Que parvos que somos
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E a plateia saltou, vibrou e aplaudiu. Em Portugal é fácil este tipo de reacção, esta mola revivalista do contra, da crítica e do sentimento dúplice de desdém e de inveja pelo poder e pelos poderosos. Daí que o estrondoso aplauso no Coliseu a premiar uma canção ainda desconhecida, (penso que nem gravada está ainda, apenas é conhecida por via das redes sociais) e entoada por uma banda de valor e qualidade estética discutíveis, tenha derrapado já para o nascimento de um «hino». Hino é mesmo o vocábulo mais ouvido para identificar uma letra poderosa e apropriada ao momento político e social português.
Ouvi Pedro Marques Lopes dizer no Eixo do Mal que houve uma tentativa clara de apropriação da génese da letra pela «esquerda» e pela «direita». Por uma vez concordo com Pedro quando ele diz que tem pena que a direita se tenha empertigado também para a captação do hino. Porque a esquerda, ainda que numa primeira análise de relance possa parecer o inverso, é manifestamente responsável e a musa inspiradora de uma letra poderosa como a deste «Que parva que eu sou». E responsável por duas razões principais. Uma porque tendo estado praticamente no poder desde o 25 de Abril, criou apadrinhou e alimentou um desiderato político e social que só poderia conduzir a esta desgraça. A segunda porque mesmo reconhecida que é a tragédia cantada pelos Deolinda, a esquerda continua cerrada na defesa dos «direitos adquiridos» dos que estão empregados, mesmo que isso signifique um dique fortíssimo a conter os interesses represados de uma clique privilegiada e colada como lapas ao emprego que tem, «proibindo» o emprego e o desenvolvimento das fornadas de jovens que todos os anos saem das faculdades.
Para ouvir a «Que parva que eu sou», clicar aqui
Sou da geração sem remuneração
E não me incomoda esta condição
Que parva que eu sou
Porque isto está mal e vai continuar
Já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Sou da geração “casinha dos pais”
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar
E ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Sou da geração “vou queixar-me pra quê?”
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou
Sou da geração “eu já não posso mais!”
Que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
.
Etiquetas: Ai Portugal, música de intervenção, política
6 Comments:
Isto é um convite a deixar de estudar??? :)
Ando mesmo a leste...não conhecia esta canção!
Por onde começar para endireitar o país?
Já leste a minha adivinha?????
xx
"O Poeta é um fingidor"
Portanto ainda acredito devemos estudar cada vez mais.
A mensagem é de rebeldia juvenil.
Mas muito boa a musica.
Rosário
Não entendo isso da qualidade e estética discutíveis. Acho-os uma das bandas mais bem conseguidas dos últimos anos. A música deles é de grande qualidade e a estética é a estética da música popular portuguesa. Há gente para quem isso faça muita confusão, da mesma forma que há gente para quem um jovem queixar-se e insurgir-se também o faça. São esses que não deixam isto andar para a frente, que travam com demagogia a qualidade, o empreendedorismo e a diferença. Mas sempre houve e haverá Sousa Laras a ficar na história como anedotas...
papoila
É natural que não conheças a canção. Nem sequer editada está ainda. Mas ganhou grande popularidade via redes sociais depois do impacto do seu grande êxito na interpretação do concerto.
Maria do Rosário
A mensagem é poderosa e muito bem conseguida
NR
Tomás
Não entender «isso» da qualidade e estética discutíveis... deixe cá ver se posso ajudá-lo... é assim tipo o que está a fazer agora mesmo, discuti-las.
Quanto ao mais, tirando o pormenor de me chamar indirectamente Sousa Lara, coisa que não me deu jeito mas que, como tudo, «é discutível», quanto ao mais, dizia eu, só posso pensar que o Tomás não entendeu uma vírgula que fosse do sentido do post. E quanto a isso não há muito a fazer. Ainda que, admito, a sua percepção da sintaxe e interpretação sejam «discutíveis». Não é bom podermos discutir assim tantas coisas?
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