacional «à table», «l’Histoire» comprova que remontam às «trevas» medievais as primeiras orientações sobre boas maneiras. Assim, já nos finais do século XI ou princípios do século XII, Pedro Afonso, judeu espanhol convertido ao cristianismo, aconselhava, em obra escrita sob a forma de diálogo entre pai e filho, que não se falasse com a boca cheia e se lavassem as mãos antes e depois das refeições. E um pouco mais tarde, Hugues de Saint-Victor, monge de uma abadia parisiense, condenava o que «fazem uns quantos que, uma vez sentados à mesa, denunciam a anarquia dos seus espíritos pela agitação e a desordem febril dos seus membros», recomendando discrição, moderação e asseio. O século XIII veio estigmatizar as posturas grotescas: o comensal devia manter o aprumo e não cruzar as pernas, nem pôr os cotovelos na mesa. E os séculos XIV e XV vieram repudiar os comportamentos anti-higiénicos, inestéticos e incómodos, como respingar sopa sobre o vestuário, demolhar o pão no prato do vizinho (sem prévia autorização deste), palitar os dentes com a faca ou deixar-se embriagar. Finalmente, no século XVI, Erasmo, em «A Civilidade Pueril», considerava de mau tom que se mergulhassem os dedos nos molhos, que se vasculhassem as travessas em busca dos melhores pedaços e que se limpassem os dedos engordurados à roupa ou à língua. A estes e outros preceitos de sã sociabilidade, que ainda hoje se mantêm em vigor, cumpriria adicionar, no nosso século, mais um, que os excessos de modernidade nos têm feito ignorar: é ele evitar a todo o custo o que fazem uns quantos que, imiscuindo o telemóvel no convívio entre pratos e talheres, denunciam o cerceamento dos seus espíritos pela dependência obsessiva de gadgets.

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1 Comments:

At 5:19 da tarde, Blogger Luísa A. disse...

:-)))))

 

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