Dever cumprido
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Como se sabe, uma das principais contrariedades nos acidentes de automóvel é a curiosidade do português que circula em sentido contrário. Ele tem de ver bem para poder explicar aos filhos e à mulher quem é que teve a culpa. Poderão existir outras razões mas essas entrarão porventura no domínio da patologia e juro que não me apetece enveredar por aí, na serenidade de uma manhã chuvosa, fria e aconchegada como esta.
Isto vem a propósito da reportagem ali no televisor ao lado, agorinha mesmo, sobre o cidadão que não resiste e tem de ir ver porque é que algumas estradas estão cortadas. Ele já ouviu a GNR, a televisão, a rádio e os jornais dizerem que nevou muito, que os limpa-neves estão a tentar desimpedir o tráfego a todo o vapor e que as pessoas se deviam abster em absoluto de viajar, mas ele, cidadão em pleno dos seus direitos, tem de ir ver como, onde e porquê. Vai daí pega no carrinho e vai por ali fora. Pouco depois tem de parar, há neve aos montes, a estrada está fechada. Resigna-se e tenta voltar para trás. Faz a manobra de inversão. Não dá. O carro patina e acaba por resvalar para a berma. Uma trapalhada. Tenta o telemóvel e, imagine-se, não há rede. O português, de curiosidade satisfeita mas começando a ficar nervoso, lá acaba por ser auxiliado por uma viatura de desobstrução da estrada e volta para trás, devidamente admoestado pelos operadores da outra viatura, mas com a sensação do dever cumprido. Acaba por deparar com a reportagem da televisão (a glória final) a quem diz mais ou menos o que acabei de descrever. Acrescentando que sabia que a estrada estava cortada mas tinha que ir ver. Mas di-lo a rir. Como a rir se diz tudo, desde que seja para a televisão. Desde a neve da estrada, ao incêndio do prédio da esquina. O português ri. No caso presente, o nosso automobilista curioso ri com o ar travesso de quem acabou de ir aos figos. Aliás, o português ri muito. Frequentemente, sem dentes e a risada torna-se um esgar absurdo e a roçar o burlesco. Mas as televisões gostam. E filmam. Tanto que às tantas ficamos a pensar que todos os portugueses são desdentados e não resistem a ir ver a partir de onde é que a estrada está cortada pela neve.
Como se sabe, uma das principais contrariedades nos acidentes de automóvel é a curiosidade do português que circula em sentido contrário. Ele tem de ver bem para poder explicar aos filhos e à mulher quem é que teve a culpa. Poderão existir outras razões mas essas entrarão porventura no domínio da patologia e juro que não me apetece enveredar por aí, na serenidade de uma manhã chuvosa, fria e aconchegada como esta.
Isto vem a propósito da reportagem ali no televisor ao lado, agorinha mesmo, sobre o cidadão que não resiste e tem de ir ver porque é que algumas estradas estão cortadas. Ele já ouviu a GNR, a televisão, a rádio e os jornais dizerem que nevou muito, que os limpa-neves estão a tentar desimpedir o tráfego a todo o vapor e que as pessoas se deviam abster em absoluto de viajar, mas ele, cidadão em pleno dos seus direitos, tem de ir ver como, onde e porquê. Vai daí pega no carrinho e vai por ali fora. Pouco depois tem de parar, há neve aos montes, a estrada está fechada. Resigna-se e tenta voltar para trás. Faz a manobra de inversão. Não dá. O carro patina e acaba por resvalar para a berma. Uma trapalhada. Tenta o telemóvel e, imagine-se, não há rede. O português, de curiosidade satisfeita mas começando a ficar nervoso, lá acaba por ser auxiliado por uma viatura de desobstrução da estrada e volta para trás, devidamente admoestado pelos operadores da outra viatura, mas com a sensação do dever cumprido. Acaba por deparar com a reportagem da televisão (a glória final) a quem diz mais ou menos o que acabei de descrever. Acrescentando que sabia que a estrada estava cortada mas tinha que ir ver. Mas di-lo a rir. Como a rir se diz tudo, desde que seja para a televisão. Desde a neve da estrada, ao incêndio do prédio da esquina. O português ri. No caso presente, o nosso automobilista curioso ri com o ar travesso de quem acabou de ir aos figos. Aliás, o português ri muito. Frequentemente, sem dentes e a risada torna-se um esgar absurdo e a roçar o burlesco. Mas as televisões gostam. E filmam. Tanto que às tantas ficamos a pensar que todos os portugueses são desdentados e não resistem a ir ver a partir de onde é que a estrada está cortada pela neve.
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Etiquetas: Ai Portugal, Bom português, me worry?, portugueses normalizados
8 Comments:
É a crise.
Se não fosse a crise, esse português tinha ido passar o fim-de-semana prolongado a um lado qualquer e não ia assim num programa de última hora.
Até dói ... (suspiro) ... ai meu deus ...
Até dói, mas é a verdade com que nos debatemos diariamente e de que as televisões alarvemente se alimentam.
Muito bem apanhado!!!! E depois admiramo-nos de, naquele lá fora que invejamos, sejamos umas caicaturas grotescas e felizes de tão parolas. Muito bem apanhado.
Carlota
São os chamados programas de improviso
:))
sinapse
Não é?
:)
Teófilo M.
É a triste verdade...
Blondewithaphd
Ora aqui está um nick... improvável, to say the least :)))
estou brincando, claro, coisa que deve ser perceptível e ao alcance fácil de qualquer loura com phd
:)
Bem vinda a Espumadamente
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